A saudade das minhas conversas frequentes com Priscilla Buhr (que está na Alemanha, de férias e expondo o seu lindo AutoDesconstrução) talvez tenha sido o mote para pensar o diálogo de hoje. Lembrei um dia desses das minhas primeiras conversas com Pri, logo no início de nossa amizade, quando a gente já costumava bater papo sobre fotografia, muito antes do 7 ser concebido. Costumávamos falar sobre a nossa relação com essa paixão, sobre como fotografar era uma prática importante para nós.
Lembro também de quando eu mesma comprei a minha primeira câmera“só minha” (porque antes era naquele esquema da “máquina fotográfica automática da família”), dos exercícios que eu fazia só por brincadeira, das experiências com macro, lightpainting, dos registros de todo e qualquer evento e, claro, do meu famoso “dedo nervoso”, que saia fotografando tudo e todos que encontrava pela frente. Surgiam imagens maravilhosas! Naquela época eu nem imaginava que acabaria virando “fotógrafa de verdade” e trabalhando com isso. E, depois, quando já era a tal “fotógrafa de verdade”, fui me desestimulando para sair fotografando demais – nem tudo merecia ser fotografado e nem tudo me interessava mais.
É engraçado que, enquanto eu estava na redação de jornal, esse fenômeno acontecia, mas não me abalava muito, já que todos os dias eu estava na rua, fotografando pautas legais, pensando novas imagens, exercitando meu olho, minha mente e minha técnica. Eu continuava fotografando muito, apesar de não querer mais fotografar tudo.
Sempre fui uma curiosa, então, naturalmente “me danei” a ser pesquisadora. Primeiro foi a iniciação científica, quando ainda estava na graduação, e, depois, o mestrado. Tornei-me uma “fotógrafa estudiosa”, lendo um monte de livros, vendo um monte de fotos dos outros, entendendo a história da fotografia, exercitando um olhar crítico, construindo opiniões mais embasadas sobre temas que envolvem a tal prática. E isso, sem dúvidas, é importantíssimo e me fez uma fotógrafa melhor.
Tá, mas porque eu estou fazendo esse desabafo um tanto pessoal? O quê, de fato, eu quero trazer para a conversa aqui no 7? Bem, o fato é que eu me dei conta de que não tenho fotografado. Por alguns meses, esse estudo todo me travou: ver coisas fantásticas que já foram feitas, além de alimentar um certo “abuso” dessa mania moderna/contemporânea de gerar imagens demais (muitas que jamais serão revistas ou que ficam nos bombardeando de informações desnecessárias), me fez fotografar menos, a ponto de eu chegar a passar mais de um mês sem fazer nenhuma foto. Me dei conta disso e estou preocupada.
É preciso parar com essa idéia de que a fotografia deve ser uma coisa sagrada, maravilhosa, “conceitual”, impecável sempre. Não há apenas uma fotografia, mas várias fotografias. E nada mais importante para um fotógrafo do que fotografar. Sair do senso comum e fugir de clichês (como Maíra levantou no seu último texto aqui no blog)? Sim. Aumentar o repertório vendo fotos dos outros? Sim. Estudar para desenvolver um pensamento crítico? Sim, também. Mas, além de tudo, fotografar. Momentos de silêncio e pausa são importantes, mas não podem dominar nossa vida prática e ativa de fotógrafos.
No Diálogo que nosso amigo Guilherme Gatis trouxe para o 7 sobre fotos feitas com iPhone, esse debate apareceu aqui no blog: será que esse tipo de fotografia é válido? Claro que é. Para todos, principalmente para fotógrafos, que somos nós, amantes da fotografia, amadores ou profissionais, que desenvolvemos as potencialidades dessa linguagem maravilhosa. Todo tipo de fotografia é válido (não, nem todas as fotos são boas, claro).
