Prefácio: se este post puder se transformar em força e carinho, que ele siga para Luciana Cavalcanti, do Coletivo Paralaxis. Os motivos não precisam ser ditos, mas eles são importantes e merecidos.
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Eis um momento que oscila entre a felicidade imensa e a melancolia: dar um até logo ao Pequeno Encontro da Fotografia. Estivemos juntos durante os últimos cinco dias de atividades, em Olinda, participando do evento e dividindo experiências diariamente. Os dois últimos momentos do evento foram muito especiais: na sexta-feira tivemos uma surpresa com a participação de Maurício Lissovsky dividindo a mesa com Ronaldo Entler, na abertura das palestras da noite. Em seguida, ouvimos um dos mais especiais relatos do encontro, com a apresentação do projeto Rotas, de Paula Sampaio. O sábado, por sua vez, foi tomado pela expedição fotográfica no entorno do sítio histórico de Olinda, que rendeu andanças pelas regiões do Amparo, Bonsucesso e Guadalupe.
Antes de falar destes dois momentos, porém, eu queria comentar um pouco sobre as leituras de portfólio que eu pude acompanhar durante o evento. Os participantes, em geral, acabam chegando ao local das leituras muito tensos, de modo que eu gostaria de dar um destaque neste parágrafo à escuta generosa de Alexandre Sequeira, Ronaldo Entler e Ricardo Peixoto durante as leituras do encontro. Sequeira e Peixoto são parceiros mais antigos neste tipo de atividade e estar com eles por perto é sempre garantia de um diálogo cuidadoso e construtivo. Entler foi o carinho a mais que recebemos este ano e diversos participantes da sua leitura elogiaram como ele conduziu o processo.
Eu mesma pude conferir isso ao vivo em dois momentos. O 7 acabou fazendo uma leitura de portfólio paralela, durante um dos momentos de folga do convidado. Dialogamos sobre o processo de organização e condução das atividades do projeto do blog, o perfil dos textos, os nossos objetivos, o papel deste tipo de atividade nos debates trazidos atualmente na fotografia brasileira e os desafios cotidianos de quem se propõe a conversar sobre fotografia. Foi muito bonito. Por outro lado, também pude acompanhar a leitura de portfólio que meu amigo Alejandro Zambrana fez com Alexandre Sequeira. Deixei a sala com vontade de fazer leitura, também, porque ele te amplia os horizontes, mostra novas referências, ajuda a pensar questões, propõe novos desafios. Se você está aberto a ver outras trilhas para o próprio trabalho é uma vivência incrível.
Acima de tudo, porém, o que marcou o momento destas leituras foi o respeito. Um sentimento que eu prezo muito!
Quando as leituras terminaram, as pessoas se deslocaram para a lona montada na Praça do Carmo para ver as duas palestras da noite, que seriam as últimas do encontro. Ronaldo Entler era o convidado da noite, apresentando o tema O cinema como hesitação fotográfica. Por uma coincidência enorme, contudo, o professor e pesquisador Maurício Lissovsky estava na cidade e aceitou o convite de Entler para dividir a mesa com ele. Entler e Lissovsky escrevem para o blog Icônica, uma das mais respeitadas publicações de fotografia no país e fonte de pesquisa para muita gente que se debruça sobre a área.

Lissovsky e Ronaldo Entler debatem sobre outros caminhos de observação do tempo e da materialidade da imagem. A mesa foi mediada por Camila Targino | Foto: Ana Lira
Lissovsky dialogou sobre uma pesquisa que se debruça sobre perspectivas da fotografia moderna, que estão conseguindo se realizar somente agora, com a fotografia contemporânea. Ele falou sobre um processo de desmaterialização que abriu um diálogo intenso entre uma fotografia relacionada comreal e um outro tipo de fotografia, que não esconde mais a intenção de estar associada somente ao imaginário. Lissovsky lindamente descreve a fotografia como uma bailarina, que se equilibra em um fio, enquanto transita em um vai e vem entre o real e o imaginário. Um modo bonito de falar sobre as novas construções possíveis do campo.
Entler, por sua vez, abordou uma inquietação que o levou ao tema do cinema como hesitação fotográfica. Em sua fala ele destacou que não estava tratando a palavra hesitação por seu viés negativo, em geral associado ao medo e à dúvida, mas a uma perspectiva que estaria mais relacionada com um momento usado para se pensar criticamente sobre um determinado tema ou objeto observado. Para ele, a diferença entre cinema e fotografia não estaria simplesmente no instante congelado de um e no processo mais dilatado do outro, mas em como o fotógrafo ou diretor propunha o debate sobre este tempo em seu trabalho.
