Quando Edmond Dansot um dia nos disse, Isabella Valle, que não gostava de documentar a face amarga das coisas, eu fiquei ressabiada. Em meus botões, eu refletia que a vida não era feita apenas de momentos belos. O lado mais sombrio das expressões humanas também fazia parte da composição das escalas de vivências do tempo que acolhemos em nossas fotografias. Dansot, contudo, repetia: “isso é bobagem, menina! Bobagem” – e continuava nos desafiando com seus questionamentos.
Hoje, diante da sua partida, voltei novamente a olhar para algumas das imagens que ele tirou e foi muito forte perceber como seus olhos conseguiam extrair vestígios de serenidade mesmo diante das mais severas situações. Esta foto para mim simbolizou bastante esta recusa do caminho da amargura. Mesmo diante do pressuposto do revés, ele nos instiga a imaginar um sacrifício por dias melhores. A luminosidade da composição, a estrada que se alarga na direção que mãe e filho seguem, deixando o caminho estreito para trás, nos remetem mais a uma possibilidade de mudança do que ao fato consumado produzido pelo estereótipo social.
E não existe nada mais próximo de Dansot do que uma leitura crítica, mas suave, do mundo. Suas fotos expressam a tentativa de afirmar uma linguagem pessoal, no Recife, em uma época em que alguns fotógrafos, ávidos pelo dinheiro e distantes de qualquer outro compromisso com o fotografado e com o próprio meio, denegriam a imagem da profissão enganando pessoas que, vindas do interior ou com pouca instrução formal, buscavam serviços básicos de fotografia.
Sua busca por uma expressão fotográfica que fosse além e nos mostrasse o vasto do mundo, mesmo nas composições mais simples, é o que me fascina até hoje em sua obra composta de mais de 150 mil negativos. Eu ainda acredito no sombrio como elemento importante para a fotografia, mas Edmond Dansot reafirmou nas minhas convicções a diferença entre dor e desgraça.
O limite entre transcender e sucumbir.
Sua morte, na madrugada desta sexta-feira, me fez refletir sobre as crenças que tenho na fotografia como expressão pessoal, mas, principalmente, instigou um pensar sobre o comprometimento com esse caminho que se abre infinito para além do quadro. Uma estrada que mostrará os nossos verdadeiros ritos de passagem.
Que seja doce.
Nota: Edmond Dansot nasceu na França e chegou ao Brasil em 1937, aos 13 anos, para estudar com os Maristas. Aprendeu a fotografar em Belém, como assistente do fotógrafo Fritz Liebman, a quem considerava um mestre. Morava em Recife desde a juventude e possuía um belo estúdio fotográfico em uma casa antiga da Rua das Ninfas, no bairro da Boa Vista. Hoje ele completaria 88 anos.
Estimada Ana
Gostaria de agradecer em nome da familia DANSOT, por este artigo tão sensível.
Voce consegui captar e expresar de uma maneira linda, a verdadeiramente a essencia da arte de Papai. O de ver…. além da lente, além do foco… o de buscar a vredadeira essência.
Obrigada pelo carinho e por partilhar este momento com nosco.
Patricia e Veronique Dansot
Patricia e Veronique,
Eu não estou em Recife, mas nunca deixamos de lembrar das palavras dele nas poucas conversas que tivemos. Dansot nos colocava em xeque assim que nos via e defendia que amássemos muito isso que escolhemos para fazer na vida. Fotografar. Lembro que ele enfatizava a importância de respeitar o nosso cotidiano profissional e não fazer as coisas de qualquer jeito, no piloto automático, como quem não se importa com o resultado produzido. Senti muito a notícia e não poderia deixar de homenageá-lo neste momento. Desejo muita serenidade para vocês e estaremos juntos, sim, porque as idéias de Dansot de alguma forma criaram elos entre todos os que o conheceram. Um cheiro!
É incrível como algumas horas mudam tudo na vida da gente. Jamais esquecerei do dia em que Dansot, como entrevistado nosso que era, tomou a frente de uma conversa, que mais parecia um encontro conselheiro de recém-iniciadas com um sábio mestre. Daquele dia em diante, falar de Dansot seria expremer suco do meu coração. Homem incrível, certo de suas convicções e cheio de histórias e experiências a contar. Obrigada, Aninha, por me fazer conseguir chorar o que eu não consegui quando soube da morte dele (tava entalado e eu não colocava pra fora).Obrigada, Patricia e Veronique, pelo carinho de nos visitar aqui no blog em um momento tão difícil. Parabéns pela vida que foi o pai de vocês! Que seja doce…
“Edmond Dansot reafirmou nas minhas convicções a diferença entre dor e desgraça.” Isso diz tudo! Não poderia ter sintetizado melhor, definitivamente existe uma diferença muito tênue e só um olhar crítico e treinado pode produzir fotografias que consigam expor essas duas realidade sem que se confundam.
A senhora Gisele, pianista de rara sensibilidade, me comunicou o falecimento do esposo, por telefone. Emocionada, em nenhum momento ela ousou dizer “morreu”. Disse apenas “Edmond fechou os olhos”.
Tentei comunicar a notícia à imprensa recifense, mas como foi difícil fazer o repórter entender a importância e o valor de Dansot. Havia uma parede de ignorância histórica, a ignorância fundamental.
Deixa assentar mais a areia dessas águas, que escreverei sobre o dia em que entrevistei Dansot e me impressionou a pessoa de sua companheira também.
Seu estúdio fotográfico era em frente a minha casa, um casarão onde hoje funciona uma empresa de seguro saúde, ainda era criança quando ele mudou-se para lá, não tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, mais a curiosidade de saber o que se passava entre aquelas paredes me fez me aproximar mais da fotografia, sem dúvida uma grande perda para a nossa fotografia.
Belíssimo texto! Digno da foto de Dansot deste post. Um fala sobre o outro.
Olá boa noite, estou bastante entristecido com a falta do sr. Edmundo, sim pois foi assim que eu o chamei durante quase 10 anos, quando fui seu funcionário, gostaria de saber um telefone ou e-mail de Patricia, Veronique ou do Gisele, para que eu possa entrar em contato, desde já fico bastante agradecido. Daniel Bezerra – 81-8831.8909.
Olá Verônique bom dia! desejo ter um e-mail que eu possa me comunicar com você, pois já liguei para seu consultório deixei recado com sua secretária e não obtive retorno. Meu e-mail:
daniel.scoope@hotmail.com, fico no aguardo e um grande abraço. Daniel Bezerra ex-funcionário de Sr. Edmond.
Pingback: Casa-estúdio de Edmond Dansot dá lugar a prédio, na Rua das Ninfas - Antes que Suma