Na semana passada o Olhavê publicou uma pequena entrevista com o fotógrafo norte-americano Stephen Shore, ele estará em São Paulo entre os dia 15 e 17 deste mês, numa agenda que inclui workshop, palestra e abertura de exposição no MIS – Museu da Imagem e do Som. As atividades são parte do SP PHOTO FEST – Festival Internacional de Fotografia de São Paulo.
Pioneiro no uso da cor na fotografia na década de 70, o nova-iorquino Stephen Shore (1947) é um dos fotógrafos mais reconhecidos mundialmente e um dos artistas mais renomados de sua geração. Autodidata, fotografa desde criança e tem uma trajetória de dar água na boca, possui diversos livros publicados (o mais conhecido é Uncommon Places) e teve seu trabalho exibido em importantes museus e galerias. Especialmente por ter sido o segundo fotógrafo vivo a ter uma exposição individual no Metropolitan Museum of Art (NY), aos 24 anos.
Deste rápido e bacana bate-papo, uma questão em especial me deixou bem inquieta:
OLHAVÊ – Qual o desafio para um autor após conseguir o reconhecimento? E qual o seu conselho para os mais jovens encararem o sucesso?
STEPHEN SHORE – Para quem você esta fazendo arte? Para o mercado ou para você mesmo? Para ser reconhecido ou para responder questões? Esta situação é difícil e pode atrapalhar a evolução do trabalho do artista.
Ao invés de dar respostas vagas e generalistas, Shore nos questiona e estimula uma reflexão muito pertinente. Sua resposta põe em xeque o fotógrafo/autor/artista. Ele nos diz: olhe para dentro, olhe para você mesmo, se questione, se entenda e descubra sua razão de fazer o que faz. Para alguns talvez seja óbvio que sua produção surja destes questionamentos pessoais, mas tenho visto uma contracorrente muito forte e, para mim, assustadora. Por exemplo, conheço muita gente que quando abre uma seleção ou edital fica louco por enviar qualquer projeto, vejam bem: qualquer projeto, apenas para “ganhar” uma bolsa para produzir ou ter seu trabalho exposto. Mas produzir o que? Porque? Com qual finalidade? Qual o sentido do seu trabalho? Parece-me lógico que todas estas questões tenham que vir antes, mesmo entendendo que cada um tenha seu próprio processo de criação e que as etapas se misturem e se confundam.
Também na semana passada recebi um e-mail de uma amiga fotógrafa falando de algumas dúvidas e questionamentos sobre seu trabalho, foi muito bonito vê-la falar com tanta clareza e propriedade sobre seu modo de produção/processo de criação, mesmo cheia de dúvidas ela se conhece, ou melhor ainda, está em uma constante busca por esse conhecimento que, é importante destacar, é também mutante. Mas ela sabe bem por que escolheu fotografia, o que lhe toca e para que ou quem o faz. Essas questões precisam estar nítidas para nós mesmos antes de tudo.
Claro que as pressões e exigências da área e do mercado nos atingem, nos abalam e até geram crises existenciais, faz parte, mas elas não podem nos desestabilizar. No Diálogo #020: Respirar é preciso, Pri Buhr falava sobre a cobrança (interna e externa) por produzir material novo, que agrade ao público e seja bem recebido pela crítica. Essa angústia é sufocante e até castradora. Certa avidez por uma produção constante, por se inserir no “mercado”, por não ser só fotógrafo, tem que ser artista contemporâneo, tem que ter trabalho autoral e que dialogue com a produção fotográfica contemporânea, senão você está fora de moda. Não entendam com isso que tenho qualquer coisa contra essa produção, muito pelo contrário. Concordo com Rubens Fernandes Junior, que tem uma excelente definição e eu gostaria que assim fosse sempre:
“A produção contemporânea se confirma e se mostra como uma apaixonada experiência pelo fazer, cuja intensidade, provocada pelos ruídos e estranhamentos que saltam aos olhos, cria uma fascinante surpresa que põe em êxtase os nossos sentidos, pois tem a capacidade de nos transportar para um outro mundo de luzes e sombras, que se articulam numa atmosfera plural e pelas tensões que daí emanam.”
Quero dizer apenas para não nos deixarmos levar por essas correntes e cobranças. Encontre suas próprias motivações e suas respostas. Seja você um artista já reconhecido ou não. Afinal, essa crise pode surgir antes, na gênesis da relação de cada um com o seu fazer ou mesmo durante. O que não dá é para fazer as coisas com o sentido equivocado, produzir por produzir, para estar no circuito, sem vontade, interesse, paixão, inquietação ou algo que estimule verdadeiramente é vazio e isso se reflete no trabalho. Quem entra nessa paranóia pode facilmente se perder, por isso então é que indico a todos a reflexão a que Shore nos propõe.Tem que encontrar o que te toca, saber a razão que te move é fundamental.
Finalizo filosofando com um trecho dos ensinamentos de Don Juan no livro A erva do Diabo, de Carlos Castañeda:
“… Tudo é um entre um milhão de caminhos. Portanto, você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se achar que não deve seguí-lo, não deve permanecer nele, sob nenhuma circunstância. Para ter uma clareza dessas, é preciso levar uma vida disciplinada. Só então você saberá que qualquer caminho não passa de um caminho, e não há afronta, para si nem para os outros, em largá-lo se é isso que o seu coração lhe manda fazer.
Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso. Olhe bem para cada caminho, e com propósito. Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário. Depois, pergunte-se, e só a si, uma coisa. Essa pergunta é uma que só os muito velhos fazem. Dir-lhe-ei qual é: esse caminho tem coração?
Todos os caminhos são os mesmos; não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato. Em minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, mas não estou em lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho tem um coração? Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer a sua vida. Um o torna forte, o outro o enfraquece.”
Teu artigo, tal qual o caminho que presta, tem coração. E vibra. E cria inquietude. Adorei. Obrigado.
Beijos,
Marcão
Muito bom teu texto e valeu por compartilhar o Castañeda.
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