Chegamos ao final do ano e é impossível não fazer um balanço desse período, que pra nós do 7, foi bastante intenso.
Um ano cheio de encontros, de trocas, de amigos e parceiros e de muito aprendizado. De fato, nós fizemos do 7 um caminho para nossas inquietações, questionamentos, angústias e diferenças.
Aqui pude entender melhor o conselho de Rubem Alves para examinar atentamente os meus olhos. Aprendi que é preciso cuidar deles e ter cuidado com eles, os olhos, tem uma aparência de inocência e parece que quase nunca são culpados de nada.
E é para ajustar esse olhar cuidadoso às palavras e aos atos que gostaria de levantar algumas questões sobre a ética na fotografia.
Primeiramente preciso deixar claro que meu conceito de ética se fundamenta na ética universal de que trata Paulo Freire:
Da ética que condena a exploração da força de trabalho do ser humano, que condena acusar por ouvir dizer, afirmar que alguém falou A sabendo que foi dito B, falsear a verdade, iludir o incauto, golpear o fraco e o indefeso, soterrar o sonho e a utopia, prometer sabendo que não cumprirá a promessa, testemunhar mentirosamente, falar mal dos outros pelo gosto de falar mal. A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da pureza em puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe.
Em um mundo marcado pelas “malvadezas da ética de mercado”, como nos diz Freire, é necessário retomar essa questão que interessa a qualquer pessoa que esteja preocupada com uma ação-intervenção no mundo, que resgate a eticidade, a beleza e a dignidade de homens e mulheres.
Penso que quando se fala em ética no universo fotográfico é quase automático relaciona-la ao fotojornalismo. Quem nunca se imaginou pensando no que faria se estivesse no lugar de Kevin Carter, fotógrafo de guerra do grupo The Bang Bang Club que ganhou o prêmio em 1991, pela fotografia de uma criança sudanesa que agonizava diante do olhar de um urubu, e que suicidou-se dois anos depois?
Não é minha intenção levantar aqui a discussão sobre situações limites como essa, que apesar de extremamente importantes, já foram discutidas a exaustão e estão longe do cotidiano da maioria dos fotógrafos.
Me interessa pensar qual atitude devemos tomar, por exemplo, diante de um trabalho onde seu cliente exige os direitos autorais das suas imagens. Sim, porque isso é uma questão ética.
Um caso bem representativo disso foi o episódio em que a cantora Lady Gaga pediu os direitos autorais das imagens feitas em seus shows. Os fotógrafos só recebiam credencial se assinassem um termo de transferência dos direitos. Depois da polêmica instaurada, Gaga abriu mão do termo se a publicação fosse na grande imprensa, caso contrário, os fotógrafos precisavam assina-lo ou não cobriam os shows.
Neste caso, aplica-se a política das castas.
Mas situações como essa acontecem bem nosso quintal. Quantos concursos tentam criar bancos de imagem gratuitos, apropriando-se dos nossos direitos autorais? Quantas revistas nos mandam contratos abusivos solicitando a transferência de todos os nossos direitos com o velho se colar colou? Quero acreditar que, em parte dos casos, as pessoas agem por absoluta falta de informação e não por má fé.
Tenho a sensação que, ao pensar sobre a ética na fotografia, imaginamos algo distante de nós, como a situação limite vivida por Carter, mas quase nunca associamos ética a questões, quase banais, do nosso dia a dia.
Nem tudo é válido por uma boa imagem, assim como nem tudo é válido por um bom trabalho.
Voltemos a falar do nosso quintal. Pernambuco é literalmente um terreiro de cultura popular, e fico me perguntando se é ético invadir o espaço dos brincantes para conseguir a melhor imagem? Por exemplo, diante da apresentação de um Cavalo Marinho, é ético entrar na roda e dividir o espaço com os personagens da brincadeira se você não tem autorização para isso? E mesmo com essa autorização, expressa por um contrato de trabalho ou construída na relação com os brincantes, nem sempre é adequado fotografar. Perceber e respeitar o outro também não é um exercício ético?
Estendendo um pouco mais os dramas desse quintal, há poucos dias me vi extremamente angustiada por querer fazer o meu trabalho direito. Sei que precárias condições de trabalho não são exclusividades pernambucanas, mas a falta de pagamento parece que sim. É ético não pagar um fornecedor por trabalho realizado? Por acaso é ético, numa concorrência pública, desqualificar seus colegas chamando os de inexperientes só porque possuem menos tempo de trabalho que você?
As questões são muitas e a lista de exemplos não termina por aqui. Entre tantas possibilidades, cabe a nós aprender um pouco mais sobre a legislação que entremeia o nosso ofício, cabe a nós respeitar nossos colegas de trabalho e nos respeitar enquanto profissionais.
Por hora, me limito a falar do exemplo freiriano de ética universal do ser humano, contra a lógica atual que insiste em nos convencer que estamos fadados a uma realidade imutável:
Presença que pensa a si mesma, que se sabe presença,que intervem, que transforma, que fala do que faz mas que também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude.
Ajustemos os nossos atos às palavras!
Olá. Sobre o video acima que inicia o post mesmo tratando-se de uma ficção que retrata um fragmento do trabalho do fotógrafo de guerra, gostaria de agregar as imagens do belíssimo documentário, vencedor de dezenas de prêmios internacionais sobre o trabalho corajoso e importante do fotógrafo James Nachtwey. http://www.youtube.com/watch?v=x3VoyjUP8hg, que fala sobre a importância do trabalho do fotógrafo na cobertura de eventos do gênero. Sobre o texto que tenta no meu entender colocar a questão da ética de forma equivocada, eu avalio que é um direito de quem quer que seja exigir o que bem entender… Assim como é direito do autor do trabalho se submeter ou não a estas exigências. Recomendo a qualquer profissional, de qualquer área, ao aceitar um trabalho ou participar de um concurso ou algo do gênero que se tome as precauções necessárias e que leia atentamente as entrelinhas para não ficar “chupando dedo” e reclamando do que não teve o cuidado de fazer. Não creio em ma fé, acredito em falta de cuidado de quem aceita jogar sem conhecer as regras do jogo.