Por Chico Peixoto
Em um espaço dedicado a discussões sobre fotografia, frequentado em geral por pessoas que trabalham diretamente com ela, a afirmação parece óbvia. Afinal, ao fazermos da fotografia uma profissão ou um dos instrumentos para a execução de nossas atividades, a relação com as imagens se torna particularmente íntima e nos leva a um inevitável desgaste. Chega um momento, ainda que seja breve, em que queremos fazer tudo, exceto fotografias. Difícil imaginar que isso não tenha ocorrido com alguém pelos menos uma vez na vida. É preciso não fotografar pela importância e necessidade de descondicionar a mente e o olhar.
Acredito sim que é preciso deixar a câmera fotográfica de lado, mas não apenas por isso. Olhemos em volta e façamos outra constatação óbvia: vivemos em um mundo repleto de imagens – entre elas uma enxurrada de fotografias – e também marcado pelo crescimento exponencial da quantidade de pessoas (que já é absurda) que produzem ou interagem com manifestações visuais diariamente. Novas tecnologias proporcionam o lançamento de máquinas fotográficas mais práticas e de diferentes tipos de aparelhos eletrônicos com recursos cada vez mais integrados, reforçando a ilusão de que não apenas o ato fotográfico é simples, mas também muitas das etapas de pós-produção. É possível fazer uma foto, retocá-la e efetuar a publicação em poucos toques. Ao refletir sobre isso sempre concluo que as pessoas parecem estar preocupadas apenas em produzir fotografias. A apreciação é secundária.
Não estou falando daquela vista rápida, identificando apenas elementos destacados em primeiro plano. Falo da característica tão ressaltada nos livros que se propõem a traçar um perfil da fotografia; da apreciação como mergulho, imersão, bem ao estilo “podia ficar olhando pra sempre” disseminado por este blog, buscando contemplar outros elementos enquadrados além do que grita à nossa frente. Falo do maior número possível de pessoas aprendendo a contemplar como ponto de partida para a reflexão de coisas que extrapolam a própria fotografia. Uma imagem de qualquer coisa nunca é apenas essa coisa, certo? Tudo na fotografia é informação. A partir disso, vejo o ato de não fotografar como chance de valorizar mais a contemplação do que é produzido. Fico tentando imaginar como seria um mundo onde exposições fotográficas fossem tão disputadas quanto sessões de cinema e a experiência prevalecesse sobre a documentação.
Acho necessário não fotografar também como forma de dar espaço à pura e simples prática da observação crítica. Acredito que, quando não é rasa, a relação do observador comum com as imagens costuma ser passiva: inúmeras pessoas invariavelmente se deixam influenciar, por exemplo, pela “ditadura da beleza” imposta por meio de fotos de outdoor e comerciais de televisão. Gente feliz é gente magra, pregam sem parar. E muitas outras mensagens são assimiladas como dogmas a partir de imagens no jornalismo, na publicidade, nas baladas, no cotidiano,… isso tem a ver aspectos subjetivos na produção, é claro, mas creio que se dá principalmente pela nossa falta de preparo diante das mensagens nocivas que as imagens carregam. Na maioria dos casos a gente aceita e passa a vivenciar um estado de angústia.
A fim de combater isso, mais uma conclusão óbvia: educação visual, “um caminho libertador, que através dele podemos construir pessoas autônomas, conscientes de si mesmas e do mundo, capazes de fazê-lo mais humano”, como bem destacou Val Lima no Diálogo #13. O caminho é libertador, porém muito árduo, pois estamos falando de um descompasso secular. Imagens nos acompanham desde o início dos tempos e, apesar disso, ainda não dispomos de parâmetros suficientes para a elaboração de um método de alfabetização visual. Teorizações sobre luz, cor, composição, enquadramento, além de signos e suas malhas de significação, não são próprias da fotografia. É possível assimilar esses conceitos praticando pintura, por exemplo. Reserve-se, então, ao direito de não fotografar como uma oportunidade de vivenciar outras formas de expressão e apreender diferentes mecanismos de percepção.
Considero ainda a decisão de ler um livro ao invés de fotografar. Livros aumentam nosso vocabulário e, consequentemente, nossas possibilidades de representação. Também estimulam nossa imaginação – e sabemos que imaginar, antever uma foto antes de registrá-la é sinal de amadurecimento do ato fotográfico. Ler livros, sobretudo, porque palavras e imagens sempre andam, de alguma forma, de mãos dadas. A linguagem visual é rica e vasta, mas pouco perceptível sem o suporte da linguagem verbal, dizia Roland Barthes.
Às vezes é preciso, sim, não fotografar. Porque para fotografar melhor é preciso perceber melhor e percepção é algo que está muito além dos limites do visor. Perceber não é apenas ver, é principalmente sentir. E existe um mundo inteiro para ser percebido. As pessoas que trabalham com fotografia e outras expressões visuais tendem a entender isso mais fácil. Portanto, cabe a elas fazer, através do seu trabalho, com que outras pessoas percebam.
“Não fazemos uma foto apenas com uma câmera; ao ato de fotografar trazemos todos os livros que lemos, os filmes que vimos, a música que ouvimos, as pessoas que amamos.” – Ansel Adams
P.S.: Meu muito obrigado a equipe do 7 Fotografia pela chance de expor pensamentos e, através do diálogo, adquirir mais conhecimento.
Apoiado, apoiado! Acredito que uma forma de ampliar nossos horizontes e canais de percepção e comunicação é o que estamos tentando desenvolver com o 7. Um projeto colaborativo onde unimos produção, reflexão, sensação, apreciação…
Obrigada, Chico, por aceitar nosso convite e dividir conosco suas ideias.
Como bem disse Dorothea Lange: “A camera é um instrumento que ensina as pessoas a verem sem uma camera”.
já disse e repito: o blog é show, pois falar sobre fotografias, sobre imagens de uma forma geral, é simplemente necessário. não o tempo todo, como qualquer outro assunto, mas necessário. se existe o “hábito de ler”, vamos propagar o hábito de ver e falar a respeito. =D
Chico, seu texto é super pertinente! Muito bom! Obrigada, viu?
poxa, isabella, valeu mesmo!
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