Sou apaixonada por música. E uma das coisas mais prazerosas pra mim é ir pra um show de uma banda ou artista que eu gosto muito. Fico hipnotizada, observando cada movimento, cada toque num instrumento… é extasiante. Mas o que isso tem a ver com imagem? Calma, que eu chego lá.
Hoje você vai pra um show e é impressionante a quantidade de pessoas que assistem ao espetáculo através da tela lcd da câmera fotográfica ou do celular. E não falo de um instante do show, daquele momento emocionante ou daquela música favorita. Várias pessoas assistem o show inteiro através daquela telinha de poucos centímetros.
A idéia de escrever essas palavrinhas surgiu quando eu assistia a transmissão do show de Paul McCartney em São Paulo. Um show lindo, de um ícone da música.. eu, que nem sou fã enlouquecida dos Beatles, não desgrudaria os olhos do palco se estivesse lá. Só que o que eu via ali era um grande mar de luzes das câmeras fotográficas. Daí eu me perguntei: Qual a diferença de ver o show na televisão ou pela tela da câmera? Além de pagar um ingresso, caro, diga-se de passagem. As pessoas estão ao lado do ídolo mas preferem ver uma imagem e não o real. Por que será?
Estamos falando de memória. Estamos falando de capturar o momento, congelando o instante (aquele instante tão cheio de histórias e sentimentos) para a eternidade. Daqui há 10 anos, aquelas fotos e vídeos (tremidos, borrados, escuros ou não) feitos durante o show serão documentos e mais do que um simples registro do acontecimento, é um registro afetivo. Super válido. Como bem disse Susan Sontag, “pouca importância têm as atividades que são fotografadas, contanto que se tirem fotografias e que essas sirvam de lembranças”. E essas lembranças são produzidas a todo instante.

Vaticano na posse do posse do Papa Francisco | Michael Sohn/AP
Mas ai eu começo a pensar: será que essas pessoas estão fotografando/filmando com essa intenção? Me pergunto isso porque sempre depois de um grande show, as redes sociais estão lotadas de fotos e vídeos do evento. Será que esses “documentos” não foram produzidos simplesmente com finalidade de dizer na rede “eu fui”? Será que estamos nos transformando em eternos informantes, obcecados em divulgar sempre onde fomos, o que vimos, o que pensamos. Falo até por mim, que vira e mexe, me pego tuitando ou postando foto no instagram durante uma balada. Mas voltando aos shows, quantas dessas pessoas pararam pra ver, meses, ou anos depois, essas fotos e esses vídeos? Não me surpreenderia se boa parte delas me dissessem que perderam esses registros. Afinal, já estão na rede, as pessoas já curtiram, comentaram, compartilharam e pronto, a memória ficou ali, na time line. Tudo é efêmero e ao mesmo tempo “eterno”, pelo menos até quando o banco de dados das redes aguentar o super fluxo de conteúdo.
Particularmente, não vejo todo esse conteúdo sendo assimilado, saindo do virtual, fazendo parte da vida, de fato, da maioria das pessoas que o produzem. Mais uma vez me tiro como exemplo: não me lembro da última vez que ampliei fotos do meu dia a dia, dos meus amigos, isso porque sou fotógrafa. E eu não sou uma excessão. Por outro lado, essas fotos vão super rápido pro Facebook, o vídeo do show já está disponível no youtube até mesmo antes do dele terminar. As vezes penso que o “guardar de lembrança” é tão pequeno diante da ânsia por visualizações, comentários e RT’s. Ou talvez essa seja a nova forma de guardar nossas memórias. Puro reflexo de um novo tempo, em que as relações são estão cada vez mais virtuais. Por que a memória também não seria?
UPDATE: encotrei essa ilustração hoje no Facebook, conversa perfeitamente com o diálogo!
Nem precisa ver os CDs acesos num show, basta deparar-se com as já velhas situações familiares (de família mesmo) em que se está no mesmo recinto de um bebê novo no “clã” e sempre tem pessoas mais dispostas a disparar loucamente seus flashes à procura da foto perfeita do rebento (um grande erro, por sinal, já que bebês não devem levar flash na cara) do que apreciar a nova vida que chega e curtir o momento.
