Essa relação de espaço-tempo da fotografia pode ser algo perturbador, especialmente quando ela, a foto, coloca o passado diante de nós. É como se nos perguntasse o que vamos fazer a partir de agora, como se nos dissesse que precisamos rever o passado com novos olhos, pedindo esclarecimentos que sejam condizentes com o nosso presente.
E imagino que a fotografia faça isso tanto com um grito quanto com um gesto delicado.
E é esse gesto de delicadeza que vejo Evandro Teixeira fazer com essa imagem. Uma foto noturna que sugere um clima de clandestinidade, onde só é possível identificar a chuva, a silhueta dos soldados, uma arma e mais um objeto que cogito ser um canhão. E um contra luz que parece revelar algo que foi feito na surdina.
Era madrugada do dia 1º de abril de 1964 e as tropas golpistas tomavam o Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro. O golpe colocou fim ao governo do presidente João Goulart e estabeleceu um regime militar que durou até 1985.
A foto é histórica e sobre ela Evandro nos conta:
“Nessa noite, o telefone tocou na minha casa, do outro lado da linha estava o capitão Leno, meu amigo de vôlei de praia, dizendo que o Forte estava sendo tomado. Peguei a minha Leica e fui para lá. Com a ajuda do capitão, consegui entrar com a máquina escondida por debaixo da camisa e dessa maneira pude fotografar a movimentação dos militares debaixo de uma chuva torrencial. Até pensaram que eu fosse fotógrafo do Exército Brasileiro! Pouco depois, o general Castello Branco chegou e senti que era hora de deixar o recinto”.
Hoje essa foto tem outro significado, mas parece insistir em uma conversa com o presente. Teoricamente nós vivemos numa democracia, mas os tempos andam conservadores e reacionários.
Em outubro do ano passado uma placa que indicava a construção de um monumento em homenagem aos mortos e desaparecidos da ditadura chamou o golpe militar de “revolução de 1964”. A obra em questão estava localizada na USP e era uma parceria entre a universidade e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. O termo “revolução” é usado por militares que negam que tenha havido uma ditadura no país.
Essa imagem já tem quase 50 anos e a olho agora diante de mais um golpe ocorrido na América Latina. No último dia 22 de junho, o presidente do Paraguai Fernando Lugo foi deposto num impeachment relâmpago. Segundo o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães Neto, o golpe não é apenas contra o Paraguai, mas sim contra a América Latina. Para Guimarães Neto as classes tradicionais hegemônicas promovem um neogolpismo na América do Sul e a democracia está em risco na região.
Olho novamente para a foto e penso no que estamos vivendo. Penso na Comissão da Verdade que finalmente foi criada com o intuito de investigar as violações dos direitos humanos no período de 1946 a 1988, período que inclui a ditadura militar, que deve ser o foco principal dos trabalhos da comissão.
Que nós tenhamos a coragem de ver o que o contra luz só insinua, que sejamos capazes de julgar nosso passado e, como nos disse a presidenta Dilma Roussef, que a necessidade imperiosa de conhecer a verdade nos mova, em sua plenitude, sem ocultamento.
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