“É nesse universo que se encaixa a fotografia humanista e a fotografia compartilhada. Documentar é, sobretudo, reconhecer e conhecer valores, aprender com quem se fotografa. É uma fotografia que cuida e talvez seja o cuidado a palavra chave no nosso mundo. Fotografar fazendo um elo entre o fotografado, o fotógrafo e quem vê a fotografia. Fazer com que quem olhe a imagem queira bem aos fotografados e se some na divulgação e defesa de sua luta.”
Assim terminou o último #Diálogo postado aqui no blog e escrito pelo grande Ripper. Quero chamar atenção para a fotografia humanista de que Ripper fala e da qual é um dos expoentes máximos na fotografia brasileira.
É senso comum a importância da Fotografia como ferramenta de denúncia de questões sociais, como meio de levar a informação ao alcance do público em geral. Nascem daí as escolas do fotojornalismo, fotodocumentarismo e a fotografia humanista. Com seguidores famosos como Lewis Hine, Robert Doisneau, W. Eugene Smith, Cartier Bresson, Sebastião Salgado, o próprio Ripper, dentre tantos outros.
O foco dessa fotografia é o homem, em toda a sua nuance. Seu interesse está em captar o ser humano, com sinceridade, dignidade e respeito, em seu ambiente, intimidade, cotidiano, dores e amores, alegrias e tristezas. Uma fotografia cheia de intencionalidade sim, como diz André Rouillé¹: “A fotografia humanista era, em seus temas como em suas formas, impulsionada pela perspectiva de um mundo melhor.”
Esses temas, em parte, inevitavelmente retratam dores e tristezas, pobreza, tragédia e miséria. Porque essa é uma realidade, ainda presente, gritante, que clama por ser mostrada, por ser mudada. Mas essas temáticas parecem ter cansado as pessoas. Ninguém mais quer ouvir falar de fome, guerras, desabrigados, favelados… Diz-se ainda que os fotógrafos se aproveitam e ganham dinheiro à custa do sofrimento alheio. Atribui-se-lhe a estética da miséria. Mas vamos por partes…
Rouillé propõe uma distinção que considero bastante oportuna e gostaria de salientar. Para ele existe a fotografia humanista e a fotografia humanitária:
“Do humanismo ao humanitário, ocorreu uma verdadeira inversão do conteúdo das imagens. […] O povo dominava o universo humanista: muitas vezes explorado e necessitado, nas imagens estava sempre trabalhando, lutando, em ação ou repousando, ou seja, vivendo. O conjunto da imagem humanitária retém apenas os excluídos da sociedade de consumo, as vítimas debilitadas devido a suas disfunções, indivíduos entregues a seus sofrimentos, marginalizados socialmente, sem entorno nem meio. De um lado, pessoas fortemente delimitadas territorialmente: rodeadas por seus próximos, apresentadas em seus lugares familiares e nitidamente assimiladas a uma classe social, um estabelecimento ou um grupo. Por outro lado, indivíduos à margem do território, sem pontos de referência nem lugar de ancoragem, sem horizonte: excluídos do coletivo, sozinhos diante de sua dor, com o duro anonimato dos lugares de assistência como único consolo. Na visão humanista, a energia e a vida irrigam as imagens; na humanitária, a morte, a impotência e a resignação sugam a substância delas.”
É certo que vemos uma crescente e abundante banalização de imagens e temáticas, mas isso acontece em todas as áreas, de qualquer forma elas continuam e continuarão sendo produzidas (aqui cabe novamente aquela conversa sobre uma alfabetização visual, mas não agora). Não por conta disso podemos fechar os olhos, mas talvez encontrar os veículos e ferramentas para alimentar-se da maneira correta. Eu escolho se quero ligar a TV e assistir um telejornal ou se prefiro buscar na internet páginas que estejam em sintonia com a minha visão de mundo. É questão de posicionamento político também.
