por Guilherme Gatis*

Guilherme Gatis
I.
O enquadramento está ok, o foco ajustado, fotometria bacana e click. A imagem está feita e salva no cartão de memória da câmera. De lá, vai para o computador, passar por processos digitais de tratamento, ajustes e retoques para que a foto fique o mais próximo possível das pretensões estéticas do fotógrafo. O terceiro momento do processo é o destino que será dado à fotografia. Arquivar, imprimir ou – e eis que o rodeio do texto chega num dos pontos essenciais da discussão – publicar na internet.
O iPhone condensa todas as etapas da fotografia digital. Dispensando maiores apresentações, o telefone celular da Apple é um fenômeno tecnológico por agregar um número gigantesco de aplicativos, dos mais estúpidos e inúteis aos mais práticos e funcionais (experimente usar a função GPS na frente dum taxista e nunca mais seja enrolado).
Pensando especificamente em foto, no momento que escrevo este texto há, disponíveis para download na App Store, 3.893 programas diferentes relacionados à fotografia. São câmeras estilizadas, editores de imagem, medidores de luz e uma série de outras funcionalidades que sequer imagino que existam mas que estão lá, prontas para turbinar os 5 ou 3.1 megapixels da pequena câmera instalada na parte de trás dos aparelhos.
Com o iPhone, tudo está – literalmente – ao alcance das mãos. Dependendo do esmero de quem manipula, pode alcançar um padrão próximo e/ou equivalente ao de um trabalho profissional. Com uma vantagem: A imagem não precisa ser transportada de um aparelho (câmera) para outro (computador). Basta um pacote de dados ou sinal wi-fi para que a imagem produzida no iPhone passe a existir na internet.
Este trunfo da publicação é um atributo fundamental da defesa do iPhone, estendível a outros aparelhos similares. Além disso, é muito fácil fotografar com o iPhone. O foco, por exemplo, pode ser definido com a ponta dos dedos, tocando a área a ser ressaltada. Fotografar com ele é, quase que literalmente, tocar na imagem. Se com a câmera fotográfica a mão serve ao olho a partir da manipulação de lentes e do disparador, a mão e o toque tem uma função ampliada com o iPhone. Chegamos a quase “ver com os dedos”. Não é preciso dominar o aparelho para conseguir bons resultados. Basta um pouco de intuição.
II.
O Instagram é um dos aplicativos de fotografia mais populares da App Store. Você já deve ter visto nas suas redes sociais uma foto quadrada e com filtros que remetem a uma estética retrô. Essa imagem muito provavelmente foi produzida neste programa ou, ao menos, veiculada nele. Do site do Instagram vem: “Tire a foto com seu iPhone, escolha um filtro para melhorar a imagem e envie-a para o Facebook, Twitter ou Flickr – É muito fácil. É o compartilhamento de fotos reinventado”.
Deixando um pouco de lado a pretensão de “reinventar” o compartilhamento de fotos, o Instagram, além de ser utilizado para produzir as imagens é, também, uma rede social de fotografia para usuários de iPhone. Assim como no Twitter, é possível seguir usuários e acompanhar suas produções; Do Facebook o aplicativo trouxe a opção de “curtir” a imagem.
O aplicativo é talvez um dos grandes responsáveis por uma “estética iPhone”. Como a descrição do próprio Instagram sugere, as imagens podem ser “melhoradas” por filtros que interferem na imagem. A foto finalizada pode ter um aspecto envelhecido, cores saturadas ou lavadas, inclusão de bordas e outros ruídos.
Esta tendência retrô de tratamento das imagens pode ser considerada uma regra para os aplicativos desenvolvidos para iPhone. Além do Instagram, há diversos apps que aproximam a fotografia produzida pelo aparelho de elementos presentes na fotografia analógica, como a Polaroid ou as câmeras Lomo.
III.

Guilherme Gatis
Ter um iPhone em mãos significa ter uma câmera com possibilidades instantâneas de publicação, junto com aplicativos que permitem modificar as imagens, trazendo-as para uma outra atmosfera visual a partir dos filtros. E o que temos como resultado?
Por um lado, uma profusão de fotos de filhos em diversas situações ou de gatos preguiçosos em todos os cômodos da casa, em tons mais apagados ou mais vívidos. Mas também temos o exercício de um olhar poético, um olhar que se permite ousar outras camadas para o banal, em uma tentativa de registrar o efêmero do cotidiano em outros tons.
Os críticos da fotografia no iPhone argumentam que os filtros causam uma linearidade estética; que este olhar poético é superficial; tendo a pensar que esses argumentos são mera perspectiva negativa. Outra preocupação é com a territorialidade: as facilidades do aparelho acabam diluindo a técnica a ponto de aproximar o amador do profissional. Pensar isso como problema é mera reserva de mercado.
O iPhone leva a fotografia direto das nossas mãos para a internet e tornam todos que usam o aparelho, de alguma forma, fotógrafos. Mais que isso: as possibilidades de produção imagética do iPhone estimulam o exercício de olhar o nosso entorno e dele extrairmos algo que vale a pena ser registrado e compartilhado – ainda que seja preciso que você o transforme com o X-pro, Nashville ou Earlybird** para que ele fique mais interessante.
*Jornalista
**Nomes de alguns dos filtros do Instagram
#Guilherme Gatis é o primeiro convidado a colaborar conosco na seção Diálogo deste blog. O 7 agradece muito a ele por ter topado essa empreitada e, mais ainda, por ter proposto um assunto que também nos move, um tema que conversa diretamente com o último texto de Priscilla Buhr, Ao Vivo?, sobre a experiência e a memória mediadas pelo visor da câmera.
Gatis, confesso que tenho (muitas) ressalvas em relação ao seu texto.
Em alguns (poucos) pontos concordo plenamente e não tenho nada contra as possibilidades super legais do iPhone. Muito pelo contrário: acho maravilhosas!
Só acho que você mistura um pouco as coisas de forma, para mim, problemática.