Entre os exemplos que debatiam as questões levantadas em sua fala estavam os projetos Fotografias que respiram, de Gustavo Pellizon, e News From Home, de Chantal Akerman, realizado em 1977. Entler está desenvolvendo a investigação há algum tempo e não sabe ainda se vai transformá-la em pesquisa. A temática, porém, vem interessando ao público e instigando debates, como o que ocorreu no Pequeno Encontro da Fotografia. Para quem quiser saber mais sobre o assunto, há um relato feito somente sobre o estudo no blog do seminário Fotografia e Experiência, realizado no Rio de Janeiro, em agosto passado.Vale a pena ler tudo!

Mila Targino acompanha Paula Sampaio no relato de experiência sobre as rotas que ela vem percorrendo nos últimos 15 anos | Foto: Ana Lira
Depois de ouvir os dois moços do Icônica, nos transformamos em companhia para as Rotas, de Paula Sampaio. Eu confesso deliberadamente que chorei a palestra inteira. Várias vezes minhas coleguinhas do 7 desviaram a atenção dos relatos da mineira radicada no Pará com o intuito de enxugar as minhas lágrimas, que estavam prestes a inundar a Praça do Carmo. Ainda bem que estava tudo escuro e mais ninguém deixou de ouvir Paula por causa da minha emotividade aflorada.
Eu tenho uma paixão enorme por trabalhos documentais intensos, aprofundados e cuidadosos. Quando ouvi o relato de Sampaio entendi completamente porque dois fotógrafos, que durante conversas tiveram impressões distintas do meu trabalho fotográfico, me disseram para olhar com carinho o que (e como) ela vem construindo na fotografia brasileira. Acho que muita gente ficou impressionada com seus 15 anos dedicados às pessoas, enredos e desdobramentos das vidas em torno da Rodovia Transamazônica, que começa com dois braços no nordeste – um em Recife e outro na cidade de Cabedelo, na Paraíba – e segue até uma região chamada Boqueirão da Esperança, na fronteira entre o Acre e o Peru.
Um trabalho de uma sutileza imensa, que a levou a desenvolver um processo de correspondência com os moradores das cidades e vilarejos que visitou, e a relatar a vida das pessoas em torno da rodovia por meio das histórias que eles mesmos contaram em cartas, bilhetes, depoimentos, fotos, entre outros. Este trabalho está para ser lançado em livro nos próximos anos. Paula Sampaio disse que recebeu propostas de diversas editoras para lançar a publicação, mas como ela deseja devolver o retorno dessa documentação para as pessoas gratuitamente, ela está buscando uma forma de viabilizar o livro por meio de um edital público. Todo mundo ficou mobilizado pela iniciativa.

O projeto mudou de trilhas diversas vezes porque as informações foram levando para caminhos diversos do que Paula Sampaio pensou a princípio. Hoje, ela crê que foi o maior ganho do Rotas | Foto: Ana Lira
Um segundo trabalho lindo seu foi feito no porão da sua casa, localizada no centro velho de Belém. Paula ganhou um edital, reformou o porão e iniciou um projeto em que retratava os moradores do entorno com objetos que eles mesmos traziam de casa para compor o cenário da fotografia. A interação com os moradores mudou o curso do projeto, que acabou tendo a exposição realizada no próprio porão junto com os objetos dos próprios retratados. Uma experiência super bonita, que transformou a relação dela com a vizinhança da cidade velha e tem se desdobrado nos projetos que ela criou recentemente, em Belém.
Depois de uma fala tão bonita e que mexeu muito com o público do Pequeno Encontro, nós vimos a penúltima seção de projeções do evento. Ela trouxe trabalhos do coletivo Paralaxis (SP), Guy Veloso (PA), Cia de Foto (SP), Patrícia Gouvêa (RJ), Coletivo Potiguar (RN), Kamara Kó (PA), Patricia Lion (PR) e Pedro Cupertino (RS). Uma série diversa e bacana de projetos, que contou, ainda, com trilhas sonoras muito bonitas. Uma das coisas boas de ver essas projeções é que o pessoal está investindo no refinamento do trabalho de apresentação, considerando a trilha sonora como um aspecto importante da narrativa e da interação entre público e fotografia.

