Plataforma – Fotolibras

Há cerca de um mês, eu recebi o convite para visitar a exposição Por Contato, do projeto Fotolibras, que estava inaugurando no Centro Cultural dos Correios, em Recife. A exposição foi um momento bem importante na trajetória do grupo: era a primeira grande mostra deles; o fechamento de um ciclo para a mais nova turma de fotógrafos surdos; e a abertura de caminhos promovidos pelas parcerias com outros artistas visuais, a exemplo de Rodrigo Braga e Daniel Santiago.

Tatiana Martins pesquisa a comunicação visual por meio das sombras e em seu novo projeto tocou a mão de Rodrigo Braga, inspirada em imagem do trabalho Mais Força Que o Necessário.

Estes artistas ora inspiraram novos trabalhos, a exemplo de uma fotografia de Rodrigo Braga que originou um novo trabalho da fotógrafa Tatiana Martins, ora instigaram novas etapas em pesquisas artísticas que estavam em desenvolvimento, como a ocupação urbana Plântula-Triz, de Daniel Santiago, que depois de quinze anos e várias parcerias, ganhou uma nova configuração com a presença do fotógrafo Marcio Campelo.

Por Contato foi significativa por me fazer perceber com mais clareza a concretização do trabalho do Fotolibras. Eu conheço o projeto desde a fundação, participei de algumas atividades realizadas por eles como observadora-curiosa, escrevi sobre o grupo para uma reportagem sobre os caminhos da fotografia afetiva para a revista Continente, acessei as experiências sistematizadas que estão disponíveis ao público no website do projeto e no guia lançado em 2010 – e relançado este ano. Enfim, não é uma iniciativa desconhecida do meu cotidiano fotográfico, mas mesmo assim – e eu reafirmo – mesmo assim, ela se mostrou muito maior do que eu havia imaginado até então.

De repente, essas vivências acompanhadas eventualmente e que mostravam fragmentos das possibilidades de discussão do universo dos surdos, das questões trazidas pela relação com os ouvintes, das percepções acerca da transformação do cotidiano dos participantes, das ações de formação de público e da ampliação do diálogo por meio de cultura visual diferenciada tornaram-se algo maior. Bonito e singular. Foi como ver um coletivo consciente do trabalho conciso que desenvolve na área em que se propôs a atuar e para onde deve apontar as suas próximas escolhas.

Olhando para o resultado da exposição é possível compreender porque o Fotolibras é pioneiro no país em um trabalho focado na relação da fotografia com a cultura surda. É uma experiência que compreende o quanto a expressão visual pode provocar novos encontros em meio a sucessivas rupturas, uma vez que instigar processos criativos que coloquem em questão modos de vida, identidades, alteridades e relações de poder que transitam em torno da comunicação interpessoal e coletiva é um desafio muito forte.

Mostra no Centro Cultural dos Correios segue até o próximo dia 25 de novembro.

Por isso, o tempo é um fator essencial para a compreensão da trajetória de qualquer iniciativa como essa. É quando a gente percebe de maneira clara a diferença entre um projeto transformador e um que é mero entretenimento. Uma ação coletiva que modifica seus participantes, o entorno e as discussões capilarizadas por aquele universo e um que é destinado apenas a mostrar índices. O Fotolibras não trata dos seus participantes como números, mas como interlocutores, mediadores, criadores, debatedores, enfim, inspiradores de reflexões.

O próprio grupo, atualmente, é coordenado por integrantes da turma que iniciou no projeto. Há cerca de três anos, eles foram responsáveis, também, por uma transformação no processo de seleção do maior edital de cultura de Pernambuco (Funcultura). Quem apresentou os projetos do grupo como produtora cultural foi Tathiana Martins e a defesa foi toda realizada em libras, com a parceria de uma tradutora. A entrevista quebrou um tabu importante no setor e pode ser caminho para outros editais no país e motivação para diversos outros produtores culturais não-ouvintes.

É muito bacana revisar essas ações e perceber ainda que eles estão sendo responsáveis pela criação de novos grupos no país. Foram ativadores da formação de mediadores e educadores que estão atuando no campo da imagem no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), inspiraram ações em Sergipe, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará, entre outros. O fruto dessas iniciativas serão conhecidas mais adiante, mas se elas forem tão bem articuladas e comprometidas com o universo da cultura surda e suas diversas interrelações como é o Fotolibras podemos esperar um panorama interessante se desenhando no Brasil.

Uma nota: enquanto escrevia este Plataforma chegou o convite para o lançamento do catálogo da exposição hoje de noite, às 19h. O Fotolibras ainda vai desenvolver outras ações até o fechamento da exposição, no domingo. Mais notícias no site deles.

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Uma resposta para Plataforma – Fotolibras

  1. mateus sá disse:

    Amiga foi com muita alegria que li esse texto! Ficamos muito gratos pelo reconhecimento do nosso trabalho que e feito com tanto amor. Fico feliz tambem por saber que existe um lugar como o 7 que vem desenvolvendo um trabalho compromissado, ético e tão belo!!!

    Um abracao!!!

    Mateus S

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