Logo no começo, resumindo o processo criativo de produzir uma fotografia, você fala que ajeitamos “ajustes e retoques para que a foto fique o mais próximo possível das pretensões estéticas do fotógrafo”. Essa parte é de importancia crucial na criação de uma imagem e escolher esses traços estéticos é uma ação presente desde antes do clique (conceito, enquadramento, lente, tipo de foco, velocidade do disparo, abertura do diafragma) até o fim do tratamento digital. É óbvio que na distribuição e recepção a foto continua a ser recriada, mas isso não está mais na esfera de sua produção pelo fotógrafo. Essa escolha, como falei, deve ser o mais livre possível. É claro que escolher propositalmente uma estética “iPhone envelhecida” pode ser incrível com um conceito a ser discutido por trás, mas, infelizmente, seu uso banal como criatividade estética é uma opção um tanto vazia. A Estética é uma disciplina da Filosofia e não está apenas no aspecto “aparência” (odeio esse termo, mas não achei outro. Não quero que se entenda aqui nenhuma oposição diádica com essência, pelamordi!) da coisa. Criar através de “presets” que já definem corte, filtro e uma série de efeitos pré-estabelecidos (antes mesmo de sabermos o que vamos fotografar) limita a percepção e, sim, gera uma série de fotografias estereotipadas. Querendo ou não, não é todos os efeitos que conseguimos (intencionalmente) com o aparelhinho da Apple. Dá pra escolher previamente se eu quero uma profundidade de campo maior ou menor? Dá pra escolher previamente se eu quero congelar ou borrar a imagem?
Não quero resumir o papel do fotógrafo às possibilidades do aparelho, claro. Mas, na hora de criar é importante saber o que quer como resultado da imagem e o iPhone limita as opções (assim como muitas outras câmeras, claro, como as lomos, algumas compactas mais automatizadas ou até mesmo a Leica de Bresson, que tinha lente e abertura fixas). O que acontece é que a diferença está no usuário quando escolhe fazer uma foto com uma ou outra câmera, buscando um ou outro resultado conscientemente para a criação em questão. Uma coisa é escolher fazer essa ou aquela foto (ou ensaio) com tal filtro (ou programa) do iPhone porque sei o que quero com isso; outra coisa é sair brincando de iPhone. Outra coisa não no sentido de pior ou melhor, mas óbvio que muda tudo enquanto processo de criação fotográfica.
Não quero ser enquadrada nos “caretas”, pois não sou. Mas convenhamos! Acho que as facilidades táteis de foco que você falou são uma coisa incrível e maravilhosa! No dia em que tivermos esse alcance em todas as câmeras, eu vou ser muito mais feliz. Essas interfaces são facilitadoras da prática fotográfica e hiper funcionais, mas o grande erro, na minha opinião, é achar que não precisamos mais dominar o aparelho para conseguirmos bons resultados. OPA! Fotógrafos precisam, sim! Dominar e, além disso, ter um papel ativo em sua construção! Ou engenheiros entendem tanto assim das nossas necessidades? (não só funcionais, mas técnicas e estéticas). Quem constrói as imagens profissionalmente deve saber usar a ferramenta mais apropriada para seu propósito conscientemente.
Para mim, é nesse ponto onde acho que você se confunde. Não tenho nada contra a prática amadora e não tenho dúvidas de que as grandes experimentações e inovações artísticas surgem mesmo de pessoas que não tem medo de errar. A sensibilidade e a intuição muitas vezes se perdem entre os “profissionais”, que muitas vezes apenas mantemos uma série de códigos que aprendemos como “certos”, acabando por estereotipar também as nossas produções, seja na prática documental, seja em estúdio ou cobertura de eventos, o que for! Eu quero é mais que todo mundo fotografe mesmo e fotografe bem! Aprendo demais com imagens despretenciosas que vejo por aí. Nossa percepção tem que se abrir para o novo, para as experimentações menos programadas, para o acaso. Concordo demais quando você fala do exercício do olhar poético.
Mas, não acho mesmo que essas facilidades aproximam o amador do profissional, simplesmente porque o amador não quer ser profissional e o profissional não quer ser amador. O profissional vive disso e ganha para isso e, para ser responsável com sua prática, tem que conhecer bem o aparelho que maneja, saber muito bem o que escolhe, o porquê das coisas e ter tudo sob controle. Repito: o que não impede que um profissional escolha, para algum trabalho específico e por motivos muito claros na sua cabeça, uma “estética iPhone” propositalmente para algum efeito de linguagem.
As fotos de iPhone, para ter valor critativo potencializado, devem estar acopladas à uma boa linguagem. Algumas delas o fazem, muitas delas não. O efeito simplesmente não quer dizer nada sozinho, nem muito menos nessas séries que nos bombardeiam, a não ser a pirotecnia e porque fica “legal e bonitinho”. Repito também: nada contra. Mas não tem esse valor todo como estética fotográfica em si. Não mesmo.
Quero finalizar dizendo que o que mais me deixa realmente encantada com as possibilidades do iPhone é o que você falou logo no começo (e que pensei que ia conduzir mais o texto pra esse lado) sobre a distribuição. É realmente fantástico poder enviar a foto diretinho pras redes, sem nem passar pelo HD do computador. Isso, sim, faz todo sentido, principalmente associado ao contexto social que vivemos. Não existe foto ruim em si, mas foto ineficiente (como diria a Simonetta). Todas essas fotos padronizadas de que falei se tornam super eficientes e ótimas quando a proposta é brincar, se divertir, colocar nas redes sociais, registrar com um certo charme até, eu diria. É hype. E muitas vezes o resultado é super legal! E dá, sim, para fazer imagens muito interessantes, exercitar o olhar em perspectiva, desafiar na criação de fotografias.
Podemos até colocar essas fotos num museu (curadoria é uma re-criação de contextos e linguagens), mas não podemos chamá-las de profissionais e nem dizer que se aproximam disso (pelo menos não generalizando). Ser um bom criador não é questão de profissionalismo ou amadorismo. Há muitos amadores super inovadores e muitos profissionais bem repetitivos (e vice-versa). Cada caso é um caso e, confessemos, a maioria das fotos feitas pelo iPhone é um caso só e, por sinal, muito parecido…
PS – Parabéns pelas suas fotos que ilustram o texto! Tás arrasando muito, amigo!
achei massa teu comentário, só acho q tu “faz ressalvas demais” talvez com certo receio de “pegar pesado” com o amigo. relaxa bella =)
talvez eu tenha patinado mesmo na questão do “profissional”. foi algo que nem atentei quando conduzi o texto, talvez outros termos pudessem exprimir melhor a relação que eu queria traçar com os resultados da imagem – logo eu, que estudo o amador, derrapando nos conceitos…
de todo modo, eu realmente penso que as possibilidades de distribuição do iPhone são incríveis e queria ressalta-las junto com o deslumbramento dos filtros.
e vale dizer, também, que há usos e usos pros filtros. e tem exercícios interessantíssimos de pós produção que podem ser conseguidos com o iPhone, como usar três, quatro programas diferentes para “tratar” uma imagem, usando filtros em cima de filtros e saindo (ou tentando sair), dessa forma, do convencional trivial que é a “estética iPhone”.
