Há algum tempo assisti a uma palestra de Edmond Dansot para uma platéia, em sua grande maioria, de fotógrafos muitos jovens, na qual ele falou do quanto nossa profissão era marginalizada quando começou a trabalhar em Recife, na década de 50. Segundo Dansot, os fotógrafos eram pessoas mal vistas porque não respeitavam o cliente, por exemplo, alguns “profissionais” fingiam o ato de fotografar, cobravam pelo trabalho, mas não colocavam filme dentro da câmera, deixando a população desconfiada e descontente.
O que me tocou imensamente nessa palestra foi o pedido dele, com um olhar muito doce e de quem sabe das coisas, para que nós nos respeitássemos enquanto profissionais. Mas o que a fala apaixonada de Dansot e o seu pedido tem a ver com o valor de nossas fotografias?
Num intervalo muito curto de tempo me deparei com uma publicação não autorizada de fotografias minhas, com fotógrafos que estão começando na profissão e cobrando 50 reais por uma pauta ou 80 reais por uma sessão de fotos num estúdio, com uma empresa cuja saída fotográfica custa 200 reais e com uma amiga que teve suas diárias reduzidas pela metade, três dias antes do trabalho começar.
E antes que eu pudesse me inquietar profundamente com tudo isso, recebi o seguinte email de uma outra amiga:
Eu ando numa crise danada, pensando em largar a fotografia. Estamos tocando o estúdio e o negócio tá super legal, mas algo dentro de mim diz que o valor do nosso trabalho tem a tendência de cada vez valer menos e essa falta de perspectiva me deixa afim de ir fazer outras coisas…enfim, fase ruim, esperando que passe.
Diante desse cenário, como não me perguntar quanto vale a minha foto? Quanto vale o meu trabalho? Por acaso, você, fotógrafo, já parou para se perguntar quanto vale a sua fotografia? Qual o custo de todo o investimento que você fez, e continua fazendo, em equipamento, cursos, livros, viagens, tempo e toda sorte de coisas que possam fazer você crescer profissionalmente? Quanto custa para a sua vida pessoal e para o seu corpo essa profissão? Quantas vezes você se perguntou se ia conseguir ter qualidade de vida vivendo de fotografia? Você calcula isso no valor final do seu trabalho? Você já se perguntou sobre seu comportamento enquanto profissional?
A relação entre trabalho e qualidade de vida para nós é, literalmente, um peso. O peso do equipamento gera problemas de coluna e nas articulações de qualquer fotógrafo. Hoje em dia, para garantir a robustez, as câmeras estão cada vez mais pesadas, sem contar o peso do laptop. Minha mochila, por exemplo, às vezes chega a pesar 8 quilos. Sem falar que ainda existe um outro tipo de peso que está agregado à rotina de algumas vertentes da fotografia.
Questionada sobre seu cotidiano de fotojornalista, Priscilla Buhr apontou, além do peso do equipamento, a correria, a falta de horários e as pautas emocionalmente estressantes como principais dificuldades do serviço. Aí eu me pergunto, qual a qualidade de vida de uma pessoa que precisa diariamente fotografar situações extremas, como uma chacina, exemplo citado por Pri como uma das pautas mais difíceis vivenciadas por ela. No que o fotógrafo precisa investir, em termos de cuidados para consigo, para evitar que essa rotina dilacere a sua estrutura emocional e as suas crenças?
Numa outra área da fotografia, a publicitária, é notório que as mudanças trazidas pela tecnologia digital permitiram que os clientes resolvessem suas demandas mais simples com um bom equipamento, sem a necessidade de contratar um profissional. Isso naturalmente levou a diminuição do volume de trabalho e, consequentemente, a uma diminuição de receita. Sem falar na estrutura necessária para esse tipo de fotografia, manter um estúdio custa caro. Será que 80 reais por uma sessão de fotos conseguem sustentar um espaço como esse?
Acredito que todos esses questionamentos não sejam perguntas simples porque fazem parte do nosso cotidiano e muitas vezes nem paramos para pensar neles. Também não é minha intenção defender aqui a formação de um cartel no mercado fotográfico, muito pelo contrário, acredito que a livre concorrência é um caminho natural e extremamente saudável, mas diante de tudo isso, passei a me perguntar como anda nossa postura enquanto profissionais em relação a nós mesmos, aos nossos colegas e aos nossos clientes.