Parte disso deve-se, creio eu, ao complexo de celebridade que é alimentado pela popularização de sites que lhe consideram mais influente se você tem mais amigos, mais seguidores, é o mais marcado em fotos alheias, é muito citado por aí. Certas pessoas sentem-se impelidas a compartilhar coisas que não interessam a todos, ou seja, perdem a noção que tinham do público adequado pra cada mensagem que pensa em emitir, e aí o que eram 15 minutos de fama viram 10, 5…
Por outro lado, é interessante ver vários pontos de vista sobre um acontecimento, quando é algo compartilhado por muita gente… ainda ontem descobri, bem atrasado, verdade, que o guitarrista Slash no ano passado foi atacado (?) por um fã em pleno show. Estava no meio de um de seus solos clássicos, o de “Sweet child o’ mine”. E pode-se ver vários vídeos do mesmo momento, em mais de um ângulo, o que é uma consequência no mínimo curiosa da popularização das câmeras. E certamente cada um que gravou vídeo nesta hora terá uma lembrança, afinal nós que somos fotógrafos sabemos que um ângulo pode fazer uma bela diferença, não é mesmo?
Pri, adorei seu texto. Há um bom tempo venho pensando neste assunto e achei super pertinente você trazer esse diálogo pro nosso blog.
Esse tema me cutucou em um show do Ney Matogrosso em que eu fui no Recife há uns anos já (2008 eu acho). Todo mundo fotografava e filmava sem parar o show do Ney, que foi em um teatro relativamente pequeno, enquanto eu, fotógrafa, deixei a câmera em casa para babar, cantar e gritar “gostoso!” a noite toda (como fã desesperada que sou dele). Até aí, tirando meu estresse com alguns aparelhinhos posicionados na minha frente (o povo levanta mesmo o braço com a câmera e dane-se quem estiver atrás, principalmente as baixinhas tipo eu), tava tudo bem. Porém, houve um momento em que o Ney desceu do palco e saiu rebolando (lindo!) no meio da platéia e, então (pasmem!), as pessoas em vez de agarrarem o Ney ou mesmo babarem olhando pra ele de perto, viravam as costas para ele, a fim de sairem na foto com ele no fundo. Fiquei passada com isso! Como assim virar as costas e sorrir pra uma foto tosca, enquanto o Ney Matogrosso se encontra ao meu lado? Oi? Enfim, comecei a matutar esse assunto.
Em outras situações, estive em show em lugares grandes, como os do Paul (de que você falou) e recentemente o do U2, ambos aqui no Morumbi. E não vou mentir que, do meio da arquibancada, ver as luzinhas das milhões de câmeras do público acesas é um espetáculo à parte. Os próprios artistas às vezes pedem pro povo acender o celular e a câmera faz o mesmo efeito. Faz parte da coisa “pão, circo e estádio” isso de multidão desesperada filmando.
Não tou falando bem e nem mal. Mas também não vou mentir dizendo que não falei para o namorado (que ficava filmando e fotografando do meu lado) baixar a câmera e curti o show. Mas, talvez, na experiência que buscamos hoje nesses eventos, tudo isso faça parte. Filmar e fotografar faz parte de “curtir o show”, de celebrar o momento. É talvez mais presente até do que memória propriamente dita. Assim como, desde que a fotografia se popularizou, faz parte fotografar nossas viagens. Quem nunca se viu em Paris catando ponto turístico para tirar foto? E poucas vezes paramos pra rever (ou até mesmo identificar) essas fotos…
Faz parte. A Simonetta me disse, no grupo de estudo de que participamos, algo muito interessante sobre isso: precisamos nos afirmar como classe burguesa e a foto serve para isso. Só tiramos fotos de férias porque temos férias e isso diz para a sociedade que nos enquadramos nela, pois temos um emprego e, por isso, viajamos de férias. Então, temos que fotografá-las para nos afirmar. Essa reflexão dela serve para todas essas situações: precisamos mostrar que fomos nos shows, pois, afinal, fomos e somos alguém (que queremos ser) por isso.
Por outro lado, é comum (há séculos) em grandes espetáculos que as pessoas levem binóculos/monóculos, pois, muitas vezes, ficamos muito distantes do palco e não conseguimos ver direito o espetáculo. Considerando que as câmeras atuais possuem um “zoom” mais potente do que o outro, não duvidemos que é bem possível de ver “melhor” o show através da câmera. Se muitas vezes recorremos aos telões e aos binóculos, porque não o zoom óptico + visor da câmera? Se os fotógrafos usamos uma teleobjetiva exatamente para estar mais perto do assunto e captar a melhor imagem dele, porque não ver o show assim?
