Eis o momento em que o cortejo entrega seus últimos lampejos. O instante em que, mesmo protegidos pelas vivências, é preciso se despedir. Sair de cena e encarar a sombra. Deixar as pupilas abrirem no escuro para perceber as mudanças que em banho maria tomavam forma, enquanto os demais sentidos, muito ocupados com as andanças do mundo, rastreavam o caminho oposto.
Eis a porta aberta que convida a voltar…
…e mesmo imerso em receio, o convite se faz aceito.
Olhei para a caixa de chromos guiada por uma intuição não explicada. Alejandro Zambrana me dizia “não tem mais nada novo não, Ana” e uma voz interior sussurrava “respira e olha com calma…rastreia”. A voz exterior disfarçava um “calma, eu quero ver”. Fomos buscando…separando…arquivando. Eis o susto. A intuição dentro do escuro sorri sabendo que havia encontrado algo muito singular.
Uma mudança…
…transformação de linguagem, percepção do simbólico, relação com o não-visto.
Um sentimento certeiro de que se tem em mãos o final de um processo de mediação e os vestígios de uma nova abordagem se formando. Que bonito! É muito instigante ver o olhar de um fotógrafo que conhecemos bem transmutar. Intuitivamente encontrar outras relações visuais para falar sobre um tema exaustivamente documentado em seu estado. É bem dizer um momento de graça…
Sim, pode ser dito desta maneira. É um momento inspirador ser desestabilizado por uma fotografia que te faz repensar toda uma cultura visual acerca de um assunto. O cortejo das Taieiras nunca mais seria a mesma coisa para mim; como depois de diversos encontros com esta imagem, o próprio processo de fotografar rituais de religiosidade popular tomou outros rumos.
A transformação do processo criativo de Zambrana me empurrou para o território das perguntas e evidenciou as questões do meu próprio fotografar. Trouxe inúmeros instantes de silêncio, que aos poucos estão se diluindo nos sons (sonhos?) antigos que neste momento reencontro em minha jornada.
Eis a hora em que o meu cortejo também inicia sua despedida. O momento em que eu saio de cena e abraço a sombra. O instante em que a intuição aponta para a minha própria caixa de segredos, onde, entre todas coisas que simbolicamente me importam, estará esta fotografia que, por tudo o que me trouxe, eu vou continuar olhando pra sempre.