Os caminhos trilhados pelo Imagens do Povo se inspiram muito nas reflexões de João Roberto Ripper, que foi um dos participantes das agências independentes de notícias que se espalharam pelo Brasil nas décadas de 1970 e 1980. Ripper fez parte da Agência F4, cuja experiência discuti no texto A experiência coletiva I e foi colega de intensos debates de repórteres fotográficos cujas histórias estão diretamente conectadas com diversas mudanças no campo da fotografia de notícia e reportagem no país. Um deles foi Rogério Medeiros, da Agência Vix, e o outro foi Milton Guran, um dos fundadores da Ágil.
Medeiros morava no Espírito Santo em uma época em que os jornais eram dirigidos pelos partidos políticos e nem todos conseguiam manter uma seção noticiosa paralela ao programa das articulações partidárias a que estavam ligados. Então, ele decidiu criar a Agência Vix com mais alguns colegas com o intuito de desenvolver reportagens fotográficas independentes. Esta ação transformou a cobertura noticiosa capixaba no setor de imagem e foi responsável pela formação de diversos fotógrafos da região.
Rogério mostrou uma série de coberturas feitas pela agência e destacou a participação dos fotógrafos nos movimentos que sedimentaram novos modelos de relação com a imagem no setor jornalístico brasileiro. Ele destacou a participação dos colegas em encontros da Federação Nacional dos Jornalistas, nas brigas pelo crédito da imagem, pelo respeito ao papel do repórter fotográfico, pelas tabelas de referência de preços de serviços, entre outros temas.
Tudo isso desenvolvido em paralelo ao seu trabalho na Vix e colaborações em diversas publicações. O trabalho mais recente de Medeiros foi a colaboração na pesquisa do livro Memória de Uma Guerra Suja, em que o ex-delegado Claudio Guerra confessa como matou presos políticos durante a ditatura militar, entre eles David Capistrano.

Apoena Medeiros (esquerda) e Fred Pacífico (direita, de preto) no debate que uniu as agências que representam (Vix e Porã) e a turma do Imagens do Povo. | Foto: Ana Lira
A Agência possui hoje um acervo imenso de imagens, com coberturas e reportagens especiais em diversas áreas, que é gerenciado pela Porã, uma nova agência administrada por Apoena Medeiros (filho de Rogério), Fred Pacífico e Bruno Zorzal. Parte importante da experiência deles como fotógrafos veio de crescer acompanhando o cotidiano de produção e construção do acervo da Vix, de modo que consideram uma responsabilidade enorme gerenciá-lo atualmente.
Foi por meio da articulação com a Porã que um acervo riquíssimo sobre a herança pomerana no estado foi transformado no livro Pommerland – A saga pomerana no Espírito Santo, lançado este ano. O livro traz a documentação de quatro gerações de fotógrafos que acompanham a comunidade pomerana há pelo menos um século: Ervin Kerckhoff, Emilio Schultz e os próprios Rogério e Apoena Medeiros. Fred Pacífico disse, durante os debates, que a publicação do livro reveberou de forma intensa entre os pomeranos, a ponto de alguns deles pedirem exemplares para guardar para os netos que ainda nem nasceram como forma de mostrar às futuras gerações que eles têm uma trajetória no Brasil.
Eles afirmaram, ainda, que estão articulando novas parcerias para que outras documentações importantes do acervo da Agência Vix possam ser publicados, uma vez que consideram que um arquivo com tamanha importância não pode ficar estagnado. Eles estão estruturado o site da Porã para dar suporte as essas futuras iniciativas, que ainda contam com o acompanhamento do próprio Rogério Medeiros, uma vez que seu próprio acervo de imagens é administrado hoje pelo filho e os dois amigos. Esta sucessão foi a maneira que Medeiros encontrou de dar continuidade ao trabalho que começou, uma vez que a maioria das agências de imagens do país acabou fechando na década de 1990.
Cotidiano de Inspirações
Uma das que não conseguiu chegar aos anos 90 foi a Agência Imprensa Livre (Ágil), fundada em 1980 e sediada no Distrito Federal. Milton Guran foi um dos fundadores da agência e contou que ela chegou a ter entre 106 a 138 colaboradores em todo o país, que em meio às encomendas diárias de pautas, recebiam filmes pelos correios e se deslocavam para fazer reportagens para os principais veículos de imprensa, como as revistas Isto É, Veja e Senhor e jornais de diversos estados brasileiros.

Milton Guran (segundo da direita para a esquerda) mostra imagem da equipe da Ágil na sede do Distrito Federal.
A Ágil atuava na cobertura diária e um dos seus focos eram as atividades políticas da capital federal. Ela cobriu quase todo o processo de redemocratização do Brasil, como o movimentos das Diretas Já, as transformações do cotidiano político e social do país, as eleições e os desdobramentos que levariam à morte e Tancredo Neves e à posse de José Sarney. Foi justo neste processo de cobertura que a sede da agência sofreu um atentado criminoso por parte do governo militar.
Um artefato plantado durante a saída da equipe para almoço, provocou um incêndio na sede, destruindo todo o acervo da agência, um dos mais importantes da história da fotografia jornalística do país. Milton Guran contou que, durante a reunião para fechar a agência, eles receberam uma lata de rolo de filme de tri-x enviada por Fernando de Tacca com um bilhete escrito “resistam”. A agência segurou as pontas ainda por mais três anos, quando eles precisaram realmente encerrar as atividades.
A experiência da Agência Imprensa Livre tem sido recuperada em diversos relatos colhidos pelas pesquisadoras do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi), Ana Maria Mauad e Silvana Louzada, por meio de entrevistas feitas a partir de fotos históricas. Sem poder contar com o acervo de imagens, que foi perdido no incêndio, as pesquisadoras conseguem ter acesso às imagens por meio de cópias conseguidas com os próprios fotógrafos ou nas diversas publicações que a própria agência lançou em seus oito anos de atividades.

Imagem do livro Perfil do Poder, de Orlando Brito. Segundo Milton Guran este tipo de foto feito pelos integrantes da Ágil levaram ao incêndio contra os arquivos da agência em 1985.
Entre elas está o livro Perfil do Poder, de Orlando Brito, que Guran afirma ser uma das sementes mais importantes do modelo de atuação da agência que desagradava ao governo militar e provocou o incêndio criminoso que precipitou o fechamento das atividades da Ágil. O livro também foi citado por diversos presentes no debate como uma das mais importantes publicações sobre a cobertura política do país. Depoimentos que deixaram Milton Guran emocionado e diversos colegas refletindo sobre o tamanho da ousadia e das conquistas que suas atitudes trouxeram para o setor da fotografia de notícia.