Abrimos a primeira edição do 7 Perguntas com um diálogo com a colega Priscilla Buhr. Há um ano ela vinha trabalhando com light painting em um processo de compreensão de si motivada por um desafio trazido pelo workshop do fotógrafo Claudio Feijó.
O resultado desse diálogo rendeu o ensaio Autodesconstrução, que foi um dos vencedores da edição 2010 do Fotograma Livre, mostra realizada pelo Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre (Fest Foto Poa), e levou Priscilla a ser convidada para participar da seção Fotografia Brasileira Contemporânea (na companhia de Alexandre Severo) que ocorrerá na edição 2011 do festival, entre os dias 6 e 10 de abril próximo.
O ensaio também foi contemplado pelo edital do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM), em Recife, proporcionando a fotógrafa a chance de realizar a sua primeira exposição individual, que esteve em cartaz de 3 de dezembro de 2010 a 31 de janeiro deste ano.
O ensaio também ganhou destaque na atual edição da revista S/N, organizada por Bob Wolfenson, cujo tema é Sede e recebeu uma bonita nota na edição de fevereiro/março da Photo Magazine, que está nas bancas. Nesta conversa ela debate um pouco dos bastidores e motivações deste ensaio.

Autodescontrução ganhou prêmios, editais e têm se destacado nas publicações do país | Priscilla Buhr
Como se deu o início do autodesconstrução? Quais referencias você utilizou na formação do conceito deste trabalho?
Quando fiz a primeira foto do ensaio, nem sonhava que dali iria sair um trabalho.. Comecei a fazer um exercício com luz.. a brincar com o light painting e dessa brincadeira uma foto chamou minha atenção, que é a minha mão com uma sobra projetada. Gostei daquilo e tentei fazer outras coisas na mesma linha e não consegui. Guardei a foto e passei um tempão sem produzir nada. Dai fui pra o Paraty em Foco, em 2009, e fiz o workshop Descondicionamento do Olhar, com Cláudio Feijó. Esse workshop mudou minha vida, sem pieguismo. Cláudio fez diversos exercícios em que a gente precisava parar e se olhar um pouco. Ele disse algo como “para se ter uma fotografia sua, é preciso se conhecer – seus medos, sonhos e desejos”…e aquilo ficou ecoando na minha cabeça. Vi que estava na hora de parar e olhar pra dentro, me encontrar em mim mesma. Voltei de Paraty em crise, querendo desaparecer do mundo. Mas como não era possível sumir, eu comecei a fotografar.. a me fotografar.. a desconstruir minha imagem, meus sentimentos.. e essa foi a forma que encontrei de viver esse processo de autoconhecimento. Quando me dei conta já tinha produzindo bastante coisa…e o que era um exercício, praticamente uma terapia, foi tomando forma de um ensaio. Tenho duas referencias fortes nesse trabalho: as idéias de Cláudio Feijó e a estética de Evgen Bavcar, fotógrafo esloveno deficiente visual, que trabalha muito com light painting, com a escuridão, com a luz e com o corpo.
Ao longo do processo com o Autodesconstrução, muitas imagens saíram e entraram do ensaio final, algumas que te agradavam passaram a não dizer mais nada, outras que não diziam se mostraram diferentes de uma hora para a outra. Vendo o trabalho apresentado hoje, o que as tuas fotografias te ensinam? Elas ganharam vida própria? Quando o que era um exercício se tornou a tua exposição?
Ao longo do processo de produção, que durou um pouco mais de um ano, eu fui amadurecendo a idéia do ensaio. Aos pouco fui vendo algumas fotos conversando entre si…e também algumas que não faziam fluir essa conversa. Mas, ao mesmo tempo, tudo que eu fui produzindo me acrescentava muito. É como se em cada foto que eu fizesse eu fosse me conhecendo um pouco mais, entendendo mais os meus sentimentos, as minhas angustias, minhas inseguranças.. e por isso editar esse ensaio foi bem difícil pra mim, por que quando eu cortava alguma foto é como se eu tivesse “ignorando” uma etapa do meu processo de autoconhecimento. E a forma que encontrei pra não quebrar isso foi mostrar também o que ficou fora da edição. Hoje, vendo o ensaio pronto, com as fotos na parede, eu enxergo como um desabafo. Eu estou expondo sentimentos muito fortes ali.. Eu sempre me pergunto porque eu estou expondo esse trabalho…e, às vezes, a resposta some da minha cabeça. É meio assustador pra mim estar me abrindo tanto e saber que nem todo mundo que vai ver esse trabalho vai entender e sentir tudo o que está por trás das fotografias…e o que me levou a me desconstruir. Mas também é instigante pensar no que as pessoas vão sentir.. que sentimentos esse trabalho vai despertar nas pessoas.
