A partir dos posts anteriores desta seção e de seus desdobramentos, fiquei martelando uma questão: por que ainda lidamos com a fotografia de maneira tão arcaica? Continuamos amarrados a pré-conceitos e não sabemos lidar com velhos tabus que a restringem, a ver: analógico x digital; subjetividade x realidade; arte x documental; imagem x palavra; autoria individual x coletiva; manipulação de imagens; o novo x o velho e etc.
A despeito das grandes mudanças de paradigmas acerca da fotografia, onde ela deixa de ser vista como mero testemunho da verdade objetiva ou instrumental técnico, ainda mantemos uma postura engessada. Mesmo em tempos de transição tão evidente, onde encontramos as mais diversas formas da fotografia lidar com o mundo e se consolidar como experiência mais abrangente.
Ronaldo Entler no artigo Um lugar chamado fotografia, uma postura chamada contemporânea diz que: “O foco das discussões foi gradualmente se descolando das especificidades da fotografia para as possibilidades de trânsito e reconfiguração de seu estatuto”. Mas parece que alheios às transformações, imperam discursos atrasados de defesa a uma ontologia que pouco nos enobrece e tanto nos castra, como o exemplo recente da premiação de Michael Wolf no World Press Photo. Assunto que foi discutido no Diálogo anterior escrito por Joana Pires.
Vemos sempre defensores e críticos ferrenhos a uma ou outra questão quando deveríamos estimular a variedade de formas e meios que muitas vezes engrandecem a produção fotográfica. Quanto mais ela dialoga com outros meios de comunicação ou linguagens (artísticas e/ou outras) e experimenta, mais temos a contribuir com a produção e o pensamento latentes, criatividade que se expande. Mais vale embarcarmos nos movimentos contemporâneos: hibridismos, experiências multimidiáticas, transdisciplinares ou o que o valha. Nada de limitar ou se fechar em redomas ou em si mesma, a fotografia já passou por essa fase no intuito de se defender das críticas e acusações, e não precisamos repetir erros do passado.
O que é bom e o que não é o tempo tratará de dizer, haja vista o grande número de ações que tem surgido em prol da fotografia: festivais, fóruns, redes, editais, publicações, entre outros. Iniciativas que buscam incentivar a produção autoral autônoma (prática e teórica), estimular a parceria, o diálogo aberto e se propõem a expandir os horizontes e a somar a nível local, nacional e internacional.
O que verdadeiramente importa é estarmos em constante movimento pensando, fazendo, repensando, refazendo, inovando, criando, recriando e etc. Como disse o fotógrafo e educador Eduardo Queiroga em comentário ao citado post do 7:
“Fotografia não é técnica, nem é material, nem é processo. Ou… é tudo isso e mais um bocado de coisa. Chamamos de foto desde aquele papel com uma imagem, até uma atividade abstrata de reflexão, passando por metáforas que falam da realidade etc e tal. Daí que não podemos reduzir o nosso entendimento de fotografia a determinados aspectos ou procedimentos.”
É claro que toda e qualquer nova idéia ou mudança leva um tempo para ser digerida. Também não quero negar a evolução do pensamento teórico, crítico ou prático, muito pelo contrário. Defendo a liberdade de pensamentos e posturas, que sejam múltiplos. Mas, principalmente, que possamos absorver o processo histórico da fotografia e agregar a ele uma nova postura, mais libertária.
Iatã Cannabrava citou uma definição do peruano Jorge Villacorta (fotografia sem sofrimento) em entrevista a revista Carta Capital:
“Então prevemos uma era de fotografia sem sofrimento. Uma fotografia bastante flexível em suas denominações. Um campo fotográfico onde não são 100% definidas as fronteiras, misturando-se com as artes plásticas, vídeo, cinema… Também uma fotografia com grande preocupação nos arquivos, reciclando o que já foi feito. Esse pode ser o grande movimento fotográfico por vir no futuro”.
Acredito que essa fala resume bem o momento que vivemos e que quis trazer aqui para o 7. A maior especificidade da fotografia é seu caráter agregador. Fotografia continua sendo fotografia, mesmo quando encontramos dificuldades para definí-la ou aceitá-la. Deixemos o pensamento e a produção livres de amarras ou tradicionalismos exacerbados. Vamos então libertá-la e desfrutar.
Defendo aqui uma fotografia livre!
Vida longa e próspera à fotografia livre!
Acho que a fotografia já é livre, sempre foi. Não importa o quanto a gente traga à tona tópicos já debatidos à exaustão. Ela não está nem aí pra gente. segue se reinventando, em intervalos de tempo cada vez mais curtos, quer a gente goste disso ou não. Sua evolução está fora do nosso controle.
Continuo acreditando que isso passa pelo uso e a consequente dependência de tecnologia, que deixou o mundo mais acelerado. Há novidades todos os dias. O novo hoje se torna ultrapassado em pouco tempo e isso não é negociável. Parece que não temos tempo para refletir, apenas para experimentar.
Também creio em nosso despreparado (enquanto sociedade) para lidar com imagens. Devemos reconhecer que o mundo é formado principalmente por cidadãos comuns, que hoje em dia, tanto quanto os profissionais de fotografia, estão conectados, interagem entre si e tem acesso à equipamentos fotográficos de manuseio simplificado. Gente que não estuda fotografia, não pensa a partir dela, mas que se acostumou produz fotos numa quantidade incrível.
Daí começo a viajar… e se a pintura e a escultura surgissem como artes populares e não para aristocratas? E se, nas primeiras décadas da fotografia, o conhecimento sobre ela ganhasse as ruas e não ficasse restrito a pequenos grupos intelectuais ou confinado nos laboratórios? E se, na época em que ajudou a popularizar a fotografia, George Eastman (Kodak) também tivesse se dedicado à criação de cursos? Não importa, já era. A impressão que tenho é que o homem começou a encarar o conhecimento sobre fotografia como bem para sociedade tarde demais… a fotografia é livre e, muito em função desse vacilo, estará sempre à frente de nosso entendimento.
Eu me idendifico com esse seu texto, Maíra, porque às vezes me sinto “do contra” em função do que penso. Em outras ocasiões, tudo me parece pertinente. Mas, seja qual for meu estado de espírito, essa é uma questão que volta e meia me incomoda.
Pois é, Chico, ainda bem que a fotografia não está nem aí pra gente, segue seu curso sempre à nossa frente. E que assim o seja, pois ela é muito maior do que qualquer caixinha na qual possamos pensar em colocá-la. Ainda bem, também, que temos sempre pensadores e artistas à frente de nosso tempo, gente que quer é produzir, criar, recriar, desmistificar… E que não se deixam engessar por padrões. Gostaria mesmo de ver o tempo deste nosso despreparo superado e de uma fotografia mais fluida. Mas não sei se ela já é livre, eu gostaria que fosse…
bom dizer que a fotografia está frente da gente é uma boa figura de linguagem pra explicitar o potencial da arte de ser um meio de apresentar novas ideias. Porém só não pode ser levado ao pé da letra, pois ai a gente pode cair na ideia que arte se desenvolve por fora do mundo dos seres humanos, independente de nós. O que não é verdade, a fotografia e seu nivel de desenvolvimento é simplesmente reflexo do desenvovimentos dos homens.
Sobre a liberdade reivindico o manifesto da arte surrealista. Que em resume é uma ode a liberdade da arte. Pois sem a liberdade da arte não há arte. A arte serve pra nós libertar, so liberta quem é livre.