
Concentração das Taieiras – Terreiro de Santa Bárbara Virgem – Laranjeiras, Sergipe – Arnon Gonçalves
Ano passado eu estava lendo um livro de Robert Graves chamado A Deusa Branca. Um dos biógrafos de Jorge Luis Borges dizia que esse era um dos seus livros favoritos e eu, leitora apaixonada pelo escritor argentino, quis saber o motivo. O livro de Graves mostrava como a cultura celta conseguiu passar os códigos religiosos do culto à Deusa por meio de dois poemas que foram transmitidos de geração em geração, durante centenas de anos.
Assim como na poesia, existem imagens que fazem conexões com memórias culturais coletivas, trazendo códigos e expressões visuais que são compreendidas pelas gerações seguintes como importantes expressões do sentimento de um povo. A imagem de Arnon Gonçalves traz isso no gesto que transforma a capa em manto e se conecta à simbologia dos orixás na escolha de um clique.
Este foi um dos motivos que me levaram a ficar em silêncio, quando olhei para esta foto a primeira vez, e passar tantos minutos a observá-la, que alguém teve que chamar minha atenção para que eu desviasse o olho da tela. Ela me transporta a um momento de transe, em que o fotógrafo acha que selecionou uma cena, mas na verdade ele é quem parece ter sido escolhido para transmitir aquele código para quem conseguir entender.
Algo mais ou menos como o que ocorre com o manto de água clicado por Mario Cravo Neto nesta fotografia. Olho para imagem de Arnon e a de Cravo Neto, que vi em São Paulo há um ano e meio, e vejo essas expressões costurando suas referências entre nós. É muito forte, delicado e significativo. É um exercício de abrir o caminho e compreender elementos de uma transcendência que, na maioria das vezes, se manifesta para o público com muito poder através da música, mas ainda não o suficiente por meio da imagem fotográfica.
Observar isso agora me diz que estou em um processo bacana, em que aprendo a ler uma parte importante destes “recados ancestrais” na fotografia, que foi uma das formas de expressão que escolhi para falar com o mundo. De certa forma, agradeço a Arnon por ter me feito perceber isso, uma vez que estava encostada na mesma janela, quando ele fez essa foto, mas não levantei a câmera. Estava com o olhar voltado para dentro de mim naquele momento.
Foi preciso que uma conexão com Arnon ocorresse para que eu olhasse para fora. Olhasse para como o tempo tece os fios que perpassam nosso passado, presente e futuro. E toda vez que eu vejo esta fotografia eu me inquieto, porque ela me recorda com muita força que é para esses elos que eu quero ficar olhando pra sempre.
Muito lindo, aninha. A foto hoje e esse texto formaram realmente a combinação perfeita para abrir os caminhos, os olhares e o coração.
Para visualizar melhor essa imagem: http://www.flickr.com/photos/arnongoncalves/5340860649/in/set-72157623162190163/lightbox/
Como sempre, seus textos são cheios de colocações interessantes e importantes no processo de formação de qualquer fotógrafo. Sua capacidade de verbalizar o que para muitos é tão difícil faz com que seus textos sejam sempre fonte de inspiração e conhecimento. Obrigada por dividir, Aninha.
Simplesmente sensível. Quero aprender a usar minha máquina para capturar imagens como essas.
me deu orgulho
Ana e o 7, muito obrigado pela indicação. Tomei um susto quando abri o site e vi ‘minha’ imagem. Suas palavras são muito bonitas e de uma compreensão elevadissima. Fiquei bastante emocionado pelo texto – não sabia verbalizar sobre um sentimento relacionado a uma imagem. Ainda mais por ter meu nome ao lado de Mario Cravo Neto – um dos ‘orixás’ da fotografia (ele ia rir muito lendo isso).
Parabens ao blog por me apresentar mais fotografos do que eu já conhecia que atuam aí em ‘Hellcife’. Uma turma boa, competentíssima, e que influencia muito a turma daqui de Sergipe e do país.
Abç,
Arnon
(Aliás Ana, você estava ao meu lado nessa imagem. Um dia mostro o frame anterior.)
Sou fã de Arnon e agora esse site fará parte dos meus favoritos tb. Muito bom o texto, e linda a fotografia. Gosto de olhar e perceber emoção e significados, ou as vezes não. Tanto faz…Enfim, Arnon nasceu pra isso.
A primeira vista parece um quadro de Dali, e nao uma foto.