Para o processo fotográfico acontecer por completo é preciso expor a imagem. No Autodesconstrução, além de expor a sua fotografia você mostra seu o corpo, conta sobre si mesma. Como é para você lidar com a frágil fronteira entre a intimidade e a exposição. Por que auto-retratos? Eles se fizeram necessários para uma nova Priscilla existir?
Eu nunca gostei de auto-retratos. Não suporto sair em fotografias. Mas eu senti que precisava quebrar isso em mim pra me conhecer, pra me sentir mais segura com minha fotografia. O AutoDesconstrução é um trabalho sobretudo pessoal, uma fotografia de si para si. O encontro com o íntimo, a escuridão, a luz, a descoberta de novas sensações. O ensaio é uma série de auto-retratos fragmentados e silenciosos, onde exponho mais do que meu corpo, exponho sentimentos, muitos deles que não consigo traduzir em palavras. É desconfortável pra mim ser autora e obra ao mesmo tempo, mas extremamente importante, extremamente forte. Eu cresci muito desenvolvendo esse trabalho.. mexi em feridas, chorei, ri.. aprendi a me olhar.. e isso pra mim, já valeu a pena.
O Autodesconstrução tem uma sensualidade e erotismo muito fortes, mesmo com a sutileza das imagens. Você buscou isso? Como você percebe essa sensualidade?
Eu não vejo a sensualidade e o erotismo como o forte do ensaio. O corpo existe ali, e naturalmente as formas remetem a uma sensualidade, mas eu não vejo isso no primeiro plano. Não fiz as fotografias pensando no corpo pelo corpo.. tudo ali tem um sentimento por trás.. tem uma força que pra mim é mais forte que a forma. Acho que o descontruir está aí.. eu descondicionei o meu olhar sobre o meu corpo.. uma perna não é só uma perna, um seio não é só um seio…pra mim o sensual está muito mais na atmosfera.. no escuro, no silêncio do que no corpo em si.
Como foi o processo de criação das imagens apresentadas nesse trabalho, elas foram imagens produzidas exatamente como você as imaginou previamente ou o Autodesconstrução é na verdade uma descoberta de imagens um tanto imprevisíveis – como todo conteúdo que surge num processo de autoconhecimento?
Nenhuma foto foi preconcebida. Esse ensaio é muito intuitivo…as idéias iam surgindo enquanto eu ia fotografando, ao longo da noite. O que eu tinha definido é que queria foto de perna, boca, olho…mas não sabia como seriam essas fotos. Começava experimentando luzes e dalí iam surgindo imagens.. Algumas vezes comecei o processo querendo fotografar pernas.. e acabei a noite com um monte de fotos dos meus olhos. O sentimento ia me guiando…e as idéias iam se descontruindo ao longo do processo de produção..
Tecnicamente falando, como se deu o processo de produção?
Usei a técnica do light painting, utilizando uma pequena lanterna pra ir iluminando partes do meu corpo. Pra isso, precisava de um ambiente totalmente escuro. Fotografei em meu quarto durante a noite, com auxílio de um tripé e um controle remoto. Como todas as fotos foram feitas com longas exposições (5, 10, e até 30 segundos), qualquer movimento do meu corpo afetava de uma forma diferente no resultado da fotografia, algumas vezes esse movimento funcionava, mas em muitos outros não.. Dai comecei a fazer um exercício de respiração enquanto fotografava.. prendia o ar enquanto fazia os movimentos com a lanterna.
Saindo do ensaio para pensar você enquanto fotógrafa e o teu trabalho enquanto um discurso sobre o mundo. Como a sua fotografia dialoga com a política e a arte e que discussões você acredita que carrega em tudo o que você fotografa?
Acredito que em toda fotografia que faço deposito um pouco da minha visão de mundo, das coisas que acredito e que respeito.. e isso fica ainda mais claro no meu trabalho como fotojornalista. Eu tenho os meus limites éticos e meus limites emocionais, e tento sempre respeitar isso. Digo tento, porque nem sempre a gente consegue por ter que voltar com um material pra redação.. Mas, ainda assim, eu procuro não ultrapassar esse limite.. espero nunca olhar pra uma foto minha publicada e me sentir mal por tê-la feito. O meu trabalho autoral conversa muito com as minhas memórias afetivas, com meus sentimentos.. vejo e sinto o meu olhar buscando essas referências.. tanto esteticamente, quanto ideologicamente. O meu olhar como fotógrafa não é estático.. porque por mais que eu tenha alguns conceitos de mundo bem definidos na minha cabeça, me vejo sempre descobrindo novas coisas e consequentemente isso se reflete no meu trabalho.
Linda entrevista. Profunda e reveladora!
Obrigado.
Beijos
Repito o que foi dito aí em cima. Linda entrevista. E esse ensaio é de tirar o fôlego.
beijos
Inspirador, revelador e emocionante! Adorei a entrevista!