Na semana passada, publicamos aqui no 7 um post de minha autoria que gerou recepções diferentes e certo debate. Em To think or not to think, pretendi discutir nossa forma de lidar com a imagem e seus conceitos, suas defesas, seus discursos, refletindo sobre os riscos de, munidos de alguns critérios superficiais, incentivarmos certas práticas de preconceito na análise de um trabalho de fotografia. Usei como ponto de discussão a apresentação do trabalho “Quando afundam…” de Carine Wallauer e Gabriel Honzik, na mesa de vencedores do Fotograma Livre 2010 no FestFotoPoa. Tive o prazer de contar com a participação da própria Carine que, em um comentário bonito e emotivo, defendeu o seu trabalho e questionou a importância de alguns argumentos que lhe foram contrapostos nos comentários do post e em outros textos do 7. Tenho a opinião de que são essas conversas que constroem algum tipo de conhecimento realmente relevante. Como já disse, não a obra que passa batida, mas a obra que cria eco, rusgas, vincos que são abertos, cordas que são esticadas até o limite.
Tenho a impressão de que, apesar de tantas mudanças nas formas de expressão, produção e circulação de conteúdo, nosso relacionamento com a obra dos outros/a crítica dos outros ainda é coberto de inseguranças e muita apatia. Algumas práticas permanecem recorrentes: pensamos pouco sobre as nossas próprias opiniões, contestamos pouco certos status, e lidamos de forma muito vaidosa com a crítica, tanto na hora de escrevê-la quanto na hora de recebê-la.
Fiquei pensando ainda mais nisso quando li um debate que vem tomando os comentários do post Os artistas da Geração 00, publicado por Alexandre Belém, no Olhavê (vale à pena ler os 36 comentários, para se inteirar da história toda). O post de Belém é simples, uma lista com a divulgação dos 52 nomes que preenchem o recorte curatorial de Edder Chiodetto na montagem de uma exposição que tem o intuito de criar “uma espécie de mapeamento das linhas de força da fotografia brasileira experimental e documental que surgiram e/ou ganharam musculatura na primeira década deste século, entre 2001 e 2010”, segundo disse o próprio Eder em entrevista a Belém.
Essa coisa de mapeamento de linhas de força e, mais ainda, o próprio título “Geração 00 – A Nova Fotografia Brasileira” já era previsível que fosse provocar impacto. Algumas opiniões surgiram para apontar uma suposta pretensão da curadoria em definir a produção de uma década em nomes que muita gente aplaude, mas também muitos outros criticam. Fiquei olhando a lista com muita atenção. Principalmente depois que vi tanto rebuliço no blog de Belém. Alguns nomes não conheço – o que não deve ser tomado como sinal de nada além de certo grau de ignorância pessoal e incapacidade de conhecer toda a fotografia do país (por mais interesse que eu tenha nisso). Outros nomes já acompanho de outras jornadas e realmente defendo em termos de importância para qualquer panorama da fotografia hoje. Alguns outros, apesar de conhecer, não reconheço como importantes, com trabalhos já maduros, desafiadores a ponto de se tornarem influentes. No entanto, não chego a pensar que essa incompreensão minha em relação a alguns nomes da lista invalida o projeto de Eder, sua proposta de geração da nossa fotografia.
Lembrei de Rubens Fernandes Jr, que fala da dificuldade em articular um nome para a produção contemporânea ao defender, no (indispensável) texto Processos de Criação na Fotografia, o termo “fotografia expandida”. Para Rubens, essa é a fotografia de hoje, que consolidou a superação de paradigmas não só questionando os padrões impostos pelos sistemas de produção fotográficos, como também transgredindo a gramática desse fazer fotográfico.
O caso é que a tarefa é imensa e praticamente impossível de se dar conta. Porque não dá para esperar que alguém defina toda uma geração sem causar controvérsias – por mais que essa pessoa seja Chiodetto, cuja trajetória, pessoalmente, admiro muito e cujos discursos de defesa da fotografia geralmente me cativam.
Fiquei com uma vontade danada de ver a exposição mas, morando em Recife, ainda não tive a chance de ir, portanto não me proponho a defendê-la ou criticá-la. Ronaldo Entler (do Icônica) já fez uma análise bem sensível sobre o projeto, em um texto com um título que também já diz muito: a construção de uma geração. Mas o que me interessa especialmente em destacar aqui é que esse caso expõe, na verdade, nossa forma superficial de lidar com a curadoria.
