Recentemente assisti a um filme muito interessante e precisava compartilhá-lo aqui no 7. Sabem essas coisas que a gente vê e sente que não pode guardar apenas para si mesmo? Filminho intenso e impactante, gostoso, que oferece uma boa oportunidade para pensarmos sobre o universo da arte e também sobre aspectos da vida e da morte, esperança, coragem, fé, amor, dedicação… Não aborda necessariamente o campo da fotografia, mas é perfeitamente aplicável a ele, e pode-se assistir ao filme de forma leve e despretensiosa, mas ele provavelmente renderá bons temas sobre os quais refletir.
Aquiles e a Tartaruga (Japão, 2008) é o terceiro filme da trilogia do diretor japonês Takeshi Kitano, o mesmo de Dolls (2002), esse talvez mais conhecido de alguns. Na sequência de Takeshi’s (2005) e Glória ao Cineasta (2007), o longa é uma sátira ao campo da arte e trata sobre os sentidos, valores e significados desse complexo universo. No Brasil, foi exibido durante o Festival de Cinema do Rio, em 2008, e na 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2009.
Repleto de ironia e de uma crítica cheia de referências e simbolismos, o filme narra a história de Machisu Kuramochi e seu sonho de se tornar artista plástico, em uma incessante busca por aceitação e reconhecimento artístico. Parodiando a parábola de Aquiles e a tartaruga, onde o herói grego Aquiles aposta uma corrida com a tartaruga. Sendo Aquiles mais veloz que a tartaruga, esta recebe uma vantagem, começando a corrida um trecho à frente de Aquiles. Aquiles, porém, nunca ultrapassa a tartaruga, pois quando ele chega à posição inicial X da tartaruga, ela já está mais a frente, numa outra posição Y. E quando Aquiles chegar a posição Y, a tartaruga também não estará mais lá, pois avançou para uma nova posição Z, e assim sucessivamente, desta forma, Aquiles nunca alcança a tartaruga. Trata-se de um dos mais conhecidos paradoxos da história da filosofia, de autoria do filósofo grego Zenão, que traz em si a eterna contradição.
A errante trajetória de Machisu no circuito da arte, desde a infância até a velhice, carrega uma pegada de comédia, ou melhor, de tragicomédia, justificada por outro ofício do diretor e ator (o Machisu maduro é interpretado pelo próprio Kitano) – o de comediante. O filme é recheado com uma série de polêmicas falas de personagens caricatos e estereotipados (o próprio artista, o marchand, o galerista/crítico de arte, o professor, o público, o coletivo de artistas), que levantam questões sobre o mercado artístico, as relações, a produção, as práticas, as instituições, os agentes e as condições que permitem a existência e a consagração de um artista. Inclusive trazendo temas que já vimos em alguns #Diálogos aqui no blog – a necessidade de faculdade na formação artística, o papel do curador, a leitura de portfólio (representados na figura do galerista).
Abaixo destaco algumas falas simbólicas do filme:
– No mundo da arte, o talento precisa de patronos para financiar sua ascensão à fama, comenta o marchand.
– Vendedores de arte podem enganar as pessoas para que comprem eles (os quadros), diz ainda o marchand.
– Você tem que ir à escola de arte, a não ser que tenha nascido um gênio. Procure um treinamento adequado, diz o crítico.
– Esse professor, ele era famoso por viver na França, até que descobriram que ele não tem talento algum, então ele acabou aqui, comenta aluno, na escola de arte.
Pontuado por algumas falas fortes, talvez o filme exagere um pouco em sua dose de crítica e ironia, mas entendi que é um trabalho um tanto autobiográfico, pois além de diretor, ator e comediante – o que já bastaria para justificar sua experiência – Kitano também é pintor (pasmem!) e inevitavelmente, como bem sabemos, arte e vida se misturam. De qualquer modo, acredito que há uma universalização das problemáticas, muito real e pertinente, sua crítica é divertida e faz muito sentido e tem eco nas diversas manifestações artísticas, como na fotografia.
O que caracteriza um artista? Por que produzir arte? A arte exige um conhecimento técnico obrigatório e específico? Qual é o limite ético na produção artística? Essas são questões que traz o filme, elas reverberam por todos os campos artísticos e ainda tiram o sono de muita gente. Estas perguntas, longe de respostas objetivas, estão abertas e ainda em construção… Portanto, não podem ser amarras para ninguém. Além disso, o filme é também uma metáfora bem interessante sobre a cultura japonesa e a ocidentalização deste país (em todos os aspectos).
Sem a menor intenção de fazer uma análise da obra, meu objetivo é trazer algumas questões que pudessem estimulá-los a ver o filme e pensar sobre algumas pulginhas que ficam atrás da orelha. Sendo assim, também não intenciono dar grandes juízos de valor sobre o filme, digo apenas que o achei interessante e digno de ser visto, pois sem dúvida mexe com a gente e estimula a reflexão crítica.
Mas se há uma questão que eu destacaria, ela trata sobre a tentativa de encontrar uma identidade artística. Essa é sempre uma ansiedade e uma busca implacável que angustia muito os artistas. Percebo o desespero de alguns fotógrafos em “encontrar” essa identidade, como se fosse algo que pudéssemos achar ali na esquina. Sei que é uma ânsia às vezes incontrolável, mas precisamos entender que definir uma identidade, estilo ou características próprias para o nosso trabalho não é algo que se dá em um curto espaço de tempo. Requer uma consciência mais ampla sobre o que queremos e o que não queremos, e nada disso surge da noite para o dia.
Essa tão desejada identidade toma forma na construção diária de nós mesmos, enquanto pessoas, enquanto artistas. É um processo de aprendizado, formação, crença, construção de valores. Exige amadurecimento, que conquistamos à base de experimentação, de tentativas, erros e acertos, uma bagagem mesmo, um repertório de práticas e de conhecimento que, acredito, só vem com o tempo e a experiência.
E, tratando-se de Machisu, acho que faltou ao artista acreditar mais em si mesmo! Então, fica também essa dica.
Abaixo, trailer do filme (em inglês):