Acredito que devemos conhecer bem o mercado em que estamos inseridos e saber que cobrar preços extremamente baixos pode causar mais danos que benefícios. Se existe um valor de referência ele não é gratuito, tem um sentido. Então, se você trabalha com fotografia de casamento, precisa conhecer os valores de referência desse mercado, se vai investir em outra área, o procedimento é o mesmo. Por acaso, você acredita que o cliente que te paga hoje 50 reais vai te pagar 500 reais amanhã?
Parece que a informalidade é uma forte característica do nosso setor, haja vista que a profissão de fotógrafo foi regulamentada há pouco mais de três meses. Tenho a impressão que desconhecemos questões básicas sobre nossos direitos e deveres e continuamos com a prática de compromissos “de boca”, pelo telefone ou ao vivo, como colocou Aninha no debate que se seguiu ao texto Quanto vale um arranhão?. Por acaso, você já se dedicou a estudar as questões sobre direitos autorais ou se preocupou em elaborar um contrato num trabalho relativamente simples?
Outra coisa que acho interessante destacar é a romantização do nosso trabalho, como tão bem define Bob Wolfenson, no livro Cartas a um jovem fotografo. Ele nos fala do quanto é sedutor esse jeito romântico de fazer as coisas sem tantos aparatos e pessoas colaborando. E eu acrescentaria ainda um certo glamour e um tanto de charme que acompanham a profissão. Quem nunca se deixou seduzir pelo trabalho e amou mais ser fotógrafo do que a fotografia em si? E desde quando charme e glamour pagam contas?
Eu, particularmente, desconheço a realidade da profissão em outros estados e só posso falar com mais propriedade de como se comporta o mercado na minha aldeia. E estou aqui para questionar o como estamos fazendo, pois me parece que existe uma insatisfação generalizada, uma falta de perspectivas, ou como disse minha amiga: a tendência do valor do nosso trabalho valer cada vez menos.
Desejo e acredito que todos nós merecemos respeito e devemos viver dignamente do nosso trabalho. E aí, vocês topam questionar com a gente?
Algumas áreas do conhecimento humano e da produção estética vivem alguns dilemas insolúveis: a obra de arte é um elemento estético ou um produto de mercado? Fazer um filme, dirigir um espetáculo de teatro, pintar uma tela por prazer ou para pagar as contas? Ou ainda, a indústria da arte ou a livre expressão do lúdico? Lembro, de Benjamim, da ameaça que a fotografia (ou a reprodutibilidade técnica) trazia para a pintura; o advento do cinema e a ameaça de se extinguir o teatro. E falar deste artigo de Benjamim é lembrar do conceito de ‘aura’. A aura de obra artística está galgada em elementos abstratos que o aproximem do valor mítico e o distancie da concretude material. Foi assim há um século atrás. Será? Para não me alongar muito neste humilde comentário, talvez a busca pelo prazer estético seja inversamente proporcional ao volume da conta bancária, mas um bom profissional, penso, deve encontrar caminhos de manter equilibrada esta balança. Realimentar a alma da boa arte, renovar as idéias, aperfeiçoar sua técnica, imprimir sua assinatura, sua linguagem, certamente irão despertar outros olhos e alavancar o valor de sua obra-produto. Conquistar mercado passa por imprimir respeito. De quem faz e de quem compra. Ao menos deveria ser assim! Vagas impressões, sete saudações!
Eron Villar
ator, diretor, iluminador, produtor e amigo!
Esse debate é interessante e eu recordo que a pouco mais de um mês o pessoal do Mandacaru Fotoclube realizou uma mesa com este tema na Livraria Cultura. Como eu não pude estar presente, não sei se a abordagem foi a mesma, mas vou convidar o fotógrafo que palestrou para dar uma dialogada aqui com a gente!
Eron, gosto quando você fala que se deve imprimir respeito e isso deve vir de quem faz e de quem compra. Creio que o desafio de formar tanto fotógrafos quanto público consumidor é uma luta recorrente da qual a gente não deve abrir mão. Caso contrário, todo mundo sai perdendo.
lembro bem do meu primeiro trabalho freelancer: 50 mangos pra registrar por quase um dia inteiro uma cavalgada. o corpo ficou desgastado, mas isso – como a gente constata mais adiante – é algo que quase sempre faz parte. o que me deixou um caco mesmo foi concluir que 50 paus nem de longe compensam o desgaste.
lendo um bocado, trocando ideia com colegas e metendo a cara, a gente aprende que é preciso considerar outras questões antes de pensar no valor da foto em si. não tem como não considerar, por exemplo, tempo de permanência, consumo de energia elétrica, custo de recursos como água e café, deslocamento do fotógrafo e logística do equipamento, eventual uso de assistentes, complexidade do trabalho, dias trabalhados… até depreciação do equipamento fotográfico precisa ser considerado. após colocar tudo isso no papel é que a gente fala em foto e em margem de lucro.
