Podia ficar olhando pra sempre o universo mitológico de Pierre Verger

Foto Pierre Verger

Foto Pierre Verger

Há uns bons anos, um amigo muito querido, me levou para uma exposição de Pierre Verger e são as palavras dele que melhor resumem esse encontro: eu te levei pra conhecer o babalaô e tu conheceu o fotógrafo. E foi assim que fui apresentada ao babalaô Pierre Fatumbi Verger.

Nunca consegui olhar para as imagens de Verger apenas como fotografias de Candomblé, sempre vi o babalaô, vi o Fatumbi (aquele que é renascido pelo Ifá)  compartilhando segredos e mitos.

Lembro de um trabalho que fiz documentando um terreiro em Recife. Durante uma festa me abriram uma porta permitida apenas para um número  restrito de pessoas e, quase sem pensar, fotografei um segredo do candomblé. Nunca mostrei essa foto pra ninguém, mas toda vez que vejo uma foto de Verger, é como se ele partilhasse desse segredo que eu continuo a guardar comigo.

Uma vez um pai de santo me disse que era bom a gente não mistificar demais o que já era místico e isso me fez compreender um pouco mais sobre as mitológicas religiões brasileiras de origem africana. Quando a gente lê ou ouve uma história, um mito, há sempre o risco de o entendermos de forma literal, mas se mergulharmos em suas múltiplas camadas e conversarmos com a história, veremos que ela tem muito a nos dizer, especialmente se a desdobrarmos, até compreendermos os personagens de outro lugar e com outros olhares.

Existe uma extensa mitologia dos Orixás e toda vez que eu olho para uma foto de Pierre Verger é como se ele desdobrasse um dos muitos mitos da religião. Como se o babalaô, aquele que guarda o segredo, nos mostrasse de forma matemática, assim como o racionalismo do jogo do Ifá, o universo do candomblé.

Ao olhar essa foto, observo Fatumbi Verger nos dizer de um cuidado existente na religião de múltiplos deuses, que prepara o corpo para receber o deus-orixá, que alimenta esses deuses e que dança. O cuidado com outro é algo que me encanta no Candomblé, além dos abraços e sorrisos que as pessoas trocam com os Orixás durante as festas. E é esse cuidado que me seduz nessa foto, a forma como a mulher conduz a pessoa que, segundo  minha leitura, passou por algum ritual de iniciação. Acho forte a maneira delicada como as mãos se tocam, parecendo haver entrega e confiança.

Pensando bem as fotos de Verger não revelam segredos. Ao olhar de novo para a imagem, mesmo enxergando o fragmento do ritual e o todo de quem o vive, encarnado na pessoa que é levada,  me encanto ainda mais por procurar o sagrado e não ver.

Parece que a sabedoria do Fatumbi soube revelar o ritual sim, mas o segredo do sagrado continua com quem lhe cabe.

 

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