Diário de Bordo – Paraty em Foco 2011 – Respirando reflexões

Nos primeiros dias do evento, em um dos poucas conversas que tivemos com um dos organizadores do evento, Giancarlo Mecarelli, ele disse que não imaginava que o Paraty em Foco chegasse a esse tamanho todo. Feliz por ver a concretização de um sonho ganhar a credibilidade e a estrutura que possui, ele diz que em seus planos, pelo menos, o festival não deve crescer mais para não correr o risco de ser maior do que a produção consegue realizar.

Poucos dias depois dessa conversa, eu enfrento um pouco a inquietação de não conseguir ver tudo o que eu gostaria e de ter que fazer escolhas muito cautelosas para dar conta de uma cobertura que traga as discussões do festival, mas que também contemple o meu desejo de ampliar a minha própria pesquisa pessoal em fotografia.

Luiz Carlos Felizardo e Joáo Urban | Foto Ana Lira

Por isso, mesmo com outras coisas bacanas ocorrendo pela cidade, eu não pude deixar de acompanhar a prévia do lançamento dos portfólios de Luiz Carlos Felizardo, João Urban e Leopoldo Plentz, na Casa da Cultura. Eles fazem parte de uma geração da fotografia documental que marcou a trajetória do setor no sul do país e cujos parâmetros de discussão ainda ressoam entre nós até hoje. Felizardo foi, inclusive, um dos homenageados do Fest Foto Poa deste ano, com o lançamento de um livro que passava por sua trajetória na fotografia preto e branco em grande formato, que deixa qualquer um boquiaberto.

No Paraty em Foco, tanto Felizardo quanto Urban e Plentz foram homenageados com o lançamento de uma caixa especial contendo dezoito fotos de cada um em papel fine art e um documentário dirigido por Eduardo Baggio e Osvaldo Santos Lima, que mostra o processo de criação de cada um dos fotógrafos. A caixa foi lançada pela Omicron Fine Art que é o braço editorial do Omicron Centro de Fotografia de Curitiba.

Leopoldo Plentz (ao fundo) e Rubens Fernandes Jr | Foto Ana Lira

Além da própria carreira dos três fotógrafos, um dos assuntos que pautou a discussão deles foi o futuro de seus acervos. Todos estão preocupados com a questão e, dentro das limitações possíveis, estão fazendo o necessário para garantir que a obra que produziram não vire pó quando eles não estiverem mais presentes. Contudo, a falta de uma cultura de preservação no país faz com que a negociação para guarda e manutenção dos acervos de qualquer fotógrafo vire uma odisséia.

Leopoldo Plentz revelou, em primeira mão, que está em andamento a concretização de um Instituto de Fotografia na cidade de Canela, no interior do Rio Grande do Sul, que se bem sucedido deverá fazer o papel de salvaguardar os acervos destes fotógrafos. Felizardo comentou também que se pensarmos em uma política de preservação para um país, um modelo interessante para ser pensado é o que levou à criação do Center For Creative Photography, da Universidade do Arizona, que hoje abriga acervos dos principais fotógrafos norte-americanos e europeus, como Ansel Adams, Richard Avedon, Eugene Smith, entre outros.

Poloneses | Foto Joao Urban

Olhando para eles durante a conversa, senti um frio na barriga ao pensar que um trabalho como o de João Urban, por exemplo, pudesse desaparecer por falta de preservação. A documentação que ele fez da comunidade polonesa no Brasil, construída quase que integralmente com retratos, ainda é um dos trabalhos que mais me tocam na vida Depois da encontro, eu e Joana Pires tivemos a chance de conversar um pouco com ele para uma iniciativa que em breve será apresentada aqui no 7 e eu não conseguia parar de pensar no quanto minha alma pulsa de admiração pelo carinho com que Urban se debruça sobre as questões humanas. Ele que, além dos polacos, fotografou a rotina dos bóias-frias, na década de 70, no sul do pais e tantas outras coisas singulares de se ver. Um acervo desses não pode desaparecer assim.

