Pensar a apresentação de nossas imagens parece não ser uma grande preocupação para maioria dos fotógrafos. Muitas vezes, limitamos a criação de nossas fotografias às determinações do ato fotográfico (profundidade de campo, composição, distância focal, ponto de vista, iluminação, etc) ou, no máximo, concebemos o tratamento posterior ao clique (filtros, efeitos, montagens, cortes, etc). Esquecemos que a maioria das imagens foi feita para ser vista e, assim, necessita de um suporte de apresentação, que integra o “como” ela vai ser vista e, por isso, também é um aliado na construção de uma determinada linguagem.
O que acontece é que estamos tão bitolados a certos padrões muito bem estabelecidos que acabamos nem questionando qual tamanho ou o formato (para não falar em suporte) ideais em que uma foto, após finalizada, deve ser apresentada para que nosso discurso se efetive de forma mais eficiente.
Olhar uma imagem é esquecer um pouco do espaço real que nossos corpos e a própria imagem como objeto ocupam (propriocepção) para entrar em um espaço plástico e representativo trazido pela imagem. Através dos elementos plásticos da superfície de um objeto-foto mergulhamos na profundeza de um universo particular, visualmente icônico, ontologicamente indicial e, sobretudo, extremamente simbólico*.
Porém, como objeto, a imagem não é ilimitada: ela deve possuir formato e dimensões. E esse modo de apresentação influenciará de forma intensa na experiência que ela promoverá. Vivemos em um mundo com suportes bastante padronizados: telas de TV e monitores de computador possuem em média o mesmo formato e tamanho, imagens em livros, jornais e álbuns de família também. Estamos constantemente inseridos em um ambiente de imagens de tamanho médio, que experimentamos a partir de uma distância média. E, obviamente, em formatos retangulares padronizados.
A própria câmera fotográfica projeta a imagem circular proveniente da objetiva em uma superfície retangular (seja o quadro de um negativo, seja um sensor digital) que vai registrá-la já nesse determinado formato: uma imagem fotográfica já nasce como um quadrilátero. Daí, então, se vamos apresentá-la/visualizá-la posteriormente em um site na internet ou em um álbum padrão (10x15cm), o que fazemos é reproduzir estruturas de apresentação pouco discutidas ou contestadas. É a conhecida manutenção de ideias ocidentais (que provocaram o próprio nascimento da fotografia).
Não quero aqui estimular um carnaval de formas e tamanhos, solicitando uma poluição visual de imagens, que se pretendem pouco convencionais apenas por aparecerem em tamanhos e formatos exóticos. A intenção é provocar uma reflexão sobre o assunto.
Imagens apresentadas em tamanhos grandes perturbam o espectador e, muitas vezes, até o assustam. Estar diante de uma grande imagem é se deixar dominar por ela, é ser levado por cada detalhe que a compõe, é ser movente em relação a ela (que é, em geral, fixada espacialmente), é até mesmo precisar de certa distância para observá-la como um todo. Já imagens pequenas trazem uma relação de intimidade, de portabilidade e, por isso mesmo, de fetichização. É preciso observar muito de perto, possuí-la, para perceber seus detalhes. Enfim, que efeito de visualização combina com o que queremos dizer com cada imagem que produzimos?
Estar diante das pinturas de Michelangelo na Capela Sistina, no Vaticano, é de uma grandiosidade necessária à interpretação daquelas imagens. O tamanho dialoga com as intenções a que elas se propõem. Assim como experimentar a Guernica de Picasso no Reina Sofia, em Madrid. É de cair o queixo, de se passar horas respirando fundo para se recuperar da sensação de esmagamento que cada parte da imagem proporciona, se integrando a um todo forte e grandioso. Quem também nunca saiu de uma sala de cinema em um estado quase-alucinatório, como quem está “voltando para o mundo real”? Ou quem já viu, por acaso acidental e quebrando a distância padrão estabelecida, um outdoor bem de perto, caído ao chão? É constrangedor.
Do mesmo modo que encarar frente a frente uma Monalisa em tamanho médio é também constrangedor. Eu, particularmente, não acreditei que naquela saletinha do “imenso mundo do Louvre”, em Paris, rodeada por tantas pessoas fascinadas, estaria tal quadro tão famoso (e talvez a principal obra do museu), mas de tamanho tão “normal”. Mas é nos encarando de igual para igual que a Gioconda age, olho no olho, com seu sorriso enigmático, de maneira tão forte e desconcertante. Se ela fosse maior, não nos provocaria tanto.
E, para trazer os exemplos para mais perto da fotografia, colocar um daguerreótipo entre os dedos, na palma da mão, e observar meticulosamente aquela imagem prateada gravada na placa de metal, sem dúvidas, faz parte de uma experiência necessária a esse tipo de imagens. Ou ainda, atualizando o exemplo, guardar na carteira um plástico velho de minilab em que colecionamos “fotos 3×4” de parentes e amigos queridos é criar uma relação de propriedade e intimidade com aquelas imagens: relicários guardados, objetos transportados como fetiche. São nossos “santinhos”, nossas pequenas-grandes imagens. Tão simbólicas e tão nossas. Quem se esquece dos velhos monóculos que, individualmente, cada um mirava, com cuidado, atenção e buscando um contra-luz ideal que permitisse ver a cena representada? Tenho monóculos de minhas visitas ao circo, quado criança, junto à minha família. São sagrados para mim.