Não devemos pensar na fotografia restringindo-a, limitando-a e nem exigindo um padrão único de medidas ou expectativas. Não existe fotografia isolada de contexto. A foto da vovó no dia do seu aniversário é importantíssima, mesmo que a cabeça da velhinha tenha saído “cortada” ou a fotometria um desastre, pois ela cumpre com um dos valores mais interessantes e mágicos da fotografia: o da memória afetiva. Claro que devemos observá-la generosamente como tal, valorizá-la, sem exigir muito estilo ou técnica. Uma boa foto de publicidade deve cumprir com seu papel de venda, provocando desejo no produto. Uma boa foto de jornalismo deve informar bem sobre algum fato. Uma foto de manual de instruções deve ilustrar eficientemente as indicações recomendadas. Nem toda foto foi feita para ser arte e nem deve ser sempre feita para isso. Uma boa foto é uma foto eficaz (como diria Simonetta Persichetti), e eficaz para o que se propõe. Mas algumas vezes ela pode simplesmente se propor a ser uma diversão, um passa-tempo, um exercício. Principalmente nós, os fotógrafos que se tornam profissionais, acabamos presos ao tipo de fotografia que interessa ao nosso trabalho, aos nossos clientes, ao nosso hábito ou mesmo a um ideal de fotografia artística e esquecemos que podemos (e devemos) muitas vezes nos libertar disso. Afinal, é isso que nos torna amantes da fotografia: amadorizar.
Celebremos as fotografias! Exercitemos e estimulemos essa pluralidade! Para quê nos limitar quando temos tantas possibilidades diante de nosso cotidiano e de nossos equipamentos? Este texto é uma ode ao amor pela fotografia em que todas essas fotografias têm um espaço de mesmo valor e respeito. Além de, obviamente, ser um desabafo e uma pitada de terapia para a pessoa que vos fala, que está em crise com o seu “matrimônio” e tentando reafirmar esse sacramento: “Oi, meu nome é Isabella, eu sou fotógrafa e fotografei hoje. Pretendo fotografar amanhã e por todos os dias da minha vida. Amém.”
Oi, meu nome é Marco Antonio, sou fotógrafo e não fotografei hoje mas prometo me redimir amanhã.
Muito grato pela contagiante chamada ao voltar a fotografar.
Abraços,
Marcão
Oi, meu nome é Val, eu sou fotógrafa, mas também sou filha, namorada, amiga, amante, dançarina, eu sou mil possíveis em mim. Não, eu não fotografei hoje, nem fotografei ontem. E isso muito me entristece. E amanhã eu também não vou fotografar, mas vou derramar um pouquinho do meu amor pela vida e pela fotografia em olhinhos bem atentos. Prometo, apenas, viver e fotografar para dizer o que eu penso, o que eu sinto. Para esvaziar o tanto que existe dentro de mim e que chega a transbordar. Juro, que vou tentar não deixar que a rotina do trabalho me impeça de fotografar o que vejo e que a mediocridade do mundo não me impeça de continuar dizendo o que acredito.
Eu clico
Tu clicas
Ele clica
Nós clicamos…
Conjuguemos o clicar, ou, melhor que isso, exerçamos o clicar.
Embora eu acredite que você fotografa, você faz fotografia quando estuda, quando lê, quando faz reflexões, quando escreve, compartilho a ansiedade, ou espécie de remorso por fotografar menos do que gostaria (em todas essas nuances). Mas, ao mesmo tempo, tenho acreditado cada vez mais numa ecologia da imagem: reduza, reuse, recicle. Menos desperdício, mais consciência.
A gente não pode ter ipods com um zilhão de músicas que nunca ouvimos, hds lotados com artigos que nunca lemos (isso me fez lembrar uma campanha recente para governador em que o candidato prometia um tablet para cada aluno da rede pública com 3,5 mil livros… mas isso já é outra coisa).
E sim (sim! sim! sim!): a fotografia tem que ser divertida, tem que dar prazer. Abaixo os fotochatos!
Então… que eu fotografe mais, que nós fotografemos mais!
Que nós fotografemos MAIS TRANQUILAMENTE =)
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ao ter teu texto pensei logo naquele tipo de pescador que vai pro rio por puro prazer; que navega sem muita pretensão, que não se importa em esperar um pouco mais para puxar o anzol. aquele pescador que, com o peixe finalmente em mãos, admira, fica cheio de alegria, emociona-se até, e devolve o peixe pro rio…
fotografar, simplesmente, nem que seja pra admirar e apagar tudo logo em seguida; pra capturar as sutilezas do mundo e depois soltá-las no mundo outra vez… que a gente lembre sempre de curtir o momento, que nem o pescador. =)
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