Depois dessa nossa conversa, andando pelas ruas de Paraty, pude ver o quanto as pessoas estavam mobilizadas pela fotografia em trocas intensas. Conversas sobre as exposições, o Fotoescambo que rapidamente tinha seu acervo trocado, as filas incalculáveis na casa de impressão e a interação que as ações de rua tiveram com o público que estava apenas visitando a cidade. O pessoal do Coletivo Casa da Imagem montou lindas caixas-mágicas na praça, que eram manuseadas com curiosidade pelos passantes.

Através da Caixa-Mágica da Casa da Imagem | Foto Ana Lira

Toda essa movimentação era documentada pelos repórteres-mirins, que este ano sob a orientação de Claudia El Beyeh, não perdiam nada na cobertura do festival. Durante vários momentos, queria estar como eles, em todos os lugares de Paraty, fotografando workshops, caminhadas, saídas fotográficas, performances, lançamentos, rodas de diálogo. Como eles são dez e eu apenas uma, respirava e mais uma vez diante de um livreto rechonchudo de opções, programava a minha próxima etapa.

Fui ver o diálogo com o coletivo Versus Photo, que desenvolve um trabalho de fotografia documental baseado mais nos estados instintivos do que no que é visto por quem está atrás da câmera. O debate é interessante e pode render uma boa conversa, mas eu me peguei refletindo sobre o excesso de imagens que eles apresentaram tanto durante o bate-papo com o público quanto na projeção à noite. Este excesso também integra o discurso do grupo ou ele é reflexo de um melhor processo de edição que ainda está se construindo? Nas duas apresentações que eles fizeram, eu não consegui ficar concentrada até o final, dada a quantidade de imagens e foi impossível não pensar sobre o assunto. É proposital?

Versus Photo | Foto Ana Lira

Além disso, talvez por fazer parte de três coletivos hoje (nem todos necessariamente de fotografia), e de ter experiência com outros no passado, eu fiquei me perguntando se a conversa sobre quebrar os paradigmas da fotografia documental, superar a autoria individual, poder ter um espaço de criação além daquele proposto pela mídia tradicional e desenvolver os próprios projetos com mais liberdade não está sendo repetitiva.

Por escutar esse enredo quase sempre, nos últimos três anos, acabei me cansando um pouco durante a conversa com Gihan Tubbeh e Renzo Giraldo, que formam o coletivo junto com Musuk Nolte, estava viajando em outro compromisso do grupo. Porém, sempre que sinto um dejavú nesses diálogos, eu penso no que Eduardo Queiroga e Alexandre Belém me disseram sobre as pessoas que não têm a chance de ter acesso a esse debate com a facilidade que eu tenho. É um exercício importante esse de refletir sobre aquilo que caminhamos e o que os outros ainda estão por agregar.

Por isso, quando encontrei minha colega de quarto, Melissa Warwick, descobrindo os primeiros passos deste tema e demonstrando um deslumbre com aquele modelo de criação coletiva, senti um certo toque de vale a pena na conversa. Da minha parte, eu editei o bate-papo deles com Claudi Carreras e guardei comigo a  possibilidade de pensar no processo fotográfico deles, que fala da fotografia do instinto, com mais calma e atenção. Ter este tipo de experiência foi bem importante.

Gustavo Pellizon e Custódio Coimbra | Foto Ana Lira

Outro momento bem significativo do festival foi ver a conversa com Gustavo Pellizon e Custódio Coimbra sobre o trabalho que eles estão fazendo para o jornal O Globo, em que os fotógrafos da redação agora também são pautados para realizar pequenos documentários para o portal do veículo utilizando fotografia e vídeo. Eu comentei sobre alguns dos caminhos deste fotojornalismo que se anuncia em um texto anterior aqui no blog e foi com muita alegria que eu vi, em menos de dez meses, um passo importante ser dado na construção deste tipo de trabalho com o documentário que Pellizon realizou sobre Minotauro.

