Antes de falar do #Plataforma de hoje, é importante explicar que não foi à toa que fui parar nesse site. Nesses dois anos de pesquisa, me foquei no estudo da fotografia e em como o computador e a Rede têm possibilitado formas diferentes de interação com as imagens – mais a perspectiva de quem consome fotografias, do que a perspectiva de quem fotografa. Dito isso, podemos nos dedicar à dica de hoje.
O artista americano Jonathan Harris tem se tornado um dos principais nomes nas Artes Visuais justamente por desenvolver projetos que reimaginam, redirecionam e potencializam a relação que nós estabelecemos com a tecnologia e, entre nós mesmos, em sociedade. Estes projetos traçam um panorama sobre como as pessoas têm se relacionado com a cultura através da web, como elas usam novos mecanismos para contar suas próprias histórias (o que eu acho lindo de morrer!), além de mostrar um monte de possibilidades que esses novos mecanismos incorporam à nossa produção cultural. Aqui, apresento a vocês um dos projetos de Harris: The Whale Hunt (A Caça das Baleias, em português).
Em 2007, Harris e o amigo e fotógrafo Andrew Moore viajaram até o Alaska para documentar o período de caça a baleias na vila de Barrow, comunidade que tem aval de caça uma vez por ano, para a própria subsistência. Eles passaram nove dias, entre os preparativos e o acampamento dos caçadores. Segundo o próprio Harris, o projeto é um experimento justamente sobre narrativas humanas – ele adora essa coisa de contação de história.
Durante a viagem, Harris documentou toda a ação em uma seqüência de 3.214 fotografias, começando com a corrida de táxi para o aeroporto de Newark, e terminando com o abate de uma segunda baleia, sete dias depois. Para dar conta disso, ele seguiu uma metodologia fixa de fotografar a cada cinco minutos, mesmo durante o sono (usando um cronômetro), o que criou uma espécie “pulsação fotográfica” constante – no sentido de batidas do coração mesmo. Em momentos de alta adrenalina, esse batimento cardíaco fotográfico acelarava (a 37 fotos em cinco minutos, enquanto a primeira baleia estava sendo cortada), imitando o ritmo de euforia que ele mesmo sentia – se bem que se a gente for pensar, é um número até pequeno para o que muita gente costuma fazer nas coberturas fotográficas da vida.
Harris explica que o objetivo do trabalho estava dividido em algumas questões: a primeira diz respeito à experimentação de uma nova interface de narrativa (♥ minha pesquisa ama ele por isso). A história da caça das baleias é contada passo a passo em uma sequência de imagens que tenta simular um ritmo de uma frequência cardíaca, cujo gráfico está disponibilizado na parte inferior do visualizador de imagens. É o modelo dessa frequência que dita o ritmo de reprodução de cada imagem, sugerindo o nível de envolvimento do fotógrafo nas cenas e envolvendo a gente que observa. Essa timeline pode ter seu desenvolvimento regulado de acordo com o nosso interesse, permitindo que vejamos cada imagem de forma pausada, ou ainda que isolemos cada parte da narrativa maior, escolhendo ordenar suas imagens pelo tempo ou por outros aspectos, etc.
Um dos pontos principais desse trabalho é justamente a possibilidade de transformação dessa narrativa, que depende especialmente do usuário para se desenvolver. “Cada espectador vai vivenciar a história da caça às baleias de maneira diferente, e não necessariamente de forma linear, construindo a sua própria compreensão da experiência”, ele diz. Há, inclusive, a possibilidade de construção de pequenas subnarrativas sobre assuntos específicos como a família que o recebeu no Alasca, as leituras da história de Moby Dick, as noites de sono, ou ainda a leitura de Moby Dick antes de dormir na casa da família que o recebeu no Alasca. Pois é.
Mas o principal objetivo levantado por ele no projeto era bastante prático: traduzir essa experiência pessoal vivida no mundo físico para a Internet de forma a contemplar as linguagens e potencialidades da Rede. Mas, apesar de ser uma questão prática, a reprodução otimizada para o contexto digital tem sido um dos aspectos mais negligenciados na produção de conteúdos fotográficos para a Internet. Ou seja, todo mundo fotografa, mas pouquíssima gente sabe como tornar esse amontoado de fotos um produto interneticamente (sic) interessante.

o projeto é apresentado em três modos diferentes de visualização: timeline, mosaico e timeline esférica (imagem).
Se por um lado as potencialidades de divulgação de conteúdos têm sido percebidas e abordadas por muitos de nós, produtores de imagem, artistas e veículos de comunicação, por outro lado, as ilimitadas qualidades do computador como plataforma de reprodução ainda continuam pouco exploradas. Algumas iniciativas mais pontuais, como esse projeto de Harris, já se destacam nesse contexto, enquanto a grande parte da produção ainda repercute a imagem digital seguindo as mesmas expectativas de uma imagem analógica – álbuns estáticos, slideshow, etc. (acho que o slideshow é o powerpoint da fotografia, mas enfim).
No site do projeto, ele explica cada ferramenta dessa interface, oferecendo ao usuário condições de transformá-la de acordo com seus objetivos e vontades pessoais. É como diz Couchot (já que eu sou viciada em referência besta): “é pouca coisa clicar sobre um ícone ou sobre um link, mas quando o programa é bem concebido, os resultados podem ser muito ricos e muito pessoais”.
Perceber a riqueza que é para o espectador percorrer outros caminhos numa narrativa mais aprimorada e montar estratégias para que essas imagens não se esgotem nas suas próprias arestas é valorizar as possibilidades que o formato digital nos oferece. Isso não significa que a gente tem que agora além de ser fotógrafo, ser programador, engenheiro, etc; mas não nos exclui da responsabilidade de ter uma postura estética mais aberta a essas transformações da tecnociência.
Com certeza, cada um acaba por definir um sentimento diferente em relação à caça das baleias dentro si.
Que loucura, né? Show.
é impressionante, né?! gosto demais desse site! 🙂
Quando puder, mande mais sugestões assim! Valeu.
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