=***
Hahaha! Fiz ressalvas demais porque sempre acabo me empolgando e escrevendo além da conta. E não é para não pegar pesado com o amigo, porque sei o quanto a gente tem liberdade para isso e para trocar idéias. A idéia aqui é levantar o debate mesmo. E talvez minhas ressalvas sejam muito mais para não parecer careta ou contra alguma coisa, porque não quero isso.
Quanto ao conceito de amador e profissional, fiquei insegura em tratar disso logo com você por aqui, mas falamos neste contexto em um outro âmbito dessa relação, relacionando a coisa com o “criativo”.
;***
Bella, não sei se concordo quando tu fala “Repito também: nada contra. Mas não tem esse valor todo como estética fotográfica em si. Não mesmo.”.. Na verdade sei, não concordo. Claro que existe massificação, claro que existe muita imagem igual sendo produzida (o que também acontece com as câmeras SLR.. o que mais tem é foto igual no mundo,ne?), mas também tem muita coisa boa sendo pensada e produzida. Quando digo pensada, é pensada mesmo.. Nesse pouco tempo que tou usando o iPhone e o Instagram, tenho acompanhado o surgimento de ensaios fotográficos lindos, consistentes.. O iPhone ta ai e acho sim que tem um valor estético e mais do que isso, o iPhone ta mudando a forma como os profissionais tão pensando a fotografia cotidiana.. Tiro por mim, a pouco tempo fiz uma viagem, levei minha SLR e meu iPhone.. so fotografei com a câmera de “brinquedo”.. e fotografei pra valer! É prático, é divertido e é fotografia. Acho que esse #Diálogo acaba conversando também com o #Diálogo de Joana Pires, o To think or not to think (https://setefotografia.wordpress.com/2011/04/12/dialogo-009-to-think-or-not-to-think/).. Porque tudo precisa de um conceito pra se ter um valor estético? Porque a gente não pode fotografar mais livremente?
Gosto desse ato fotográfico mais livre, leve, intuitivo e, porque não, prático que o iPhone tem me proporcionando.. pra mim que tou diariamente no jornal, fotografando “sob pressão” isso é uma delícia..!
PS- Gatis, discussão boa danada tu trouxe hein? Valeu! =)
Nem tudo precisa de um conceito para se ter uma estética, Pri. E até a própria pasteurização pode ser analisada esteticamente. Mas se o assunto é o valor de criação, a preocupação com a linguagem é fundamental. Tenho certeza que você pensa muito bem as fotos que faz com seu iPhone. Não tou falando só pensar com a cabeça, com conceitos definidos, mas pensar com o coração muitas vezes, e isso é construir linguagem, querer dizer alguma coisa. Você escolhe bem o que quer e o que não quer usar, o ângulo que escolhe, a direção da luz, o corte. Sei que constrói uma boa imagem, mesmo que inconscientemente. Nem todo mundo tem esse uso da mesma ferramenta.
Eu também acho ótimo que tenhamos ferramentas práticas e fáceis. E acho melhor ainda que possamos fotografar livremente. O que eu acho problemático é que apenas defendamos a técnica por si só. Você citou uma frase minha e eu vou destacar com maiúsculas a ênfase que quis dar quando a escrevi: “Repito também: nada contra. Mas não tem esse valor todo como estética fotográfica EM SI. Não mesmo.” Entende?
Você mesma confessou que “claro que existe massificação, claro que existe muita imagem igual sendo produzida (o que também acontece com as câmeras SLR.. o que mais tem é foto igual no mundo,ne?), mas também tem muita coisa boa sendo pensada e produzida. ” Essa sua frase resume quase que o meu primeiro comentário inteiro, só que eu resolvi colocar a idéia na ordem inversa: “é claro que tem muita coisa boa sendo pensada, mas existe muita massificação e imagem igual sendo produzida, sim, com iPhone, com Lomo, com Reflex, com Leica, com tudo!”
Por isso defendo o usuário e não a técnica em si. Adoro técnicas (vocês bem sabem), pois elas nos possibilitam usá-las para ampliar nossa criatividade e realizar nossas idéias, impulsos, desejos, sentimentos, além de trabalhos também. Mas em si elas não saem de si e, popularizando-se, como qualquer padrão que se estabelece em nossa cultura, vai causar estereotipia.
O mais legal é provar do desafio mesmo! Você está certíssima! Como eu falei anteriormente, as grandes mudanças estéticas e criativas vêm dessas experimentações.
Quanto aos termos “amador” e “profissional”, fica uma reflexão: você, quando fotografa pra valer com sua “câmera de brinquedo”, de forma leve e intuitiva, não estaria exatamente amadorizando? Leia-se sem o preconceito relativo ao termo. Amadorizar é preciso. Amador é quase amante. É o fazer pelo amor. Profissionalizar é tratar a coisa de forma profissional, pensando na sua “profissão” de fotógrafa que precisa ganhar dinheiro com a venda de sua fotografia (e de toda idéia que deve estar por trás dela). 😉
Será que você entendeu que a gente tá dizendo coisas parecidas? Releia meu comentário com esses óculos e veja que o que eu digo é muito parecido com o que você tá dizendo. O cuidado que temos que ter é só com os termos que utilizamos… ;*
Pri, o que é ter um conceito?
Tu realmente acha que tu fotografa com o Iphone da mesma maneira que a minha irmã, que não tem o menor interesse por fotografia, fotografa?
Tu acha que os conceitos com que você constrói suas fotografias de jornal ou teus trabalhos pessoais desaparecem quando você está com o Iphone nas mãos?
Acho que estamos confundindo uma série de questões há um tempinho aqui no blog e justo este texto de Joana foi um pilar importante disso. Uma fotografia livre e espontânea não é necessariamente uma fotografia “sem conceito”.
Cristiano Mascaro, em Tiradentes, falou sobre isso. Ele dizia que acreditava e ainda acredita em uma fotografia motivada pelo espontâneo, intuitivo, pelo encontro do clique, que é a fotografia que ele faz. Agora, me diz se alguma coisa no trabalho dele é sem conceito?