Eduardo Queiroga, Mateus Sá e Camila Targino apresentam a projeção final do Pequeno Encontro da Fotografia. Enquanto a missa da Igreja dos Homens Pretos ocorria e um bingo se formava na praça, os trabalhos convidados eram projetados na parede da torre direta da igreja | Foto: Ana Lira
Isso pôde ser visto, também, na projeção que encerrou o evento no sábado, realizada na lateral da Igreja dos Homens Pretos, no Largo do Bonsucesso, em Olinda. Desde os trabalhos enviados por diversos colaboradores até os documentários produzidos na oficina do Media Sana e na própria cobertura do Pequeno Encontro, o item trilha sonora foi bem pensado. É muito bom ver que, em menos de cinco anos, a produção audiovisual vem acelerando o diálogo entre diversos meios narrativos e produzindo resultados cada vez mais interessantes.
Enfim, como eu citei a última projeção do festival, aproveito para falar sobre o final do evento, que ocorreu com a expedição fotográfica nas regiões de Bonsucesso, Guadalupe e Amparo. Parte da equipe do Pequeno Encontro da Fotografia havia participado de formações nas três localidades, por meio de parcerias com o ICEI – Brasil. Estas formações geraram uma equipe de fotógrafos que continuam trabalhando localmente em diversas ações realizadas na região, de modo que a participação deles nas ações de sábado foram super importantes.
Além deles, uma das integrantes do projeto Turismo da Gente desenvolveu o roteiro seguido pelos participantes, que conheceram locais e pessoas importantes da região e fotografaram os momentos singulares deste encontro com uma área pouco visitada de Olinda. Os resultados foram exibidos no final do evento, garantindo muitos momentos de emoção entre quem esteve envolvido diretamente na atividade e quem apenas acompanhou pelas fotografias. Uma troca imensa de ideias, depoimentos, referências e novas parcerias marcou o final do Pequeno Encontro da Fotografia.
Eu mesma deixei o evento cheia de futuros possíveis encontros de alma fotográficos. Queria agradecer, em especial, as companhias carinhosas de Ratão Diniz e Aline, que anteciparam a viagem a Olinda para nos ver e acompanhar nossos trabalhos; Karla Melanias, com quem eu sinceramente espero fazer novos e belos trabalhos, além de ouvir suas palavras sábias; Lucille Kanzawa, pelo belo projeto e a felicidade que contagiou todo mundo do Pequeno Encontro; Claudia Jacobovitz, Josivan Rodrigues e Ricardo Peixoto, pelo sempre amoroso reencontro.
Falando em amor, nunca é demais reforçar o sentimento intenso que eu tenho pelos meus queridos companheiros do Trotamundos Coletivo, que foram muito importantes neste momento da caminhada do Pequeno Encontro da Fotografia e nos debates que de desdobraram na nossa participação no evento. Às meninas do 7 um agradecimento especial pelo apoio e pelos retornos sobre as ideias abordadas na mesa. Estendo o obrigada à Helinha Scheppa, Vládia Lima, Alexei Joseph, Guga Pimentel, Maiara Lira, Eva Duarte, Sabrina Carvalho e todo mundo envolvido na produção do evento.
Por fim, reforço aqui o que disse no primeiro post sobre o encontro e o trabalho de Eduardo Queiroga, Mateus Sá e Mila Targino. Eu não seria essa menina guerrilheira se não tivesse passado pela formação com vocês e muitos outros em Recife. Estamos juntos nesse e em vários outros Pequenos Encontros da Fotografia – sejam eles realizados nas lonas de circo montadas em Olinda, nas reuniões setoriais, nas representações em eventos, nos debates pela internet, nas trocas de cartas sobre nossos processos criativos, nos cafés, nas lágrimas e crenças no fazer. Muito obrigada!
Uma nota: um cheiro especial aos nossos leitores. Aguardem que esta semana teremos um Diário de Bordo do Paraty em Foco feito por Isabella Valle, que estará presente no evento. Em outubro teremos novidades aqui no 7, uma delas articulada um pouco mais durante o Pequeno Encontro da Fotografia. Vamos nessa!!!
Mais: Outros olhares do Pequeno Encontro da Fotografia aqui!
essas gurias…
Esse encontro foi chamado de pequeno, mas ele se definiu mais pela densidade do que pela extensão. Para mim, foi rico especialmente pelas conversas não programadas, os esbarrões nas esquinas, a presença surpresa do Maurício na minha mesa, e o papo como o Sete, que agora ganhou todos os seus rostos. Seguimos com o diálogo.
Pois é, Ronaldo, que venham muitos outros encontros por aí, pequenos e grandes! Foi um prazer tê-lo em Recife e obrigada pela companhia de sempre aqui no blog. Um beijo.
Entler, obrigada por toda força e disposição. Sua sensibilidade é encantadora! Venha mais vezes! 🙂