Daguerreótipo | Foto: Frederico Cintra
Toda imagem merece que pensemos melhor sobre isso. Tenho certeza de que muitas fotografias que são desprezadas ao serem visualizadas em páginas de livros, sets do flickr ou álbuns do facebook ganhariam novas potências comunicativas se inseridas em outras plataformas, em outros suportes, com novas vestimentas, novas bordas e novas dimensões.
Por falar em bordas, observamos também pouco cuidado na composição desses limites da imagem, também chamados de molduras (seja uma moldura-objeto ou apenas uma moldura-limite mesmo, como definiu Jacques Aumont, no livro A Imagem). As bordas definem o campo e a noção de fora-de-campo, o centramento e o descentramento, enfim, o formato e o enquadramento. Será que precisamos geometrizar tanto as bordas das nossas fotografias? Será que elas nasceram mesmo para serem quadriláteros? Qual a melhor forma para solicitar a transição entre o espaço em que estamos inseridos como corpos e o espaço imagético?
Pôr uma moldura-objeto em uma imagem pode destacá-la ainda mais ou, ao contrário, dispersá-la. As velhas e boas vinhetas cumprem bem (e de forma bastante popularizada) o papel de chamar atenção ao centro, escurecendo as bordas. Será que é isso que queremos quando vinhetamos uma imagem? Será que essa mesma imagem não seria mais eficiente sem vinhetas? Será que não são as bordas que merecem destaques neste caso?

Cris Bierrenbach | Infinito (impressão lambda com recorte redondo – infelizmente, impossível de reproduzir aqui neste site)
São muitas as questões que envolvem a apresentação de uma fotografia, dar forma e tamanho a uma imagem são apenas algumas preocupações, que tentei levantar de forma sintética. Mas todo o processo, que envolve condições de possibilidade e, principalmente, de produção e recepção, é inacabável.
Como diz François Soulages, por exemplo, em Estética da Fotografia: “… é totalmente diferente, a partir de um mesmo negativo, imprimir uma foto num jornal, publicar uma foto num livro e expor uma foto num museu, mesmo que se tente fazer de maneira que essas três fotos se assemelhem ao máximo. As possibilidades de apresentação de uma foto são infinitas.”
O propósito aqui posto é nos fazer pensar um pouco mais sobre padrões que aceitamos e que, muitas vezes, podem ir de encontro às nossas ideias, atrapalhando uma leitura mais eficiente das fotografias que criamos. A liberdade criativa não está somente no clique, nem tampouco na edição (“processo” também polêmico e complicado) e no tratamento das nossas fotografias. Continuamos criando, como fotógrafos, ao determinar, como continuidade da nossa linguagem, a forma com que as imagens que produzimos devem ser apresentadas. É também exercitando essa espécie de autocuradoria, que podemos compreender melhor a nossa prática, os discursos que produzimos e os efeitos (emocionais, cognitivos, simbólicos, etc) que eles podem promover.
* Ícone, índice e símbolo são aqui entendidos conforme a Teoria Semiótica de Peirce, no que ela trata da relação entre o signo e seu objeto. Uma foto, enquanto signo, é visualmente icônica (pois traz uma visualidade que nos remete a alguma coisa também visual), ontologicamente indicial (pois é realizada a partir do vestígio de um referente real) e extremamente simbólico (pois permite inúmeras interpretações complexas). Ontologia é a tentativa de descrever a essência de alguma coisa. Por muito tempo, o caráter da fotografia como vestígio, marca, índice do real vem sendo levantado por muitos teóricos como principal característica da natureza ontológica fotográfica.
Engraçado Bela, ainda essa semana pensava sobre isso. Não exatamente sobre os suportes da fotografia, mas sua disposição em museus, galerias, ou coisas que tais. Eu digo, meio em silêncio, cá com os meus botões, que fica tudo com cara de Casa Cor, sempre tem uma parede coloridas (as vezes várias), no meio do espaço um painel de LCD (quase a TV no centro da sala), os incorrigíveis textos de abertura em sign na entrada (deve ser para que as pessoas saibam, de cara, o que compram, no seu tempo de lazer ou reflexão, se for isso acho justo)…Nunca pensei em ter saudades do cubo branco tão execrado nos anos 90…Pois bem, ir a uma exposição de fotografia, estruturalmente falando, não é uma experiência muito diferente que ir a Burguesa Casa Cor. Agente sempre aprende sobre decoração de interiores. Seu texto é muito pertinente, chegou em boa hora, faz companhia aos meus pensamentos.
Que bom, Mila! É interessante ver como os pensamentos surgem sintonizados com outros. Fico muito feliz que você tenha se identificado. Realmente, os museus estão repetindo fórmulas nas exposições. O cuidado específico que cada foto e cada ensaio pedem está um tanto ignorado, em função de uma estereotipação de formatos, tamanhos e suportes (além de outras coisas que envolvem a apresentação de uma imagem). Vale pararmos para pensar nisso tudo. Obrigada pelas palavras!
Como dizem: “a propaganda é a alma do negócio”. A fotografia é uma arte visual, certo? Pois bem, é a mais pura verdade quando você diz que não damos, muitas vezes, a devida atenção em como vamos mostrar aquela imagem, sempre relegada a uma moldura simplista.
Acho que precisamos valorizar mais nossas fotos usando suportes e molduras que as destaquem e faça da experiência de contemplar mais que um ato visual, mas artístico.
acho que essas colocações ajudam a explicar, em parte, a dificuldade que a maioria dos fotógrafos tem em empreender seus trabalhos, e não apenas mostrá-los.
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