Mas se as problemáticas continuam, persiste a extrema necessidade de observar as condições sociais, econômicas, culturais e institucionais, e mostrá-las. Lembro-me logo de Sebastião Salgado e Anderson Schneider, ambos retrataram os garimpeiros com uma diferença de aproximadamente 20 anos, mas quase nada mudou… De Doisneau a nova geração de fotógrafos humanistas, a importância e urgência dessa vertente permanecem, porque, em síntese, o mundo continua precisando ver para entender. E engana-se quem pensa que o tradicionalismo da fotografia humanista possa estar em desuso. Muitos fotógrafos continuam (ou começam) sua trajetória com essa escola, a exemplos: Eve Photographers, Noor Images, James Natchwey, Nair Benedicto, Claudia Andujar, Paula Sampaio, Tiago Santana, Celso oliveira, Marcelo Buainain, e aqui mais pertinho, Mateus Sá, Alejandro Zambrana e Alcione Ferreira…
E se atribuem à fotografia humanista a estética da miséria, acredito que se deva ao não querer perceber que em se tratando do incômodo em ver as fotos e da impotência criam-se artifícios para estigmatizar esse tipo de imagens e desprezá-las. O que dá o caráter de belo a essas imagens é a técnica, sensibilidade, primazia e astúcia dos fotógrafos ao saber utilizar as ferramentas certas ao registrar cenas sofridas e dolorosas, mas que precisam, ainda, ser mostradas e levadas a público e às massas. Torná-las belas, caprichosas, artísticas e até teatralizadas é fazer valer-se de sabedoria.
Então, se você já viu essas imagens antes e continua a ver é porque o problema ainda está lá fora (lá fora? Será?). De todo modo, é importante também ver iniciativas que tentam outra forma de abordar os problemas, como é o caso da ONG Mama Hope e do IGVP – Internacional Guild of Visual Peacemakers, que busca fugir dos esteriótipos e chamar atenção para as causas de forma criativa e positiva. Afinal, quanto mais perspectivas se somam, melhor.
Enfim, volto para Ripper, que nos fala do cuidado e, desta forma, nos fala da base da fotografia humanista: “É uma fotografia que cuida e talvez seja o cuidado a palavra chave no nosso mundo. […] Fazer com que quem olhe a imagem queira bem aos fotografados e se some na divulgação e defesa de sua luta.” Essa é a perspectiva que nos interessa, essa é a lição que devemos aprender e apreender, essa é a fotografia que eu quero ver.
¹ ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora Senac, 2009.
Sinceramente eu não gosto do fotojornalismo. Por definição fotojornalismo é um dos ramos da fotografia que utiliza a imagem para transmitir informações e notícias. O trabalho do fotojornalista é utilizar-se de conhecimento conceituais da estética, da fotografia para compor a mensagem foto-jornalística. Ou seja, representação do fato social através da fotografia.
Eu entendo a fotografia como arte e o fotojornalismo transforma essa arte em fatos, em realidade, em denúncia social. Entretanto, perceba que não estou menosprezando muito menos diminuindo a importância desse braço da fotografia.
Afinal, como seria o mundo se não existisse um Robert Capa ou um Tim Hetherington, se não houvesse alguém que tivesse a coragem de mostrar o que ninguém quer ver? Minha restrição é quanto a arte em si.
Denúncia social não é arte, porque embora o fotojornalista use de elementos e técnicas da fotografia para compor uma imagem (às vezes nem dá tempo disso) a finalidade das fotos é outra. Ele não tem a intenção de embelezar a cena nem a preocupação de fazer uma obra de arte, mas mostrar as coisas como elas são.
Atualmente existe um comércio em cima do fotojornalismo que acaba por diminuir ou restringir a liberdade do fotojornalismo.
Fotografia e fotojornalismo tem finalidades diferentes, propósitos distintos. Respeito esse ramo por sua tarefa inerente, mas não gosto do que ele faz com a fotografia transformando-a em algo duro, muitas vezes comercial e cru.
Seus textos estão ficando cada vez melhores… Orgulho (L)
De fato, fotos como essas nos tocam intimamente, despertam o desejo de amparar, de colaborar, de fazer juz a vida que temos… por isso que deve incomodar muita gente. Mas é o tipo de trabalho que, com certeza, não é banal… é a nossa realidade e enquanto assim for tem que continuar a ser retratada e divulgada, na esperança de abrir os olhos de muita gente que prefere não enxergar.
Arrasou!!