O fotógrafo britânico Martin Parr fez, há pouco tempo, um post em seu blog onde listava 13 clichês fotográficos que identificou nos últimos 30/40 anos. Sua crítica é, em especial, aos fotógrafos documentais e artísticos, que segundo ele: “têm muito orgulho em pensar que são superiores em relação a outros gêneros da fotografia” e são, geralmente, muito previsíveis e genéricos no que fotografam. É bom salientar que ele se inclui também e eu, particularmente, ampliaria a crítica a todos os tipos de fotógrafos.
Confesso que fiquei muito feliz de mais uma vez poder observar a lucidez deste excelente e provocativo fotógrafo e de poder usar sua observação acurada para trazer mais um diálogo para o 7. Porém, devo admitir também que talvez eu não concorde com todos os itens da lista, e com certeza poderíamos acrescentar ainda muitos outros clichês, mas isso é o de menos. Interessante mesmo é o questionamento que traz sobre a originalidade na fotografia, entendida aqui, inicialmente, de forma genérica como: “novidade e diferença, uma singularidade que distingue e individualiza”*.
Martin Parr nos mostra como somos repetitivos em demasia, sem criatividade e cansativos ao exaurir temas e fórmulas. Muitas vezes nosso lugar é apenas o lugar-comum, e isso em tempos de superprodução de imagens traduz-se em um imenso e desinteressante volume de trabalhos que apenas reproduzem padrões pré-estabelecidos que já não surpreendem, nem captam o olhar. É essencial estarmos atentos a nossa produção para evitarmos essas “receitas de bolo”. Entretanto, como tudo costuma ter dois lados, é bom destacar algumas questões centrais dessa conversa:
1. Os clichês, cópias, repetições e todas as suas derivações não são necessariamente ruins, podem ser muito úteis e importantes como prática, inspiração e até mesmo matéria-prima. Não tenho nada contra eles quando feitos ou usados conscientemente, mas faço uma ressalva, às vezes a facilidade na repetição dos clichês impede a criatividade e a busca por novas formas e meios.
Para ilustrar lembrei-me dos trabalhos de dois fotógrafos que admiro muito, o mineiro Francilins e o francês Antoine D’Agata, ambos possuem trabalhos que por mais que se assemelhem na temática (a prostituição) e na estética do material produzido, sem dúvida são trabalhos muito distintos e particulares. As semelhanças estão longe de causar um repeteco, elas fortalecem as diferenças, o encontro e a proximidade entre mundos tão longínquos. Vale a pena dar uma googada nestes nomes.
2. A dificuldade em ser original numa época onde, aparentemente, tudo já foi criado. Diante disso, destaco a importância de estudar, pesquisar e buscar conhecer a história e os trabalhos de outros, para não correr o risco de cair na mesmice sem nem saber. Atento ainda para a necessidade de se renovar. A originalidade não consiste apenas em buscar o novo pelo novo ou aquilo que nunca antes foi criado, mas em resignificar, criar novas possibilidades para velhas formas.
Um bom exemplo de como ser original abusando das repetições e cópias são as releituras, pelas quais tenho uma forte queda. Onde não se trata apenas de reprodução, mas de interpretação. Uma das obras mais adaptadas é o quadro “Las Meninas” do espanhol Diego Velázquez, muitos fizeram suas recriações, até mesmo Picasso e Dalí, mas a minha preferida é a de Joel-Peter Witkin, definitivamente um fotógrafo singular, distinto e notável.
A exemplo dos nomes citados, o bacana é estarmos certos do que queremos com nosso trabalho. Se isso quer dizer trazer clichês, tudo bem. Se quer dizer inovar completamente, tudo bem também. As possibilidades estão na mesa, cada um escolhe de que quer se servir!
Para terminar cito uma frase de Amilcar de Castro, que acredito traduz a essência da busca pela originalidade, seja ela como e qual for, desde que você encontre o seu próprio caminho.
“O que caracteriza um artista é ele olhar para dentro de si mesmo. Toda experiência em arte é um experimentar-se, é a experiência de si mesmo, é uma pesquisa em você mesmo. Você não pode fazer experiências com os outros. Este silêncio do olhar para dentro à procura da origem das coisas é que é o grande problema da arte. Procurando a origem você fica original, e não querendo fazer uma coisa diferente. É por isso que eu acho que criar está junto com viver, que arte e vida são a mesma coisa.”
*LISSOVSKY, Mauricio. O tempo e a originalidade da fotografia moderna.
Tem vezes que leio algum post aqui e fico sem nem ter como comentar!
Agora refletindo sobre isto aqui, me veio a pergunta: será que clichês são de época? Porque nos últimos 30, 40 anos os clichês, segundo a pesquisa que linkou, são esses 13, mas e no período de 80 a 30 anos atrás, terão sido outros? Ou seja, clichê evolui, muda, é suplantado? Acho que precisamos de mais algum Martin Parr para nos mostrar os clichês mais antigos!
clichê é tudo! é com ele que aprendemos, que nos situamos no mundo. graças aos clichês temos a oportunidade de praticar, esgotar possibilidades e, somente depois disso, pensar em algo que ainda não foi pensado. é injusto encarar a originalidade como único norte criativo e o clichê como algo disprezível.
e o que é uma foto original? se imagens são polissêmicas, malhas gigantes e não-lineares de significado, então basta mudar o prisma que teremos uma nova imagem. pode ser clichê pra quem já viu, mas será original pra quem ainda vai ver. ora, nem todo mundo evolui da mesma maneira, na mesma velocidade.
muita sacanagem essa polarização que o homem costuma fazer: de um lado a “coisa boa”, o original. do outro, o “vilão”, o clichê. e a gente, besta, entra direitinho nessa brincadeira que só serve pra gerar estresse. se o trabalho é velho ou novo, isso deveria pouco importar.
Tenho estado em diferentes lugares vendo e ouvindo sobre fotografia e criação artística. Em geral observo que a maioria das pessoas estão num jogo de repetir conhecimentos para validarem seus interesses de grupos ou dos seus trabalhos e que poucas conseguem pensar por contra própria a partir das suas próprias experiências. Esse texto bem colocado da Maíra com os comentários do Alexandre e do Chico revelam que o mais importante em qualquer área de conhecimento é sabermos usar qualquer conceito externo para desenvolver uma inteligência particular que é inerente a tudo e a todos.
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