cliente reclama? reclama. mas acredito que adquirimos argumentos valiosos a partir do momento em que temos consciência do que formata o preço por um trabalho fotográfico. acho importante inclusive aprender a dizer não, a recusar trabalhos, se nao houver alternativa. e outra: estudar e praticar sempre, de modo que possamos ser cada vez melhores naquilo que nos propomos a oferecer e cobrar um preço justo (embora mais “salgado”) sem medo de ser feliz. =)
Lembro de ter me metido num debate na faculdade por conta de um projeto em parceria com um espaço de exposição. No projeto, os alunos, além de serem responsabilizados pela produção criativa da mostra, deveriam arcar com todos os custos da imagem (impressão, moldura, etc.) que ao final entraria para o acervo do espaço. Em contrapartida, o local da mostra se encarregaria da exposição.
Fiquei intrigada com essa balança entre a importância de expor e produzir. Achei que o acordo desvalorizava o papel do criador e não quis participar. Quando expus minha opinião sobre o assunto, um dos responsáveis nos apontou o crédito e os direitos legais sobre a imagem como vantagens que seriam garantidas por eles para nós. E aí a gente vê refletida uma prática de desvalorização bem comum, né? Porque crédito e direito de uso da imagem pelo autor não são benefícios, são garantias que não devem sequer ser colocadas em questão. E na realidade, essa prática é bem comum, principalmente para quem tá começando: muita gente oferece o crédito como moeda de troca para usar a fotografia do outro em uma determinada publicação, ou espaço.
Enfim, realmente é difícil sair desse ciclo sem se meter em algumas confusões porque é muito complicado determinar seu valor se esse valor não foi ainda reconhecido pelo espaço social da fotografia (mercado e outras instâncias de legitimação). Resta a lembrança de que no valor do seu trabalho estão, como já disse Val, inclusos todos os investimentos que você já fez em equipamento, formação, pesquisa, tempo dedicado, etc. É bom realmente pensar com carinho nisso.
Só por curiosidade: estava dando uma olhada nas estatísticas do blog e vi que alguém chegou até aqui digitando em uma ferramenta de busca a seguinte pergunta: “quanto vale um dia de um fotógrafo”? boa pergunta! 🙂
“crédito e direito de uso da imagem pelo autor não são benefícios, são garantias que não devem sequer ser colocadas em questão.”
perfeito, joana.
Concordo plenamente.
Eu sei que o mercado tem problemas, mas não vejo ele apocalíptico ao ponto de querer largar.
Para dar um orçamento a gente olha a cara do cliente sim, olha quanto tempo vai gastar fotografando, o desgaste do equipamento e do fotógrafo, quantidade de pessoas envolvidas no trabalho, tempo que vai levar para finalizar o material…
Temos que ver também como essas fotos vão ser usadas.
“Você quer essas fotos pra guardar numa gaveta ou para ganhar dinheiro com elas?”
Claro que isso muda o orçamento!
Tem outro ponto importante. Ter a noção exata do seu valor dentro da fotografia.
Quanto você, esquanto fotógrafo, faz a fotografia girar, crescer, andar, modificar… Na medida que você é responsável por uma inquietação da linguagem seu “passe valoriza”.
Para mim é evidente que fotógrafos diferentes têm valores diferentes para o mesmo trabalho. Isso não vai mudar nunca.
O que temos que pregar é pela ideia do justo. Mensurar o justo vai variar dentro de uma média de mercado.
Eu já fotografei por um par de pilhas CR2 que custavam os olhos de minha cara (Como fez Chico). E isso é porque eu não tinha ideia do que era fotografar.
É importante que ter a noção aproximada de nosso valor dentro da categoria. Não o valor de comércio, mas o quanto a fotografia vai perder se você largar ela.
Isso vai ajudar muito a levantar nossos orçamentos ou vai fazer a gente tentar melhorar para poder subir eles.
Se um dia você for o fotógrafo de R$500 para um cliente, e ficar a vida inteira jurando que é bom e não investe em você como fotógrafo, no dia que esse sujeito tiver R$5mil para gastar não é você que ele vai procurar.
Não sei se defendo um cartel, mas concordo que saber a média de mercado ajuda muito em um orçamento. (acho que defendo cartel sim. rarara)
Temos que nivelar por cima. Nivelar por baixo não tá com nada.
O Gilberto Tadday tbm falou com propriedade no saudoso Pictura Pixel:
http://www.picturapixel.com/?p=1486