Não vamos confundir modos de produção e processo de criação com presença de conceito, pelo amor de Deus. Você pode ter um conceito e amarrar tudo bem direitinho antes de começar a trabalhar ou sair pelo mundo depois e encontrar um elo entre o material depois.
Lembra da oficina de Chiodetto, com o ensaio do menino que ficou quase hitchcock? Havia uma linha de condução entre as imagens, um conceito subliminar, que nas mãos de alguém mais experiente veio à tona. Isso é possível.
Conceito não é uma explicação da foto e nem é uma amarra que limita o fazer do fotógrafo. Se a gente pensar na própria ciência, os conceitos surgem a partir de repetidas vivências práticas, surgem de observações do mundo, de experimentação, de erros e acertos. A ciência, inclusive, trabalha com hipótese quando não consegue amarrar conceitos definitivos. Logo, nem tudo nasce de um conceito, mas os conceitos nascem de alguma coisa que estejamos fazendo pelo mundo.
Dizer que quando se faz um ensaio bem controlado em seu processo é fazer fotografia com conceito e fazer um ensaio sem uma reflexão amarrada previamente é fazer fotografia sem conceito é meio esquisito, porque a gente carrega diversos conceitos dentro de nós – e eles vão para as nossas fotografias.
A diferença é que há pessoas que buscam referências e trabalham para tornar esses conceitos conscientes e materializá-los em suas imagens, mesmo em trabalhos livres ou em fotografias mais despretensiosas, há quem mesmo conhecendo os próprios conceitos não se preocupa em observar se eles aparecem em suas imagens ou não. E há quem nunca vai se importar com isso, como é o caso da minha irmã.
Instagram é a lomo do Iphone. Com alguns efeitos visuais de uma precariedade elaborada, de um envelhecimento precoce ou um “ganho de perda” de qualidade. Acho massa o movimento lomo pelo que ele tem de lúdico e de um resgate analógico nas relações sociais (não apenas no processo fotográfico), com seus encontros, passeios etc. Fantástico que muita gente esteja se divertindo com fotografia através da lomo (ou do Instagram).
Mas as discussões mais conceituais – http://www.clicio.com.br/blog/2011/instagram-vicio-ou-virtude – me entediam um pouco. Em 2007, Jonathas de Andrade foi atrás de um visual envelhecido, com imagens puxando pro magenta, com um foco comprometido, manchas de fungo etc. Isso foi feito artesanalmente, com filmes e cópias em papel, e o resultado é a bela exposição e publicação entitulada Amor e felicidade no casamento. Ali, esse resultado visual tinha um porquê, era necessário.
Na lomo-iphone isso é apenas um preset. Eu acho legal como a home do instagram coloca a coisa: “É um modo rápido, lindo e divertido de compartilhar sua vida com amigos usando uma série de fotos”. Não precisa ser mais do que isso: rápido, lindo e divertido. Esse lindo aí é discutível em uma infinidade de casos, hehehe.
Não me oponho a nenhum novo dispositivo de produção de imagens (seja equipamento ou aplicativo), pelo contrário: comemoro a existência de cada um. Mas acho que o buraco é mais embaixo do que enxergar algo de inovador nos efeitos de presets. Penso que a quantidade de imagens produzidas é o que está por trás desse fenômeno. Uns vão fotografar mais porque tem foto no celular, outros porque a foto fica com uma cor “diferente” desses milhões de fotos de celular. Mas… diferente até quando?
Gente,
Como é que vocês podem falar em massificação quando se trata do Iphone? Alô? Alô, meu Brasil? Quantas pessoas no Brasil realmente PODEM comprar um Iphone? Será que dá para pensar nisso? Em quantos lugares nem tem energia elétrica, condições de vida minimamente dignas para as pessoas e a gente atribui o termo “massificação da fotografia” para uma ferramenta cara como o Iphone? Vamos botar o pé no chão, por favor!!!!
Ana,
Perdoa-me se entendi errado, mas vejo em teu discurso uma perda de foco. Quando se fala de massificação da fotografia, sem dúvida um dos exemplos citados é o Flickr, e foi noticiado há pouco tempo que as fotos feitas com iPhone estavam em vias de ultrapassar a quantidade de fotos feitas com a D90, então em primeiro lugar no número de fotos enviadas para aquela rede. Além do mais, o artigo trata especificamente de uma ferramenta criada para aquele aparelho (Instagram copiada já para celulares de outras marcas), e como meio de expressão fotográfica. E não há como negar a massificação do ato de fotografar com celulares e câmeras compactas.
Não dá para falar de lugares onde “nem tem energia elétrica”, nos quais o impacto da fotografia é quase nulo, nesse contexto. Vamos botar o pé no chão.
Abraços
é Aninha, a gente ta falando do universo fotográfico.. e dentro desse universo o iPhone é uma febre.. isso é um fato.
Ainda assim, não é massificação, minha gente!
Massificação é foto feita com celular, que parte considerável da população tem, mas com Iphone, não! Não é massificação de produção, mesmo!
O número de fotos produzidas pelo Iphone não significa que um igual número de usuários estejam produzindo essas fotos. Mas sim que uma quantidade restrita de usuários está produzindo muitas fotos. Isso, sim!
Vocês estão confundindo produção e recepção com acesso.
Flor, o assunto não tá indo pra esse lado… O social abrange inúmeras instâncias… E os fenômenos estão aí! 😉
Que fenômenos, Bellinha?
O que eu sinto é a gente tomando universos restritos como coisas abrangentes, e isso me preocupa.
Será que todo mundo realmente quer impregnar as fotos com um discurso, filosofia, estética ou qualquer coisa do tipo? Será que as pessoas não querem só fazer parte de um hype, de uma brincadeira e sair clicando a vida por aí com o que estiver a mão, no caso, um iPhone, um punhado de apps e efeitos?
Acho que a grande revolução do instagram não é a criação de uma estética iPhone, mas sim o compartilhamento. Comparo o instragram com o twitter. Nem todo mundo quer fazer literatura ou escrever um livro. Algumas vezes, só queremos trocar ideias e impressões do dia-a-dia. Se alguém quiser fazer algo mais elaborado com aqueles 140 caracteres, como o @carpinejar, pode fazê-lo sem se preocupar com essas limitações e até usá-las como parte da linguagem. E isso acontece com o iPhone também.
