Bom dia, moçada!!!
Depois de quase dois dias acompanhando o vai e vem da cidade e os últimos momentos de preparação do festival, as atividades do Paraty em Foco começaram esta noite. A cidade está repleta de pessoas interessadas em fotografia, bem mais do que eu vi há dois anos quando estive pela primeira vez no evento. Foi uma surpresa muito boa, mas ao mesmo tempo um ponto para a reflexão. O que significa tanta gente interessada nos diálogos propostos pelo festival?
É uma boa questão para debater com os colegas nos próximos dias. O interesse é pela reflexão na fotografia, pelo refinamento da própria formação, por conhecer trabalhos novos, por exemplos que podem servir de referência para os próprios caminhos, por um melhor conhecimento do que norteia alguns dos mercados possíveis para a fotografia atualmente? Ou por nada disso?
O que nos leva? O que nos guia?
Quem começou respondendo parte dessas questões foi o sul-africano Pieter Hugo, em uma entrevista conduzida por Alexandre Belém e Geórgia Quintas, na abertura do evento. Hugo é autor de um trabalho baseado fortemente nos detritos, rastros e consequências do apartheid na África do Sul, bem como nas dinâmicas culturais, étnicas e psicossociais do país. Além disso, ele vê a si próprio como alguém deslocado da maioria do país por suas características físicas (é alto, loiro e de olhos claros) e essas inquietações foram transformadas em matéria prima dos seus trabalhos.
Em uma conversa que durou cerca de uma hora e meia, Hugo falou que sua intenção não é fazer fotografias bem feitas, mas ter um trabalho que coloque as pessoas para pensar. Ele disse que o não-visto é um dos principais guias de seus projetos. Se é para trazer uma abordagem que ele já viu antes em algum lugar, ele prefere não fazer. Por isso, ele conta que enquanto os fotógrafos caminhavam para a África do Sul para documentar os 10 anos do fim do apartheid, ele foi para Ruanda, na mesma época, buscar os vestígios dos 10 anos do genocídio que marcou a história recente da África.
Questionado sobre a relação que desenvolve com os fotografados, ele disse que sempre que pode tenta levar as fotografias que faz para as pessoas, mas algumas vezes acaba esbarrando em problemas como: a) a morte precoce dos retratados por trabalhos insalubres ou doenças relacionadas com os problemas de saúde pública do país; b) as pessoas que nem sempre gostam dos resultados; c) a ausência de uma cultura de informação e formação para lidar com a fotografia como meio de expressão, o que afeta a relação dele com cada trabalho.
O principal meio de divulgação de seus projetos são livros. Hugo acredita na publicação impressa e crê que tenha material com qualidade suficiente para ser publicado. A sua única ponderação é quanto a quantidade de fotos nas publicações. Ele diz que vários livros de fotografia possuem mais fotos do que deveriam, mas, claro que depende da obra e do fotógrafo em questão.
Hugo diz que existe um movimento bastante saudável na fotografia sul-africana, mas que ele conhece muito pouco porque passa mais tempo envolvido com suas atividades. Contudo, ele crê que a atenção de curadores e museus para a fotografia que tem sido desenvolvida no país trouxe uma nova perspectiva de atuação para os fotógrafos que, como ele, se sentem “enclausurados” pela visão que se tem não apenas do país, mas como de todo continente africano. Para ele ser rotulado como um fotógrafo sul-africano tem sido bastante complicado, porque ele faz trabalhos em outros locais do mundo, a exemplo do Brasil.
Quando a conversa terminou, eu procurei Pieter Hugo para esclarecer um pouco mais esse ponto. Por que ele se sentia desconfortável em ser chamado de fotógrafo sul-africano? Que impacto na prática isso tinha no trabalho dele. Ele explicou que parou de trabalhar de forma mais intensa para revistas porque elas enviavam pautas pré-formatadas em cima de uma áfrica exótica e estigmatizada.
Embora o seu trabalho fale de morte, detritos, violência e problemas raciais, étnicos e psicossociais, a sua perspectiva não era a mesma das encomendas que recebia, que taxavam o continente e o próprio país em que nasceu, a África do Sul, de uma forma que ele não concebia mais falar. Então, ele passou a articular formas de bancar os próprios projetos e a buscar narrativas mais próximas das discussões que o interessavam.
Hugo é sintético em suas respostas e o público ficou com vontade de saber bem mais informações, ainda mais porque a mesa acabou um pouco prejudicada pela tradução, que generalizou vários detalhes que eram importantes para uma melhor compreensão da linha de atuação do fotógrafo. Quem entendia a língua inglesa e conseguiu compreender bem o que ele dizia recebeu bem mais informação do que as pessoas que não compreendiam.
O próprio Hugo, em alguns momentos ficou inquieto porque o tradutor não acompanhava a sua linha de raciocínio e perdia informações. Para não repetir, o fotógrafo o pedia para traduzir uma visão mais geral da fala, o que nem sempre era produtivo. Fora isso, o resultado da mesa foi bem importante. Belém e Quintas conheciam o trabalho do fotógrafo e fugiram das questões mais óbvias, que ele não gosta muito de responder, trazendo debates mais focados nos enredos dos trabalhos que ele faz.
Depois do debate ocorreram as aberturas das várias exposições que permeiam o festival. O público de início se concentrou na bela mostra do Miguel Rio Branco e depois caminhou para as outras várias propostas de interação com a fotografia trazidas por autores e grupos de vários locais do mundo. A programação está muito extensa e, de fato, vai ser bem desafiante falar sobre tudo com detalhes por aqui. Vamos tentar fazer o possível para que esse diário de bordo seja tão bonito quanto o festival e quanto vocês merecem. Cheiro grande para vocês aqui de Paraty!
Daqui, de léguas distantes, acompanharemos o teu instigante Diário. bjs
maravilha Aninha!!! Ficamos todos muito gratos pelo empenho de vocês! Será muito bacana poder acompanhar tudo por aqui. Abração!!!! Mateus Sá
Ana,
que bom te ter aí para nos contar como anda o Paraty,
te acompanharei, beijos Yêda
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