No ano passado, quando fomos convidadas para a mesa de abertura da exposição “Antes de Ontem, Ontem e Hoje”, de Mateus Sá, uma observação feita por Maíra Gamarra chamou minha atenção e me fez pensar um pouco nos trajetos da fotografia pernambucana. Ela comentou, baseada nos trabalhos recentes que temos visto ocupar os centro culturais e galerias do Recife, que os fotógrafos pernambucanos estão vivendo um momento forte de transição do seu trabalho documental para os espaços de arte. Entendam que, o que o comentário destaca não é exatamente uma separação entre foto-documento e foto-arte – o que, pessoalmente, acho cansativo – mas justamente a quebra cada vez mais recorrente dessas fronteiras.
Lembro que por conhecer o trabalho de Mateus, um dos fotógrafos pernambucanos que me despertaram para a fotografia, fiquei encantada com a releitura do seu acervo que aquela exposição propunha. Mateus passava a falar ali não de um caso documentado, mas de um eu universal que nos contemplava fortemente e isso era possível simplesmente ao levarmos novos olhos ao seu trabalho, propostos pela sensibilidade da curadoria de Ricardo Peixoto.
Ontem, quando estive na Arte Plural Galeria, vi a curadora Simonetta Persichetti propor um novo trajeto para imagens de dez fotógrafos, entre pernambucanos e paraenses. Essas imagens estão dentro da 3ª edição do “Pernambuco convida”, projeto promovido pela Arte Plural Galeria que propõe uma articulação entre fotógrafos pernambucanos e de diversos estados do Brasil. A exposição abre hoje, dia 27, às 19h.
O objetivo, segundo a própria curadora, é realmente cumprir com o que diz o projeto e promover o diálogo entre regiões. “Colocar esses fotógrafos para conversar e mostrar que estamos produzindo algo em comum”, comenta Simonetta. Nos Pernambucanos, temos os nomes de Alcione Ferreira, Bernardo Dantas, Hélia Scheppa, Ricardo Labastier e nossa Priscilla Buhr. Do Pará, estão presentes os fotógrafos da galeria Kamara Ko, em Belém, Alberto Bittar, Anita Lima, Bob Menezes, Cláudia Leão e Ionaldo Rodrigues. Cada fotógrafo tem três imagens na exposição.
Todos os pernambucanos na mostra vêm de uma escola documental bastante forte, inclusive por serem fotojornalistas dos principais veículos do estado. Suas imagens, em maioria, foram feitas em pautas de trabalho, que acabam tendo muitos outros resultados diários mais pessoais. “É material descartado pelo fotojornalismo”, comentou Alcione falando de suas imagens durante a entrevista. Uma jornalista acrescentou: “arte, né?” e ouviu em resposta: “não, erro mesmo”. O erro do fotojornalismo se apresentou como bons acertos da galeria, boas apostas.
Tive uma conversa com Pio Figueirôa sexta passada, num encontro com os alunos do curso de fotografia da Aeso, em que Pio chamou a atenção dos alunos para a necessidade de descobrirem formas de ver. Acho que mais do que qualquer outra percepção do que estará na Arte Plural até 21 de dezembro deste ano (coincidentemente o tal dia do fim do mundo), entramos ali em contato com dez formas de ver o mundo, dez olhares particulares que acabam se conectando.
Os sonhos que nos conectam, como no trabalho de Anita Lima, o cotidiano misterioso de Ricardo Labastier, a paisagem que se esvanece de Alberto Bittar, a luz que revela e ao mesmo tempo esconde de Alcione e Bernardo, a memória, as marcas que o mundo deixa em nós de Hélia Scheppa e que nós deixamos no mundo de Priscilla e Bob Menezes, a passagem do tempo, tudo isso está em trabalhos independentes que vão se conectando com a presença de quem está vendo.
O curador é o guia nesse percurso. “O curador nos ajuda a perceber a nossa fotografia”, comentou Bernardo Dantas. “O trabalho que está sendo exposto fazia sentido num contexto muito específico. Agora ele foi crescendo de outra forma motivado por esse olhar de Simonetta”, afirmou Priscilla, sobre as fotos “Eu vi Estelita”, feitas no Cais José Estelita, no momento de um protesto contra a especulação imobiliária e a destruição dos espaços históricos do Recife.
As fotos de Priscilla trazem à tona as “cicatrizes do mundo”, como disse Simonetta, as texturas dos muros descascados, sofridos, sua velhice, que merece ser respeitada. Dialogam com as imagens de Bob Menezes a ponto de fazer com que a própria fotógrafa se reconhecesse nas imagens do outro. Ele no Pará e ela em Pernambuco, ambos conversando entre si e com a gente, pela fotografia. Vale à pena conferir o que todos eles têm a dizer.
SERVIÇO:
Pernambuco Convida;
Abertura: 27 de novembro, às 19h (para convidados);
Período de exposição: de 28 de novembro a 21 de dezembro – terça a sexta, das 13h às 19h; sábados e domingos, das 16h às 20h;
Na Arte Plural Galeria, Rua da Moeda, 140, Bairro do Recife – Recife – PE;
Entrada franca;
Informações: (81) 3424.4431.