Lomo, Instagram, iPhone, 5d ou plec-plec. Que tal apenas fotografar?
Isso mesmo, Sev! Ninguém precisa impregnar nada de nada! (até porque essa impregnação vai além do nosso único controle). Todos podemos nos divertir e devemos. E que bom que a fotografia está cada vez mais no meio desse hype.
Concordo com você, como disse no meu primeiro comentário, que a grande sacada do instagram é sua função de rede social.
E concordo mais ainda que devemos fotografar livremente independente do equipamento (que sempre terá suas – graças a Jah – limitações) que escolhemos usar. O que interessa é que nós os utilizemos ao nosso favor, seja a nossa vontade apenas brincar ou seja criar um super ensaio! Viva a liberdade e a prática despretenciosa. E viva a possibilidade de escolher o suporte que seja. =D
acho que Severo resume muito bem meu pensamento quando diz “Será que todo mundo realmente quer impregnar as fotos com um discurso, filosofia, estética ou qualquer coisa do tipo?”.. “Que tal apenas fotografar?”, minha gente?
Aninha, quando tu me pergunta se eu acho que os conceitos com que eu construo minhas fotografias desaparecem quando eu tou com o Iphone nas mãos.. eu te respondo que os “conceitos” podem desaparecer sim, e até agora eu tenho fotografado com meu iPhone de forma completamente livre, como uma brincadeira, baseada apenas no que meu olho “gosta de ver”.. o que carrego comigo, em qualquer fotografia que faço independente do equipamento que uso, são meus conhecimentos, meus gostos, meus sentimentos.. pra mim, isso não poder ser considerado um “conceito” (falo essas coisas baseadas no meu entendimento de “conceito” na fotografia)..
e é claro que uma fotografia intuitiva pode estar completamente carregada de conceitos, eu não tou dizendo que não.. mas também pode não ter uma gota de conceito. no meu caso, quando eu pego um iPhone eu me sinto como a tua irmã, Aninha.. eu me sinto uma amadora brincando.. e é justamente isso que eu acho uma delícia no iPhone. eu saio na rua e fotografo sem ter na minha testa estampado que eu sou fotógrafa.. é exatamente como Bella falou eu tou “amadorizando” quando uso o iPhone.. mas isso não quer dizer que eu não possa profissionalizar a coisa.. e tem muita gente que ta profissionalizando.. Alexandre Belem deu um ótimo exemplo la no Olhavê, contando que uma foto que Claudio Edinger fez com o iPhone foi parar em um leilão http://www.olhave.com.br/blog/?p=7439.. o iPhone é como qualquer outra câmera fotográfica.. o uso e os resultados vai depender de quem ta com ele nas mãos..
e o iPhone tem despertado a fotografia na pessoas, isso é uma coisa linda que tem acontecido, e acontecido muito! tem muita gente que não tinha o menor interesse por fotografia e quando pegou o iPhone, começou a pensar em enquadramento, cor, luz etc.. etc.. tem gente brincando de fotografar e fazendo fotografia muito boa!!! Gatis é um ótimo exemplo disso: começou a fotografar com o iPhone, pirou na câmera, nos filtros, fez um monte de foto linda e gostou tanto da brincadeira que depois comprou uma SLR..
nossas idéias são bem parecidas sim, Bella.. so acho que daqui há alguns anos vai ser mais fácil ver e entender esse valor da estética do iPhone.. isso não quer dizer que eu ache lindo essas milhões de fotos com a mesma cara que estão sendo produzidas, porque cansa mesmo.. mas acho que a gente não pode negar que essa homogeneidade esteja sacudindo as cabeças das pessoas.. acho que se não tivesse valor como estética a gente não estaria aqui debatendo isso.. ne?
guilherme gatis clicou na opção “curtir” pra esse comentário de pri =)
engraçado Aninha, é que lembrei muito do workshop com Chiodetto quando começou a se falar aqui de linguagem, conceito etc etc.. lembrei também de como o AutoDesconstrução surgiu.. resolvi fazer um exercício de luz. um puro e simples exercício de luz.. e que depois se transformou em um ensaio pensado, construído, carregado com meus sentimentos, minhas vivências e tal.. e muitos trabalhos surgem assim, de fotografias que surgiram por acaso, de uma vontade de simplesmente fotografar e ponto. quando eu falo que as fotografias que faço com meu iPhone não tem um discurso, um conceito por trás, falo do agora, falo da minha intenção na hora que apertei na telinha do celular.. um dia, quem sabe, posso olhar pra aquelas fotos e ter uma idéia, posso desenvolver isso.. ou não.. essas fotos podem continuar sendo sempre uma foto de brincadeira, porque é assim que as faço, meu iPhone é um brinquedo nas minhas mãos. Clicio fala bem isso no post “Instagram, vício ou virtude? “(http://www.clicio.com.br/blog/2011/instagram-vicio-ou-virtude/): “O que posso afirmar é que nunca imaginei que fosse ser tão feliz ao abandonar equipamentos pesados, princípios rígidos, regras engessadas e papos técnicos intermináveis; apertar o botão sem nenhum compromisso a não ser comigo mesmo, com um minúsculo aparelhinho que está sempre no bolso, é a libertação total de que precisava para simplesmente fotografar. Por puro prazer.”! acredito que isso acontece com Clico, comigo, com outros milhares de fotógrafos e com pessoas comuns “não fotógrafos” que estão brincando de fotografar.. inclusive eu já presenciei “não fotógrafos” tendo mais cuidado com as fotos que tão fazendo com o iPhone do que eu mesma.. recentemente eu tava tomando uma cerveja com um amigo e a gente teve a mesma ideia de fotografar umas grades de cervejas empilhadas.. eu fui la, enquadrei, fotografei e pronto.. quando ele foi, ele andou pra um lado, andou pro outro, levantou, abaixou, virou o iPhone pra um lado, virou pro outro.. fez a foto e depois passou um tempão escolhendo os filtros pra finalmente postar no Instagram.. (eu também não tou querendo dizer que com o iPhone eu fotografo de qualquer jeito, aperto o botão e pronto, muitas e muitas vezes também faço todo esse ritual, exatamente como faço com a minha SLR, mas tem vezes que eu quero simplemente registrar, brincar e pronto, de forma livre, solta).. o fato é que as pessoas estão pensando mais no ato fotográfico em si.. os conceitos não estão ali na maioria dos usuários do iPhone, ainda, mas quem sabe se a questão do “pensar fotográfico” também não possa despertar..?