E devo confessar que, por mais que não seja muito o meu estilo partipar dessa coisa toda (eu nunca nem levo minha câmera para shows, quando não vou pra trabalhar, claro), acredito que é muito diferente estar lá e ver na TV. Afinal, por mais que nossa visão esteja vidrada em aparelhinhos fotográficos durante o espetáculo (ou telões ou binóculos), isso é apenas um dos fatores da experiência. Estamos imersos naquele ambiente, nosso corpo todo vivencia aquele lugar e aquele espetáculo, estamos em pé, estamos pulando, estamos em um lugar lotado, estamos sentindo cheiros diferentes, estamos ouvindo outra acústica, suamos. Enfim, é diferente de ver na frente da TV ou do computador.
Vou lá que já escrevi demais! 😉
Cheiro e obrigada pela discussão!
o “penso, logo existo” foi pro espaço. da maneira que funcionam, as redes sociais na net reforçam ainda mais a fotografia como atestado “oficial” da existência humana. e não é nem preciso estar em shows constatar isso: nos bares, nos shoppings, nos colégios, nos banheiros (e seus espelhos grandes), no próprio quarto… há sempre pessoas fazendo fotos, sozinhas ou em grupo.
é sensacional poder usar a tecnologia em favor de uma visão mais privilegiada de um acontecimento. também é superlegal dispor disso pra documentar momentos marcantes e pessoas especiais em nossa vida. só acho que, comparado a esses dois casos, hoje é muito maior o número de pessoas que carregam câmeras e outros dispositivos com o intuito de projetar a própria vida social a espera de feeedback. imagens seguem duráveis, mas quantas fazemos pensando na posteridade? pra mim está claro que o objetivo não é a foto ou o vídeo, mas sim o comentário, o “curtir” ou retuite a partir deles. eu concordo com a isabella sobre a questão da experiência: parece que as pessoas estão deixando de sentí-la e se preocupando apenas em documentá-la.
toda essa produção seria, então, uma forma do sujeito dizer pros outros que a vida dele é digna de nota; que tem graça e um quê de extraordinária, em meio a esse mundo regido pelo “celebrity way of life”. esse fenômeno expõe nossa carência. revela-se uma faceta da “solidão coletiva” construída com a sociedade em rede. pra mim, acho que ainda não (até quando?). pra muitos outros também não. mas pra uma galera gigantesca aí fora, se não foi publicado não aconteceu. a vida é o que está na net; um amontoado de vidas editadas de acordo com os próprios interesses. gente se vendo obrigada a provar que está fazendo algo. não contruibuir, apenas acompanhar o desenrolar das coisas pode gerar uma estranha insegurança.
sobre isso, achei bem legal o texto ‘redes sociais e o “medo de perder algo”‘, da jornalista Jeena Wortham. aqui vai o link do material traduzido: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110412/not_imp705087,0.php
valeu, Priscilla. muito boa a sua reflexão!
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Estava revendo e-mails antigos aqui na minha caixa de entrada e deparei-me com o comentário do Chico Peixoto. Acho até que já tinha dado uma vista por alto, mas não lido como deveria (por isso estava guardado, para eu ler direito).
Li e pensei o seguinte: no fundo, no fundo, os antropólogos e historiadores já se baseavam essencialmente em registros concretos, então não deixa de ser de todo estranho que hoje em dia nós tenhamos vontade de deixar marcas na sociedade através de fotografias e vídeos, que nem sempre são tão concretos (já que hoje são de pixels), mas têm suas existências registradas na Web e, por vezes ainda, nos álbuns físicos (após seleção e “revelação”). O que se passa atualmente é uma exacerbação do sentimento de que vamos morrer e se não deixarmos um filho, uma árvore e um livro para a próxima geração teremos passado em branco na História, assim como aconteceu a quem não desenhou na sua caverna, tempos antes de Cristo.
A tecnologia facilitou o registro de nossa sociedade, mas nosso senso crítico não evoluiu na mesma proporção, daí temos desde pensamentos filosóficos de pensadores atuais a conversas efêmeras em miguxês praticamente no mesmo patamar nas paredes tecnológicas (e se brincar é mais fácil achar fofoca sobre Justin Bieber do que uma discussão socrática, e olha que Sócrates já morreu faz tempo!).