Confesso que, ao escrever sobre a imagem desse “Olhando para sempre”, me vi correr o risco de tratar a fotografia como uma janela e ficar falando só do assunto, descrevendo o fato em si, sem pensar na imagem e sua linguagem. Tem imagens que são tão fortes que sugam a gente para dentro delas, como se o espectador caísse num túnel que o levasse direto para a cena retratada. É um salto para o tempo e o espaço da foto.
Imagens documentais, mais correntemente, possuem essa força. Enquanto a foto não-documental nos descola da realidade para que busquemos referências completamente subjetivas, a foto documental nos remete de um jeito quase violento ao mundo que ela desenha em sua superfície. Essa foto de Ripper parece saber disso.
A imagem foi feita numa carvoaria em Ribas do Rio Pardo, no Mato Grosso do Sul. Mostra um menino segurando um forcado e encarando a câmera com um pesar que chega a dar dó. Atrás dele, o chão quase se confunde com a parede, como se o mundo não tivesse profundidade suficiente para deixar de ser imagem. O menino está apertado entre a superfície preta e os dentes do forcado, que o impedem de fugir dali, ao mesmo tempo em que sustentam-no. O espaço é pouco e a respiração é curta.
Josivaldo tem 9 anos, mas o nome e a idade a imagem não diz. Falando sobre o ensaio em si, Ripper destacou seu interesse em retratar as pessoas não para apenas descrever seus sofrimentos, suas dores físicas, ou qualquer estereótipo, mas para procurar nelas um pouco dos seus sonhos. Josivaldo, disse Ripper, queria ser jogador de futebol. E, por um instante, tenho quase certeza de que é esse o seu pesar quando ele segura o forcado com as duas mãos e nos olha.
Segundo o fotógrafo, essa foto foi usada como prova em um processo jurídico que resultou em punição para a empresa por exploração do trabalho infantil. Carrega esse orgulho em sua história. Espero que tenha possibilitado também que o pé esquerdo de Josivaldo trocasse os dentes de ferro por uma bola. Me parece que uma foto faz milagres!