Gente, eu acho que estamos nos confundindo pelas palavras aqui.
Não sei o que Pri quer dizer quando fala que a fotografia dela não tem “conceito” e nem o que Aninha quer falar quando diz que, ao percebermos relações entre imagens, vemos o “conceito”.
O que eu quero acrescentar é que eu diria que uma fotografia, qualquer fotografia, fala. Ela não é a condensação de um conceito, mas de vários. Desde o conceito de imagem em perspectiva (ou vocês acham que a gente vê em duas dimensões), que é um conceito renascentista assimilado automaticamente por qualquer pessoa de nossa sociedade ocidental desde que nascemos, até o corte, o tom, a exposição, a luz (…), TUDO na fotografia fala. Você querendo ou não. É como o corpo. Não dizem que o corpo fala? Pois bem, não importa se queremos ou não, fala mesmo e é passível de ser analisado.
Qualquer imagem, assim como qualquer texto, está repleto de linguagem. Ela comunica. E, sinto informar, por mais livre que você fotografe, por mais que você não tenha nada a dizer, por mais vazia que queira (ou não) que sua prática seja, a foto que você fez vai falar. Coloque diante de qualquer pessoa (inteligente, de preferência.. rsrs) e peça para que ela diga o que essa fotografia provoca nela. Fala de sentimentos, provoca sentimentos. Fala de sociedade, de cultura. Fala de transcedência. Whatever. Fotografia (assim como a moda, a arquitetura, a paisagem) é documento (não necessariamente documentação, não vamos confundir as coisas) e fala. Documento de uma época, de um lugar, de uma situação, de um sentimento. Ela dialoga com quem a vê (mesmo que quem produziu minta (;p) dizendo que não dialogou com ela – porque qualquer foto, por mais rápida, “impensada”, livre e informal que seja, precisa de alguém para escolher o que será dela). Qualquer imagem por mais despretenciosa que pareça, pode ser lida. Sim, inclusive aquela da sua irmã, Aninha. Lida em seu contexto, em seus significados perante a sociedade, em sua condição de imagem, em relação ao receptor, etc. E nesse momento, temos que parar de achar que o fotógrafo é o rei do mundo e baixarmos a cabeça para saudarmos nossas imagens como independente e eternamente ressignificável, a partir do momento que ela existe. Não sejemos bobinhos: não acreditemos que imagens são inocentes (por mais inofensivas que muitas delas pareçam). ;p
Admitir que a fotografia fala, que ela é linguagem, não precisa provocar em nós um sentimento de peso, de pressão ou de qualquer responsabilidade de querer construir um discurso definido, uma estética definida, um texto, um “conceito” definidos. Ela será discurso, estética, filosofia, independente de nós. Você pode achar isso que eu tou dizendo ruim, se realmente a sua intenção é fazer uma foto que não diga nada. Sinto muito, não é você (oh, grande autor!) sozinho quem vai determinar o que (e se) ela diz alguma coisa. Se achou isso bom, sinta-se livre para querer ou não pensar antecipadamente, “durantemente” ou posteriormente na linguagem que você está construindo com a bagagem de mundo (visual, cultural, familiar, profissional, etc, etc) que você tem. Vamos nos desapegar mesmo! Você pensando ou não, ela estará lá.
Mas não precisa levar isso a sério! 😉
Então, Bellinha, acho que estamos falando a mesma coisa. A fotografia fala. Não existe fotografia pura, imaculada, desprovida totalmente de intencionalidade, mesmo que ela seja tirada depois de um porre de cerveja.
Quando falei da questão do “conceito” é que o “conceito” das fotografias do menino ficou mais claro para o grupo quando Chiodetto foi costurando os elos entre elas e a gente viu que essa “fala” estava em todas as fotos e ganhou uma narrativa bonita quando foi organizada.
Acho que você acabou sendo mais feliz que eu na sua organização de idéias, mas eu concordo com o que você escreveu =)
sim, de fato estamos confundindo tudo aqui. eu não seria fotógrafa e eu não seria eu, se eu dissesse que uma imagem, por mais simplória que ela seja, não fala. e em momento nenhum eu falei isso, gente..
toda imagem tem algo pra dizer, toda imagem desperta algum tipo de sentimento em quem a vê.. toda ela, sem exceção. e cada pessoa que vê essa imagem a percebe e a sente de um jeito.. isso é um fato incontestável que não foi colocado em cheque em nenhum momento aqui..
o que venho falando desde o inicio é do MOMENTO DO CLIQUE, da falta de “conceitos” pré concebidos naquele instante que eu aperto a telinha do celular pra fazer uma foto.. o que venho falando é que eu (e um monte de gente) tem fotografado com iPhone de forma livre, como bem falou Severo, livre de um “discurso, filosofia, estética”.. eu tou fotografando com o iPhone pelo simples e delicioso prazer de fotografar.. e depois essa fotografia vai mexer com alguém, vai dizer alguma coisa pra alguém, é ÓBVIO!
ahhh, tou adorando esse rebuliço todo que o post de Gatis ta causando! =)
Eu nem li todos os comentários ainda, mas hoje de tarde lembrei de um texto que li quando lomo virou hype. O que ele dizia era mais ou menos o seguinte: uma foto ruim não vai melhorar porque foi feita como lomo. Uma foto ruim vai ser uma lomo ruim. Assim como o iPhone. Uma foto ruim não vai melhorar porque usou o efeito xyz de seja lá qual for o app. Como Queiroga falou, a qualidade vai ser discutível em uma infinidade de casos.
bella valle “curtiu” o comentário de alexandre severo.
Eu também concordo com Severo!
pra ajudar na discussão: http://pinkywainer.com.br/?p=152
(segue o texto abaixo pra quem tem preguiça de cliques. quem deu a dica foi a querida Dani Arrais)
Assalto na rua Dr. Melo Alves, Jardins, SP (bairro de comércio de alto luxo). Um ladrão foi baleado e morreu. Eu estava na loja do Bispo conversando com o (super) fotógrafo profissional Roberto Setton. Falei: vamos lá? Quero fotografar pra botar no twitter. E talvez seja uma boa foto pra vc vender para algum jornal. E lá fomos nós: eu e meu I phone, ele e seu equipamento. Cada um com sua intenção.
