#Autografia é a nossa nova seção deste blog. A nossa intenção é dialogar com os fotógrafos sobre a fotografia que eles produzem no seu dia-a-dia e fazer-nos refletir sobre a nossa relação com a fotografia, o seu processo de produção, criação e autoria. Assim, como num processo investigativo, perguntamos aos nossos convidados o que eles fotografam e o que eles gostam de fotografar. As respostas podem vir em formato de vídeos, textos e/ou imagens, de acordo com o que melhor se adequar ao gosto e trabalho do fotógrafo e da fotografia que ele faz.
Nosso primeiro convidado para o #Autografia, é o fotógrafo Leo Caobelli. Leo é Jornalista graduado pela PUC-RS, desde 2000 dedica-se ao estudo da linguagem audiovisual. Integrou a equipe de fotografia do Palácio Piratini durante o governo Olívio Dutra, antes de se mudar para São Paulo em 2005. De 2006 a 2009 trabalhou como fotógrafo na Folha de S. Paulo, além de fotografar para outros veículos como as revistas do Grupo Abril. Em 2008 fundou o Coletivo Garapa junto aos amigos Paulo Fehlauer e Rodrigo Marcondes. Atualmente cursa Pós-Graduação em Fotografia na Fundação Álvares Penteado (FAAP).
O que você fotografa?
Esses dias, organizando meu catálogo de imagens, percebi que tenho fotografado cada vez menos. Ano a ano, o número de fotografias catalogadas vai diminuindo. De maneira proporcionalmente inversa cresce meu interesse pela fotografia, por seu processo de criação, seu discurso e seu estudo.
O que fotografo passa a ser reflexo dessa mediação; no pouco que fotografo reside o muito que me interessa. São imagens que nascem antes no pensamento, que muitas vezes se traduzem em um discurso escrito e só então se materializam pela fração de tempo que compõe a síntese fotográfica.
Talvez esse fotografar menos, totalmente desprovido do clímax de um momento decisivo, seja somente uma reação ao processo de profusão de imagens no qual estamos imersos.
Flusser, ao explicar seu conceito de pós-histórico, falava sobre esse nosso momento atual onde os “atos não mais se dirigem contra o mundo a fim de modificá-lo, mas sim contra a imagem, a fim de programar o receptor da imagem”. Assim, a própria noção de história deixa de existir quando tudo vira sua espetacularização: a imagem de algo que se repete infinitamente como se fosse coisa nova. “É a circulação entre imagem e homem que ameaça cair em entropia, tal inversão do nosso estar-no-mundo em estar-face-à-imagem”.
No fim, penso em uma fotografia que possa estar no mundo (ou me colocar no meu) e que não se encerre em apenas ser imagem.
(Vilém Flusser. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade)
O que você gosta de fotografar?
Relendo a resposta acima percebi o quanto escrevi mais sobre tempo do que sobre espaço. Tradicionalmente a fotografia se faz no espaço, naquilo que registra, no que elege enquadrar e encasular para ser guardado; relações espaciais.
De alguma maneira, penso que gosto de fotografar o tempo. Talvez por isso me interesse tanto pelo memorialismo, pelo arquivo, pela fotografia desprendida de seu contexto original e, então, resignificada. Existe muito silêncio nessas fotografias e esse é seu encantamento para mim. O relógio parado não tem mais o som constante do avançar de ponteiros, só reticências que perpetuam alguma iminência, mas nunca um ponto final. Provavelmente, mais do que fotografar o tempo, gosto de fotografar o silêncio, a ausência, o esquecimento.
um dia sobre nós também
vai cair o esquecimento
como a chuva no telhado
e sermos esquecidos
será quase a felicidade
Li isso hoje e lembrei da sua resposta, Leo:
‘El silencio es el sonido de lo invisible
en los huecos del tiempo’
É da Chantal Maillard.
Abraço 🙂
A presença que se faz pela ausência.
Lindo isso, Fábio!
Valeu