Podia ficar olhando pra sempre a obra de Alcir Lacerda

Alcir Lacerda – Por Alexandre Severo

Quando o mestre Alcir Lacerda despediu-se nas primeiras horas desta semana, eu fui convidada a pensar em uma homenagem à sua trajetória. Respirei fundo e esperei o meu corpo decidir se minhas primeiras frases viriam em forma de palavras ou lágrimas; se o meu espanto perante a sua passagem se manifestaria melhor elaborando reflexões ou sentindo gota a gota, uma a uma, dez, cem, milágrimas…sentindo o milagre, como cita a canção de Alice Ruiz.

Eis que a resposta foi chegando por meio das imagens que os próprios fotógrafos produziram ao longo da convivência com as perguntas, carinhos e ponderações de Seu Alcir. Depois de ver algumas delas e chorar minha saudade quieta, compreendi que a melhor maneira de tecer um elogio para Lacerda era Olhar Pra Sempre a sua melhor obra: os fotógrafos que o referenciavam como parte importante de suas histórias na fotografia.

Existe legado maior para um fotógrafo do que ver os caminhos de quem se deixou tocar por suas reflexões?

Pelo menos cinco gerações de bons fotógrafos, especialmente em Pernambuco, carregam do cotidiano de conversas, aulas, palestras e idas à Acê Filmes laços afetivos e formativos. Seus trabalhos trazem, entre outras características, um diálogo muito peculiar com algo que Seu Alcir admirava muito: o exercício da sutileza. Fosse para falar do que se mostrava admirável ou para tratar das inconveniências e dores do cotidiano, uma contundência delicada era algo que particularmente lhe chamava atenção.

Alcir Lacerda – Por Mateus Sá

Um outro ponto peculiar da trajetória destes fotógrafos que se conectavam com o pensamento de Alcir Lacerda é a abertura para desdobrar conhecimentos e parcerias. Vários deles geraram belas redes de atuação no meio fotográfico e incentivavam constantemente a formação de novos fotógrafos. Por isso, não raro era ver na porta de Seu Alcir algum iniciante querendo aprender um pouco mais, pegar contatos para conseguir adquirir materiais de difícil acesso ou descobrir peculiaridades sobre a fotografia PB, uma de suas maiores especialidades.

Raro era não perceber que estes novos fotógrafos estavam naquele espaço pela indicação de algum amigo, professor, profissional, que acreditavam que qualquer momento vivido ao lado da voz mansa e rouca de Alcir Lacerda valia a pena. Muitos deles entravam na Acê Filmes sem sequer saber que aquele homem era detentor de um dos acervos mais importantes da fotografia política, publicitária e social da região ou que havia coberto capítulos delicados da história brasileira, especialmente na ditadura, para revistas como a Manchete, que tinha imagens na coleção Pirelli Masp. Iam pela crença no conselho que recebiam e eram fisgados pela generosidade dos diálogos com Lacerda.

Por isso, quando olho para os trabalhos que vários destes fotógrafos produziram e vem articulando ao longo de suas trajetórias; quando os conheço e converso com eles sobre as questões que permeiam nossas vidas e se desdobram em imagens, sinto que, além das próprias imagens, a melhor contribuição de Alcir Lacerda para a fotografia brasileira são estas pessoas, seus processos criativos, as discussões que levantam, as parcerias que desenvolvem, o amor com que alimentam o circuito de produção e reflexão sobre as imagens e, acima de tudo, a admiração com que devolvem um olhar sobre este homem que instigou mudanças em suas vidas.

Alcir Lacerda – Por Ubira Machado

Existe maneira mais significativa de olhar para um mestre do que observando como as pessoas o vêem?

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Uma resposta para Podia ficar olhando pra sempre a obra de Alcir Lacerda

  1. mateus sá disse:

    que lindo amiga!!! realmente mágico o que seu alcir nos transmitio. inspiração para toda vida!!!

    Mateus Sá

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