Podia ficar olhando pra sempre esta foto de Andres Santamarina

Olimpo | Andres Santamarina

 “O que mais me assusta não se vê”. Esta é uma das frases mais fortes da apresentação de Olimpo, ensaio do fotógrafo argentino Andres Santamarina que traz essa foto entre as doze que compõem a sua narrativa visual. Andres faz parte da imensa legião de filhos que perderam os pais durante a soturna ditadura argentina – e um dos que decidiram tear os fios dessa perda por meio de um trabalho artístico.

Entre as buscas pela identidade do pai, que foi levado quando o fotógrafo era criança e sobre quem não pôde falar nada absolutamente nada com outras pessoas durante muitos anos, Santamarina decidiu percorrer os rastros dos locais por onde ele passou. Essa seria sua maneira de reconstruir uma relação com a figura paterna, cuja presença em seus anseios é tão intensa que os relatos ouvidos na infância não dão conta de tamanha magnitude.

Por isso, ele buscou os sinais da perseguição, do medo, da crueldade e da morte. E em meio ao vazio dos espaços, onde antes funcionavam as câmaras de tortura, ele tirou a câmera da bolsa e, como Manuel de Barros, fotografou o silêncio. Preparou a máquina de novo e fotografou o som dos passos e do arrastar dos corpos. Esperou a câmera carregar mais um fotograma e documentou o desespero.

A cada girar do carretel seu corpo inteiro foi sorvendo o tilintar das chaves, o cravar dos cadeados, os pedidos, a procura, a perda e os risos dos soldados ao dizerem aos perseguidos políticos que chegavam ao Centro Clandestino de Detención, Tortura y Exterminio: “Bem Vindos ao Olimpo”. O que mais assusta não se vê!

Andres, contudo, absorve também o desejo de transformação de seus antepassados e a coragem de seguir fotografando o não-visto e por mais horrendos que sejam seus ecos. E o que vemos gravado de forma mais contundente nesta foto é o rastro de luz que mostra o breu no final do corredor. O quarto sombrio de onde as histórias nefastas não desejavam sair.

No entanto, o fotógrafo encara o recinto escuro de frente e nos coloca diante da imagem de um pai materializado em desejo – e, por meio dele presentifica todos aqueles que se foram e os que, como Andres, ficaram à deriva entre vestígios e uma dor que por muito tempo não podiam expressar.

Olhar Para Sempre essa foto é partilhar do momento em que o corpo presente do fotógrafo encara o sofrimento para levar amor ao espírito presente do pai. É ratificar o elo estabelecido quando suas histórias e memórias finalmente se encontram e disseminar a representação de narrativas que não devemos esquecer.

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8 respostas para Podia ficar olhando pra sempre esta foto de Andres Santamarina

  1. edmarmelo disse:

    sem ler o texto, a foto não me acrescenta nada de concreto. mas quem sou eu para achar alguma coisa em qualquer lugar???

    • Ana Lira disse:

      Oi Edmar, talvez seja essa uma das questões que o material de Andres nos traz. Quando a experiência não nos toca, nos importamos com ela? Quando as ausências não reverberam, nós buscamos quem não está mais ali? Talvez não…acho que essa é uma chave importante para entender os desdobramentos de certos temas, como esse que ele traz.

  2. edmarmelo disse:

    se fosse minha, certamente passaria despercebida, só eu perderia tempo olhando-a!!!

    • Andres disse:

      aveces eu tem que olhar sem olhar, porque minha mirada e solo uma mirada, sempre uma perspectiva unica (y limitada) aveces os fotografos nos perdemos de olhar uma coisa por olhar outra….

      umas veces, eu tem que cerrar los oculos para olhar mejor.

      Andres

    • Ana Lira disse:

      Oi Edmar,

      Eu fiquei pensando sobre esta perspectiva tua, sabe? Eu não sei se a foto fosse sua ela passaria despercebida. Eu entendo o teu ponto de vista, mas para uma foto não me tocar é preciso que não haja conexão minha com a temática dela ou com o universo do fotógrafo.

      E acho que isso ocorre com todo mundo. Faz uma experiência de observar que fotos você vê no cotidiano, que são consideradas “fotos simples” (no meio fotográfico que você convive – porque existem vários) e que te tocam? Se você pensar que isso ocorre com todo mundo, inclusive com críticos, curadores, etc, poderá entender que a escolha não é apenas pela foto em si.

      Inclusive, existem outras imagens com composições similares espalhadas pelo mundo, que eu até acho bonitas (porque eu gosto deste tipo de fotografia), mas não me sensibilizam. A minha conexão com esses (e vários outros) trabalho é emocional e política – principalmente política.

      O material de Andres tem uma relação muito forte comigo porque eu tive parentes presos em várias épocas de ditaturas brasileiras. Eu já visitei várias câmaras de tortura. E o cenário é esse mesmo. Ele coloca essa inquietação: ou você lida com o que existe ali na sua frente ou intervêm no espaço para criar algo que aproxime as pessoas da sua narrativa. Andres, pelo visto, decidiu lidar com o que ele tinha ali. Seco, simples.

      E quando eu vi o ensaio inteiro, eu lembrei do dia em que visitei uma exposição de Lamarca, na antiga sede do DOI-CODI, em São Paulo, e liguei para o meu pai chorando. A cela estava bem pintada e tudo cartesianamente organizado, mas a energia do lugar era nefasta. Eu já havia visto várias celas, inclusive na Casa da Cultura, aqui em Recife, onde meu tio-avô ficou preso, mas meu corpo levou um choque quando eu entrei na cela arrumadinha do DOI.

      Como você fotografa isso?

  3. ChrisSchc disse:

    Excelente o blog e trabalho de vocês.
    Conheci hoje e passando bastante tempo apreciando o material daqui.
    Parabéns.

  4. Murilo disse:

    meu grande amigo ANDRES!!!

    MUITO TALENTO E SABEDORIA!!

    DALE AMIGO ARGENTINO!!!

    TE EXTRAÑO

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