O crescimento técnico, estético e narrativo é notável e foi bacana saber que o veículo está aberto a sugestões de adaptar a  linguagem ao tema que está sendo tratado. Em uma época em que é raro ver projetos em preto e branco no fotojornalismo diário, saber que existe essa e outras possibilidades abertas para o conteúdo produzido por fotojornalistas neste novo formato é bastante animador. Outra boa notícia foi perceber que o fotógrafo começa a ser respeitado como repórter e não apenas como ilustrador de notícias, podendo estabelecer o próprio roteiro, andamento e edição da pauta. É uma conquista importante, mas que precisa ser acompanhada de uma garantia de estrutura de trabalho e remuneração adequada para os profissionais, como já disse anteriormente.

É bom pensar no futuro assim…

…até que você se depara com o trabalho de Evan Baden e não sabe quem é mais misterioso: ele ou os trabalhos que desenvolve. Pensei nisso porque parte importante do trabalho de Baden é feito para refletir sobre os aparelhos eletrônicos e a maneira como eles mediam a relação das pessoas. Seu primeiro projeto confrontou o isolamento físico dos adolescentes em busca de uma interação que se fazia presente por meio do acesso ao computador e à internet.

Evan Baden | Foto Ana Lira

O segundo trazia uma reflexão sobre o afastamento das pessoas nos espaços públicos em meio ao uso de telefones celulares, ipads e outros mimos tecnológicos. Quando soube do projeto, um amigo lembrou que há muito tempo não conseguia jantar direito com os colegas porque eles sentavam na mesa do restaurante e cada um entrava em seu universo particular por meio dos telefones celulares.

Evan Baden é mesmo um observador. Seus projetos mais conhecidos, porém, são aqueles em que  trata da exposição íntima do indivíduo por meio da internet. O que alcançou maior repercussão foi o que mostra jovens modelos interpretando momentos em que adolescentes tiram fotos seminuas e publicam em sites como o Real Girls, em geral segurando bilhetes em que se mostram como propriedade de alguém, objeto de desejo desta pessoa ou foco de atenção de um determinado grupo.

Foto: Evan Baden

Ele reconstrói as cenas como uma forma de refletir sobre o impacto deste tipo de comportamento no cotidiano das pessoas. Algumas das modelos que fotografou já haviam passado por este tipo de experiência, em certos casos com consequências constrangedoras, e elas posavam como uma maneira de dar ao ocorrido um outro significado, nem que fosse o de ver que seus traumas seriam material para um trabalho exposto em galeria de arte, o que gera uma outra grande discussão.

Baden dizia, no final de sua apresentação, que esperava que suas fotos no futuro pudessem ser vistas como atuais. Uma pessoa na platéia questionava se não era delicado da parte dele querer que daqui a trinta anos as pessoas continuassem gerenciando sem tanta cautela a própria intimidade em parceria com o trinômio câmera-internet-redesocial. Ele crê que uma cultura não se transforma assim de uma hora para a outra e comentou que vai continuar investigando esta relação. O que resta é não fugir dos debates e nem de suas manifestações.

Mais um ponto:

Foto: Marcos Michael

Foi muito bacana assistir no Paraty em Foco o documentário Beyond Assignment, que trouxe o trabalho das fotojornalistas Adriana Zehbrauskas, Mariella Furrer e Gali Tibbon em projetos cujos resultados requerem um delicado processo de aproximação e um exercício contínuo de entrega e respeito com quem se está fotografando. O trabalho é bonito e seria bom se fosse lançado no Brasil. O único porém durante o festival foi a falta de uma legenda em português, que deixou parte do público fora da real profundidade de cada tema.

Outra projeção bacana foi a que trouxe um panorama dos trabalhos selecionados pela equipe dos sites Olhavê e Perspectiva. Uma boa oportunidade de conhecer novos nomes, como Sheila Oliveira,  e ver mais amplamente trabalhos que durante a seleção apareceram na internet com apenas uma foto. Além disso, não tem preço ver mais uma vez os pontos de vista de Alcione Ferreira, Alexandre Severo, Geyson Magno, Alejandro Zambrana, Marcos Michael e Jean Schwarz sobre o mundo. Sempre inspiradores. Sempre!!!

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Uma resposta para Diário de Bordo – Paraty em Foco 2011 – Respirando reflexões

  1. KAMORI disse:

    Parabéns aos organizadores Paraty em Foco, a Sheila Oliveira pelo belo trabalho apresentado a todos Artistas um grande abraço!!!

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