A figura do curador, ao contrário do que muito se diz, não é uma “instituição” incontestável. Desempenha seu papel como indivíduo capaz de construir um recorte que pode e deve ser interpretado também como uma abordagem afetiva (Eder menciona isso na entrevista dada ao Olhavê). Geralmente, o curador é escolhido porque possui certa sensibilidade, certo percurso que o legitima como um co-autor da exposição que propõe. Mas sua atuação deve ser debatida juntamente com a obra que ele defende. O problema da curadoria não está exatamente nela mesma, mas na forma irrefletida de lidarmos com ela.
Acho que, por ainda termos arraigada uma visão da arte como algo transcendental, somos pouco educados a pensar no próprio curador como um construtor de discursos e alguém submetido a certos interesses do mercado da arte. A fotografia hoje, com a assimilação da tecnologia digital, é marcada por um hibridismo de formas, por certa “liberdade de procedimentos”, como bem destacou Ronaldo Entler, mas, creio que essa fotografia também é muito marcada pela pouca liberdade de discussão.
É importante que existam posições questionadoras porque são elas que fazem com que um projeto tome corpo, cresça e seja visto de forma realmente crítica. Não é porque reconhecemos ou não os nomes apontados no recorte da “Geração 00” que a exposição será mais ou menos competente.
O que precisa ser pensado é, portanto, nossa própria inclusão nos círculos sociais que compõem o circuito fotográfico brasileiro. Acho legítimo conhecer esses círculos para, a partir desse movimento, poder contestá-los ou não e, quem sabe, suplantá-los – num movimento que pode nos levar a um conhecimento mais profundo sobre nossa produção fotográfica.
Como Simonetta costuma destacar, uma prática de “ação entre amigos” é recorrente no mercado da arte, não só na fotografia. Muitas das pessoas reconhecidas como destaques da fotografia nacional pertencem a um grupo de produtores recorrente que percorre o país em festivais e eventos de fotografia. A dúvida que surge é se isso acontece porque eles têm trabalhos relevantes, ou se achamos que eles têm trabalhos relevantes porque percorrem os festivais. Esse dilema-biscoitos-tostines dificilmente nos levará a alguma conclusão, mas nos deixa a par da existência de muitos aspectos que podem ser considerados pelo público em sua relação com uma obra.
Que lindo em amigas?!!! Parabéns pelo Blog que anda cada vez melhor!!! Concordo plenamente sobre a importância da boa crítica no mundo das artes. Realmente estamos vivendo um momento onde isso é bem escasso. É tanto que quando alguém fala algo que não seja um elogio muitos acham estranho. Fico feliz em perceber que nesse blog há espaço para isso.
Parabéns!!!!
Mateus Sá
Ô mateus, bom mesmo é receber você aqui nessas nossas conversas. nossa intenção é bem essa: incentivar ao diálogo para que a gente possa pensar juntos mesmo. O 7 agradece demais pelo apoio! umabraço,
Muito bom ver este tipo de debate!! Tenho adorado o blog e desejo de verdade que cada vez mais e mais discussões venham para melhorar/ fazer crescer/ revitalizar/ compartilhar/ desmembrar/ fortalecer/ unir/ harmonizar/ criticar/ diminuir picuinhas e mesquinharias/ tornar positivo/ informar/ pesquisar/ ver realmente/ baixar e subir a bola, de tudo o que se relacione à fotografia e seus desmembramentos!!
Boa discussão!! Parabéns mesmo!!
Lu.
http://www.paralaxis.com.br
Lu, é muito legal poder contar com o seu incentivo. O seu blog é inspirador para muita gente que trabalha com fotografia no Brasil. Seja sempre bem-vinda! Vamos movimentar esses debates! umabraço nosso,
Muito interessante seu post sobre esse trabalho do Eder, e acredito que a discussão seja de grande relevancia. Afinal, é de interesse de todos que a gente consiga destrinchar esses planos mercadologicos disfarcados de fotografia ou mesmo de arte. Projetos se valem de recursos publicos!!!!!
Mateus, Lu e Sérgio.. sintam-se em casa! O 7 é troca! E queremos fazer essa troca com vocês também!
André Kertész não teve nenhuma menção no History of photography from 1839 to the present (em 1949), livro de Beaumont Newhall, que é um desdobramento de uma exposição no MOMA em retrospectiva a cerca de um século de fotografia. Não precisamos falar da importância de Kertész para a história da fotografia…
Essa expo da geração 00 será referência para pesquisadores e para novos recortes q
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