Nos últimos dias 6, 7 e 8 de junho, durante o Pensamento e Reflexão, participei do workshop “Transformando-se em proposta: o projeto na prática fotográfica contemporânea”, ministrado pelo cubano Jose Antonio Navarrete. Residente em Miami e com uma ampla história na Venezuela, Navarrete é pesquisador, crítico e curador independente de Artes Visuais (principalmente de Fotografia), especialmente na América Latina. Os relatos sobre o workshop comporiam, a princípio, o diário de bordo. Mas decidimos que o espaço de um diálogo seria de maior contribuição aos leitores sobre todo o conteúdo abordado.
O workshop de Jose Antonio Navarrete abordou o projeto como guia para a elaboração de uma proposta criativa autoral. Foram dadas uma série de dicas e colaborações, que partilharemos aqui, sobre como transformar uma proposta em um projeto aprovável. Acreditamos que o assunto interessa a muitos fotógrafos, já que há cada vez mais convocatórias a projetos fotográficos aqui no Brasil.
Navarrete fala que o projeto, por mais que parta de algo, implica uma outra coisa que ainda não foi desenvolvida (caso contrário, não seria um projeto). Ele lembra que vivemos cotidianamente imersos na realização de projetos, no desenvolver de ações organizadas em direção ao futuro que se constrói. Todos esses projetos estão em constante mudança, são sempre adaptáveis às diferentes circunstâncias e contextos para que seus objetivos se realizem com êxito. O mundo contém muitas variáveis e elas influenciam no executar de um projeto. Ele é uma aposta de futuro, um germe de futuridade.
O professor diz que elaborar um projeto de um objeto artístico (um ensaio, uma exposição, por exemplo) é especialmente difícil, porque os artistas são intuitivos e muitas vezes só conseguem ter uma ideia mais organizada das questões estéticas que trabalham depois que elas já estão em andamento, em execução. Porém, a sociedade de projetos exige que nos antecipemos, que tenhamos claro o que queremos desde antes, mesmo embora a maioria dos artistas não funciona assim.
O projeto se destina a convencer, ele precisa se comunicar com o outro, ser claro ao receptor. Não existe um modelo padrão absoluto, pois projetos muito diferentes podem ser muito bons. Então, não é ensinando regras de como se convence ou criando padrões de formatação que funciona uma orientação geral sobre como escrever projetos, mas mostrando a partir de quais pontos cada projeto individualmente pode se valorizar.
Para Navarrete, a categoria mais importante de um projeto artístico é a poética, os princípios e regras que afetam uma obra a ser proposta. A poética é um conjunto de ideias e critérios que se relacionam com a criação. Ela pode ser uma teoria mais geral (como os gêneros, por exemplo) ou pode ser levada até o extremo individual, específico de cada trabalho.
Como se desenvolve o pensamento de um artista? Quais suas bases, suas influências? Uma obra é sempre fruto de um projeto criativo de uma pessoa ou de um grupo. Atrás de uma proposta, há declarações, emoções, referências, intenções. É preciso relacionar a poética com o projeto. É importante entender as motivações que levam o artista a trabalhar: as inquietações, os desejos, os sentidos que se constroem. Por exemplo: há artistas que querem conduzir de forma mais controlada o sentido de leitura de sua obra, mas há outros que não. Tudo isso deve estar na proposta, na descrição das intencionalidades, mesmo as mais abstratas. A poética particular é a concretização de uma proposta geral.
Na explicação da poética, é importante fugir aos clichês e ir ao que interessa sobre o trabalho em questão. Quanto mais claro, melhor. É importante esclarecer que o texto de um projeto não precisa ser poético, mas falar bem de uma poética. Não deve ser rebuscado, mas objetivo e direto. Mesmo aquilo que parece óbvio ao proponente deve ser dito, para evitar entrelinhas e mal entendidos. Quanto menos obscuro e ambíguo, melhor estará apto a ser avaliado.
Segundo Navarrete, a objetividade individual é o melhor modo de utilizar nossa subjetividade. Não importa que tipo de artista você, mas como você mobiliza sua obra de maneira organizada ao outro. O projeto deve ser sucinto, sua leitura não deve ser cansativa ao avaliador. É recomendável pelo professor que sejam evitadas contextualizações muito densas e citações acadêmicas desnecessárias. Redundâncias são um ponto bastante negativo. Uma referência teórica ou outra pode cair bem, legitimar, mas apenas se for perfeitamente encaixada à proposta e reforçá-la de maneira concreta. O projeto deve ser pertinente, mostrar que houve um cuidado e pesquisa na sua elaboração, trazer uma ideia que se mostre interessante dentro do contexto.
O curador fala do projeto fotográfico como projeto artístico com características específicas. Ele explicou que, no campo da fotografia, atuam várias instâncias e toda fotografia pode ser vista a partir do lado estético, mas nem sempre do lado artístico. Para o professor, o campo artístico possui tensões com o campo fotográfico, e é possível transitar pelos dois a mesmo tempo, mas eles não se confundem. Ele fala sobre o assunto para dizer que atualmente há uma tendência de estetização do arquivo fotográfico, por exemplo, mas que nem sempre esse tipo de projeto traz um viés artístico pertinente. Trabalhos fotográficos podem ir do mero registro exposto a uma instalação complexa.
