Este é o último post do especial de aniversário, que começou com um convite de Lívia Aquino para que fizéssemos um texto para a seção Desempacotando Minha Biblioteca, do Dobras Visuais. Fizemos um texto coletivo e enviamos junto com uma seleção que contemplava fotografias que, de alguma maneira, nos moviam.
Uma vez publicado o texto e as imagens no Dobras, retomamos o diálogo aqui no 7 com o nosso especial. Publicamos, ao longo das três últimas semanas, uma série seis Olhando Pra Sempre com as fotos que enviamos para Lívia e a convidamos para fechar a comemoração dos 2 anos do 7 participando de um #7Fotos Especial com o tema Quem nos move.
Escolhemos um alguém – interior ou exterior, próximo ou distante, presente ou não – que nos provocou mudanças e a quem decidimos dedicar um agradecimento. Muitos outros virão…
Entre a vaidade e um tanto de autonomia, meu filho arrumou o cabelo para a festa e pediu um retrato. Eu tinha que ser rápida, o penteado não duraria muito tempo naqueles fios lisos e escorridos como o meu.
– “Virado assim mãe, eu quero os raios saindo da minha cabeça!”
Um filho é alguém que me move como um convite a intensidade. Com ele as experiências fazem sentido no tempo que se expande e contrai constantemente, como se tocássemos juntos um acordeão.
Um filho faz perguntas sobre o mundo, monta hipóteses, rende conversas deliciosas e profundas. Somos impelidos a parar diante dessas questões que aparecem quase sempre na rotina do cotidiano:
– “Mãe, quanto tempo dura o tempo?” Bem, pode ser uma eternidade ou quanto o gel suportar o seu cabelo liso.
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Nunca gostei de gatos, também não era muito simpática com cães. Fui uma criança que tinha cágados. Tinha nojinho de pelos e abuso de bicho muito carente. Também não me agradava a ideia de poder ser mordida. Minhã mãe é uma bióloga que prefere as plantas e me criei assim. Este ano, já adulta, sabe-se lá o porquê, senti falta de uma companhia animal. De repente, passei a simpatizar mais com os pets e movimentos de adoção. Um felino seria a opção mais viável para a rotina corrida, por outro lado temia adotar um gato atacado, que arranhasse tudo, sujasse tudo, atacasse as pessoas, destruísse a casa. Meu nível de tolerância não suportaria.
Assim que, quando Frida Kahlo apareceu, pedi para fazer um test drive. Ela nunca mais saiu da minha casa. Frida me move desde o dia em que chegou. Os pelos pela casa não configuram problema, nem os cuidados demandados. Ela é curiosa, esperta, mas obediente e tranquila. Só me dei conta de verdade do amor que sentia quando ela adoeceu – a possibilidade de que ela pudesse morrer me causou desespero. Frida me olha nos olhos para pedir carinho de manhã ou para perguntar se está segura quando chegam visitas, ou ainda para pedir proteção, quando precisa tomar banho, remédio ou injeção.
Somos cúmplices, cada dia mais. Ela é minha menina dos olhos, é fêmea, como eu, e me lembra de sê-lo mais. Frida me transformou: não apenas por inesperadamente me fazer gostar de gatos, mas por me fazer mais segura, menos fresca, menos estressada, mais alegre, mais selvagem. Como a Tigresa de Caetano, “as garras da felina me marcaram o coração”, e seus olhos são a minha origem.
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Escolhemos nossos amigos pela falta, por aquilo que nos falta e que buscamos no outro, para compensar, quase como uma balança. Às vezes, quando me falta um sorriso, eu busco nele.
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Eu sou filha única, ou era, até bem pouco tempo atrás. Adotado por um amigo seu, meu pai, de repente, se viu com mais um filho, daqueles companheiros, que acordam muito cedo no sábado para fazer a feira junto. Nunca soube muito bem que lugar ocupava esse irmão na minha vida, até que vi meu conceito de família ser estendido ainda mais.
Marina, filha do meu irmão adotivo, chegou de repente, sem os nove meses de preparação, sem barriga crescida, sem expectativa, sem choro. Adotada, a pequena, assim como seu pai, adotou um avô, uma avó e uma tia.
Descobri um amor que não sabia possível. E vi meu corpo se refazer para segurar uma criança.
Sentei nas margens da alegria e vi a vida raiar numa verdade extraordinária.
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A pessoa que me move está ausente.
Quando uma pessoa parte, cada um tem o seu jeito de viver essa partida. O meu, infelizmente, é através do arrependimento. Me arrependo de muitas coisas – do que fiz também, mas nesse caso, principalmente, do que não fiz. Da foto que não tirei. Vi em Janela da Alma, uma vez, que Agnès Varda, quando se deu conta de que perderia em breve o marido, se preocupou em filmá-lo, parte a parte do seu corpo, cada pedaço de pele. Voinha já tinha morrido quando eu entendi a força que aquilo tinha, mas principalmente, quando eu entendi que podia fotografar.
Talvez essa foto, mais do que um retrato, seja uma retratação. “Como eu não sei rezar, só queria mostrar meu olhar”.
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Existe algo de singular em celebrar o que move…o que se desloca. Junto com ele, experimentamos a possibilidade de celebrar o que parece estático, mas vibra intensamente por dentro, ou que está em pausa, à espera de um novo traçado de rumos. Existem os ciclos e seus desdobramentos – e o afeto que alimenta todos os seus pormenores.
Estive ao lado de Lu Cavalcanti em momentos de felicidade e em seus opostos. Estive, ainda, em instantes em que a rotina fecha os espaços de troca, nos tornando de tempos em tempos apenas observadores uns dos outros. Em todos eles, a sabedoria de suas palavras esteve intercalada por silêncios de extremo sentido, que me ensinaram muito.
Em um dos momentos mais simbólicos, eu aprendi o sentido do não que desvia o caminho. Sem querer, Lu me propôs um exercício de observar o fim de um processo como um incentivo ao retorno da busca. Fiz daquele instante uma espécie de amuleto interior…
E percebi isso hoje, quando fotografava vestígios dos lugares que lhe eram significativos, como forma de representá-la neste especial, uma vez que embora muito amigas, estamos fisicamente em cidades distantes. Existe algo de peculiar em ativar os ventos que nos fazem seguir.
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Ela tem 5 ou 6 anos. Não sei ao certo. Esperta, falante, questionadora. Gosta de desenhar, comer maçã e brincar de esconde-esconde. Um dia começou a ter sonhos ruins e não queria mais brincar, não todo dia. Não toda hora.
Ela tem 5 ou 6 anos e rasga suas fotografias.
Olhar essa criança tem me movido. É o que impulsiona e norteia as minhas escolhas e o meu ser: ser mulher, ser fotógrafa, ser Priscilla.
Mais do que olhar para essa criança, eu tenho tentado andar de mãos dadas com ela. caminhar lado a lado, como amigas, que nunca fomos. Nunca?
É o exercício diário de olhar naqueles olhos pequenos e tentar se reconhecer. E é isso que me move. Mas também é isso que me paralisa.
E esse movimento desencadeado faz a minha vida ser minha.
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Ao fim e ao cabo mulheres movidas pelo amor. lindas!
Morrendo de chorar com a beleza dos textos… Aninha, obrigada pelas belas e cuidadosas e honradas palavras e pelas fotos singelas e delicadas que acompanham elas. Obrigada por tudo! Bjs!
muito lindo, meninas! obrigada!
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Presença e ausência movendo sentimentos e a própria vida. Muito bacana tudo o que está aí. Parabéns ao Setefotografia.