A cena era incrível: uma área protegida pela fita amarela e preta, no centro uma bolsa Chanel rosa bebê, um relógio Bulgari, um revolver e uma grande poça de sangue. Enorme. ( Já tinham levado o corpo. ) Que cena. Se fosse produzida seria um clichê. Mas era completamente real.
Logo Setton estava fotografando e conversando com a Folha de SP. Eu fiquei fotografando de longe e joguei a foto no twitter.
Blah blah blah e fomos embora. Cada um no seu quadrado. Ao voltar pra loja imaginei a foto do Setton no jornal de papel do dia seguinte. E pensei em todos os que acompanharam comigo, via web, o acontecido em tempo quase real: ouvimos a história, olhamos a imagem, pronto, já era. Acabou. Next. Pela primeira vez pensei no jornal de papel como algo realmente (quase) ultrapassado.
Eis que recebo um telefonema da Folha online, me pedindo pra ceder a foto que tinha postado no twitter. Divertido e inesperado: sim.
Setton teve problemas na venda das fotos: a Folha oferecia muito menos do que ele pedia – que já era o mínimo. Ele é fotógrafo, vive disso. Não se acertaram. E lá pelas 22h João Wainer ( filho, fotógrafo e funcionário da Folha de SP) pede as minhas fotos. E assim foi. Acordei com a minha foto no caderno Cotidiano, edição regional da Folha.
E agora? O que vale mais? Uma bela foto profissionalmente bem tirada ou o instantâneo de um celular? Não acho que a discussão passe só pelo pouco dinheiro oferecido. Não me lembro de fotos ou vídeos profissionais no tsunami do Japão. A gente vê em todo lugar do planeta, a qualquer hora, em qualquer tipo de acontecimento, aquelas mãozinhas levantadas segurando o celular e o flash espocando. A tecnologia nos transformou em fotógrafos. E está obrigando a profissão de fotógrafo a se reinventar. Penso que agora os jornais e revistas etc.. são vitrines para o trabalho dos fotógrafos. É mais importante publicar por pouco dinheiro do que não publicar. Afinal foto boa é a que é publicada (no sentido de existir). Até porque o jornal consegue facilmente fotos de colaboradores voluntários. O Globo já tem uma seção só com fotos e comentários de leitores. Os tempos românticos do fotojornalismo acabaram. Então em que momento o fotógrafo ainda é essencial?
Pink Wainer
Eu tenho 40 mil ressalvas com relação a esse texto! Foto boa não é foto publicada. Jornais e revistas não são vitrines dos trabalhos dos fotógrafos porque nem sempre as editorias de imagem têm a voz merecida na escolha de uma foto para uma pauta. (Sem falar em jornal que nem editoria de fotografia tem).
Várias vezes eu já vi fotos incríveis serem preteridas porque o editor de texto (que nem sempre entende de fotografia ou não respeita o fotógrafo como um profissional narrativamente independente) escolhe uma foto-burocrática-feijão-com-arroz que vai traduzir o texto do repórter porque, segundo ele, o leitor pode não entender a imagem “mais elaborada”.
Nem sempre o jornalismo está comprometido com a melhor história, com a forma mais bacana de narrar e muito menos com o bom trabalho do fotojornalista. Se um editor não vê um fotojornalista como repórter, apenas como ilustrador de texto (e isso não é raro), qualquer foto feijão-com-arroz comprada por valores pequenos a quem não trabalha com fotografia, mas acha massa ver sua imagem publicada no jornal, é negócio.
Agora, isso não quer dizer que a foto produzida pelo fotojornalista valha menos e nem deva ser desmerecida. Nem que os tempos “românticos” do fotojornalismo acabaram. Por que o romantismo do fotojornalismo está ligado ao comprometimento do profissional com aquilo que ele produz e à maneira com que ele se dedica às histórias que narra – e não à forma como a imprensa decide receber e veicular esta produção.
Basta ver a produção de Maurício Lima, que Alexandre Belém sempre enfatiza no Olhavê (www.olhave.com.br), o trabalho dedicado de Anderson Schneider, João Roberto Ripper, Alcione Ferreira, Daniel Marenco e do próprio João Wainer (para citar alguns), as fotos de Goran Tomasevic na Líbia e diversos outros exemplos de fotojornalismo feito com o coração mundo afora.
Além disso, a imprensa não se resume ao jornal impresso e muito menos à grande imprensa, como a Folha, e nem fotojornalismo se resume à publicação de features (que são fatos corriqueiros – e, neste caso, as redações nem sempre se preocupam em selecionar a melhor foto).
E como citei aqui no meu texto sobre fotojornalismo (Diálogo #007), existem projetos lindos de fotojornalismo que estão extrapolando esse sentido tradicional de imprensa e crescendo pelo mundo em plataformas como o Media Storm (www.mediastorm.com), o Emphas.is (www.emphas.is), a Noor (www.noorimages.com) e aqui no Brasil em projetos como o Morar (catarse.me/projects/100-morar), do Coletivo Garapa (www.garapa.org), o Favela em Foco (http://favelaemfoco.wordpress.com) e vários outros.
Não vamos resumir o fotojornalismo à maneira com que parte da imprensa trata as fotografias que ela publica. Ele é muito amplo do que isso e bem mais valioso que o precinho camarada que os não-profissionais (que sentem o gosto bom de ver sua foto publicada no jornal) costumam receber.
E, sim, o fotógrafo ainda é essencial. E quanto mais eu leio esse tipo de postagem, mas eu tenho certeza de que investir em formação tanto de fotógrafos quanto de público é uma prioridade urgente.
só uma ressalva – eu postei esse texto pra jogar mais brasa na discussão, mas também acho que há uma série de bobagens nesses escritos, visse? paz e amor =)
Oi Gatis, eu sei!