A partir dos anos 60, a fotografia se firmou como processo de registro de acontecimentos artísticos, como forma de fazê-los visíveis a outros espaços e como forma de documentá-los. O desenvolvimento desse tipo de trabalho, visto do ponto de vista processual, pode ser interessante artisticamente, e nem sempre o mais importante é o resultado final. Assim, o projeto artístico, nesse caso, também deve buscar propostas de valorizar o processo. O pode ser apenas documental, mas, se valorizado em um bom projeto, pode se converter em um metadiscurso sobre a arte, a fotografia e sua reprodutibilidade. Discute-se a própria linguagem em questão e sua complexidade.
Foi nas décadas de 60 e 70 que se iniciou uma preocupação de identificar a proposta das obras artísticas. A noção de receptor ganha força e entra nos estudos da arte. Percebe-se que o espectador da obra também fabrica sentido, que a obra é aberta, possui múltiplos lados. Pensar a obra como proposta reforça essa abertura e alimenta a ideia de que a prática artística também pode se desenvolver como projeto, pois todo projeto é uma proposta. O projeto é o desenvolvimento da compreensão de um processo. E no meio da arte é tudo muito recente em relação a projetos, convocatórias e financiamentos organizados.
Navarrete destaca a importância de colocar fotos e imagens no projeto. Quanto mais os avaliadores puderem visualizar a proposta, melhor. Mas sempre lembrando que a proposta deve casar com o que se vê. Em trabalhos que ainda não foram iniciados, é possível ilustrar o projeto com outras imagens que se relacionam com a proposta ou trabalhos anteriores do artista. Navarrete lembra que, se há um limite no número de imagens que se pode enviar, é preferível que se mostrem mais imagens de um ou dois projetos, do que que se faça uma apanhado muito geral com fotos muito variadas de trabalhos diferentes e que não expressam a narratividade da construção mais completa de um trabalho, pois ela é fundamental para comunicar a proposta autoral. Além disso, ele lembra que é possível simular digitalmente propostas futuras (como montagens de exposições) em imagens e que este recurso é importante e muito positivo.
Navarrete também tratou de questões bem menos poéticas que envolvem a elaboração de um projeto, mas tão importantes quanto. Um projeto tem que suprir as carências dos editais, muitas vezes mal elaborados. Se alguma coisa não está clara no edital, ela deve ser questionada. Um projeto implica na organização do tempo e das atividades que serão desenvolvidas, ou seja, na elaboração de um cronograma que seja apto a cumprir com eficácia a proposta. Tudo deve estar discutido e planificado. Todas as funções e equipes devem estar claramente orientadas em um plano de trabalho. Devemos descrever pontualmente até aquilo que nos parece óbvio. Os passos de execução do projeto devem estar precisamente definidos.
O orçamento é outro ponto do projeto que deve estar bem elaborado. É preciso estar coerente com os valores do mercado e ter em conta os impostos. Cada cena, cada contexto possui uma maneira de fazer esses cálculos. É preciso conhecer os sistemas legais que regem o contexto de cada edital, principalmente os sistemas tributários. Muitas vezes, até a forma de rendimento do dinheiro exigida depende de cada convocatória.
Na hora de elaborar o orçamento, Navarrete lembra que um projeto não serve para manter uma pessoa, mas para executar algo. Não se deve incluir questões trabalhísticas e salários, por exemplo. O que há, são valores calculados especificamente para a execução de uma função predeterminada dentro daquela proposta temporária, pontual. Para facilitar os cálculos, alguns órgãos, como o Ministério da Cultura para a Lei Rouanet, disponibilizam tabelas que servem como referência de valores pagos a curadores, proponentes, artistas, etc.
O professor também destaca que, em convocatórias de grandes empresas, a comunicação deve ganhar destaque no projeto. O marketing é fundamental, por isso, detalhes sobre aplicações de marca, a distribuição, a divulgação e a quantidade de dinheiro destinada a essa área conta muito na aprovação de projetos.
Na maioria das convocatórias, há várias equipes de avaliadores: aqueles que olham a qualidade artística do projeto e aqueles que olham partes mais burocráticas. É possível que algumas comissões peçam revisão de orçamento ou documentação, por exemplo, caso o projeto seja bem visto como proposta, mas possua falhas de elaboração. Por isso, em muitos casos, há pessoas experientes que são pagas para elaborar projetos. Mesmo durante e após a execução de um projeto aprovado é preciso organização: a prestação de contas e a avaliação devem ser apresentadas de acordo com as regras.
Como vimos, editais e convocatórias de financiamento de projetos são fenômenos recentes e em constante mudança – nada disso existia há mais de 30 anos. Os aparelhos culturais criam novas formas de atuar sua institucionalidade. Segundo o cubano, é preciso conhecer bem os interesses das instituições e adequar-se a eles – não devemos gerar esforços que se perdem e resultados frustrantes.
Enfim, é sempre bom termos nossas ideias e propostas contruídas como projetos, na hora de buscarmos apoio para realizá-las. Um bom projeto pré-formatado é uma carta na manga para diversas convocatórias. Há vários editais, regionais, nacionais e internacionais, que abrem oportunidades para projetos na área fotográfica, mas, muitas vezes, eles permanecem ociosos, por falta de uma participação mais ativa dos fotógrafos e seus proponentes. Vamos acordar para as formas de viabilização de nossos trabalhos. Busquemos nos informar e nos capacitar para defender nossas propostas. Para finalizar e nos deixar com um gostinho de vontade, Navarrete, recomenda a plataforma do E-flux, que compila e divulga várias convocatórias internacionais. Agora é só acompanhar esses e outros canais e colocar a mão na massa.
Esse Navarrete é a cara do Paulo Batelli aqui do Rio:
https://www.facebook.com/paulo.batelli.7?fref=ts
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