As minhas ressalvas são ao texto e não a você e nem à sua intencionalidade. Achei massa você ter trazido. Eu tenho uma escrita enfática, de fato, e quase sempre emocional, mas eu estou tranquila. Teu post trouxe 28 comentários (29 agora) em um diálogo e acho que isso é que é importante. A gente discutir! (E ficar emotiva de vez em quando faz parte!). Cheiro!
eu não tenho iphone, nunca tive a chance de usar, mas creio que me divertiria com um. portátil, discreto, boa resolução e integrado com a net e suas redes sociais, entre outras vantagens que imagino que tenha. pra determinadas situações, parece ser a alternativa ideal. se o uso tá meio restrito a fotógrafos e/ou pessoas com grana, acho que isso vai mudar em breve. a gente vive num mundo cada vez mais louco e veloz, e penso que só vamos dar conta dessa demanda com um iphone na mão.
por isso e também pelo fato de que toda tecnologia fica mais barata com o tempo, acho que cada vez mais pessoas vão fotografar com ele. foi assim com as compactas digitais, depois com os celulares com câmera e assim será com o danado do iphone. faço essa diferenciação porque tenho dúvidas se aquilo é mesmo um telefone. prefiro imaginar que é uma coisa, que entre outras coisas, faz ligações. enfim, a popularização do iphone vai chegar, mas se eu tivesse que apostar, diria que os entraves da relação entre fotografia e sociedade continuarão os mesmos.
é preciso colocar a sociedade no bolo. ela, aliás, entra no bolo a gente querendo ou não, pois a dinâmica do mundo vem legitimando não apenas os profissionais, mas também o cidadão comum como produtor de conteúdo de utilidade pública. em seções como vc repórter (terra), cidadão repórter (DP) e voz do leitor (JC), além de muitas reportagens feitas a partir de análises de topic trends, são exemplos e com frequência isso inclui conteúdo fotográfico.
é o indivíduo que informa, compartilha, denuncia, reinvidica e, por tudo isso, influencia, forma opinião também através das imagens que produz. a bronca é que esse cara, na grande maioria das vezes, é o mesmo que acha que fotografar é só apertar o botão. acha que não precisa de especialização técnica, tampouco do olhar. ele foi levado a crer nisso. é provável que ele se conforme com as opções à sua frente e não se ligue no fato de que há muito mais para ser explorado – que o diga o conceito de fotografia expandida, já abordada por este blog.
com o iphone, esse cidadão comum continuará iludido pela incrível praticidade de um aparelho que foi além da abertura/velocidade/ISO e tornou simples outras configurações (o citado ponto de foco, por exemplo) e também etapas de pós-produção, como tratamento e veiculação.
com ou sem a presença maciça do iphone, é inegável o fato de que a fatia representada pelo cidadão comum, que pouco sabe lidar verdadeiramente com imagens, é e será sempre muito superior ao número de profissionais e/ou pessoas com percepção visual mais apurada. e a produção dessa maioria pode até não influenciar quem é treinado, mas possivelmente vai influencia outros indivíduos dessa maioria.
regular esse conteúdo é complicado. é errado, na verdade. os veículos de comunicação podem até filtrar o que lhes convém, mas o que dizer sobre todo o resto que vai pra net? se o direito de fotografar com liberdade deve ser preservado, então, ao meu ver, só nos resta recorrer a uma alfabetização visual em escala global. mas como fazer isso? falo de técnicas, mas principalmente de ética e moral. quantas fotos são registradas e postadas de forma ingênua, sem que seja avaliado a repercussão desse ato, para o bem e para o mal? quantas fotos são adulteradas para o mais diversos fins e assimiladas como verdade por quem as contempla?
a medida que esse comodismo se confirma, só posso concluir que o mundo tende mesmo a nivelar a produção fotográfica por baixo. reforço: o cidadão comum, esse indivíduo com visão simplista da fotografia, legitimado pela internet e pelas redes sociais como produtor de conteúdo, é maioria absoluta. num mundo em que as coisas acontecem muito rápido, acaba prevalecendo a cultura do registro impulsivo e da publicação urgente. como ser otimista diante desse cenário?
eu sou otimista diante desse cenário!
😉
Certas situações promovem uma maturidade no pensamento das pessoas, mas nem sempre a curto prazo. Mas estamos, sim, indo pr’um caminho melhor. \o/
é que eu fico angustiado, sabe? otimista, mas angustiado.
certa vez li sobre a experiência da fotógrafa marie ange bordas com 24 alunos de escolas públicas de SP. ela e uma editora fizeram uma oficia de foto e de início o material produzido desanimou. mas no fim do curso, 3 meses depois, as fotos melhoraram muuuuito! a fotógrafa disse que os alunos aprenderam noções de iluminação, enquadramento, composição, etc, e os próprios jovens admitiram melhoria na percepção. não encontrei link pra matéria, mas sei que o texto saiu na edição 200 (março de 2007) da revista nova escola.
sou otimista porque sei de experiências como essa! mas a angústia às vezes bate porque acho que ainda são casos isolados, quando poderiam ser padrão.
que bom seria se, por exemplo, todas as escolas fossem recheadas de coisas desse tipo aqui, ó: http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/mundo-imagens-ler-426380.shtml
xêro!
Chico, eu dou oficinas constantemente e essa cena se repete sempre, mas é muito recompensador. Eu nunca desanimei na primeira tentativa, porque lembro do meu próprio processo fotográfico e sei que esse caminho é natural.
Além disso, a gente também não pode querer que o mundo inteiro fotografe bem e decida seguir a vida como fotógrafo. Eu defendo a formação como um processo de sensibilização mesmo e de construção de uma relação mais ampla com o mundo por meio da imagem.
Se a partir dela, a pessoa desejar seguir com a fotografia enquanto forma de expressão, massa. Se não, que a experiência (ou as experiências) seja válida por dar a ela outras possibilidades de ver o campo fotográfico, mesmo que não seja como fotógrafo.
Concordo contigo, Ana: todo mundo como fotógrafo é demais pro coração, né? Ahahaha… mas disse as coisas que disse porque acredito numa postura menos passiva diante das imagens; em pessoas com efetiva capacidade e hábito de refletir sobre as coisas a partir do material que produz e/ou visualiza por aí.
Diante do cenário em que estamos envolvidos, as oficinas que você ministra e outras iniciativas que resultam em alguma educação visual são oportunas e necessárias. Nossa relação com as imagens é milenar, mas, diferente de outras épocas, hoje essa relação é particularmente íntima e em grande escala graças às máquinas fotográficas. É preciso tirar proveito desse momento.
No fim das contas, acho que defendemos a mesma perspectiva. =D
olha ai, João Valadares usando o iPhone como instrumento de denuncia: http://www.olhave.com.br/blog/?p=7850
fotos lindas e que dizem muito!
Eu ia publicar isso agora. Isso, sim, é uma fotografia com diferencial, usando o Iphone e o Instagram. Notas jornalísticas coesas. Lindo e necessário =)
ele tá mandando bem mesmo! e quando não denuncia, faz a gente rir! =D
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