Uma história debaixo do braço. Um vazio que a gente insiste em tentar preencher com alguma coisa imaginária – “Ah! Essas bagagens, essas bagagens!”… Elas insistem. O movimento. A vida que atravessa. As viagens… O que queremos? O que buscamos? Quem “buscamo-nos”? … No final, o que resta não é o pó, mas as imagens.
Uma das mais intrigantes noções trazidas por Freud (além do insconsciente) é a da pulsão de morte, que Lacan desenvolveu um bocado. Psicanálises à parte, não podemos negar essa nossa tendência ao inorgânico, ao inanimado, ao vazio. Só lá está o nosso gozo maior, onde não há mais nada: nem lembrança ou memória, nem tentativa de imaginar, nem buscas ou encontros, nem fantasias, nem frustrações ou esperanças, nem movimentos, nem mágoas ou angústias, nem sonhos. Só as imagens, ali, congeladas. Não há mais aonde chegar. Gozamos pequenos prazeres passageiros no caminho da vida. Mas o alívio definitivo, só quando acabar a vida.
Aqui, imagens sem personagens, imagens de qualquer um, de todos e de ninguém, imagens do nada (e que dizem tudo). Sem questionamentos sobre “de onde eu vim, pra onde vou”. Só o silêncio. Aquele silêncio bem cheio daquilo que ecoamos nele.
Ausländer significa “estrangeiro”, em alemão. Pronto. Não vou falar mais nenhuma palavra sobre o processo de realização deste ensaio de Pri Buhr (você pode saber mais por aqui, no Portfólio em Foco). Quem quiser que se perca, que se encontre. Quem quiser que mergulhe ou que trave. Eu apenas olharia pra sempre.
Olharia pra sempre porque as três fotos são, na verdade, uma só (o tríptico é isso, né?) e elas falam de mim. Porque esse “lar-infinito-estilhaçado” sou eu. Olharia pra sempre porque é de uma suavidade que grita e de um simbolismo que pulsa. Eu choro e não sei de quê – na verdade, até sei de alguns motivos que me cabem. Olharia pra sempre porque também sou estrangeira, mesmo quando me procuro naquilo que acredito ser o mais essencial de mim. Olharia pra sempre porque Pri sou eu, e eu me emociono ao ver essas imagens que o movimento da vida dela pariu, para ela mesma, para mim, por nós todos que partilhamos dessa coisa maluca que é viver, mas que, na verdade, somos mesmo é esse vazio e esse silêncio, que não se preenchem nunca por completo, só para que continuemos nos movendo. Eu olharia para sempre porque essa imagem prova para mim mesma que eu sinto. Ela é revelação. Viver é buscar a morte. E as imagens, as imagens…
Costumamos jogar nossos afetos às imagens que retratam as pessoas que amamos, os lugares em que vivemos, as coisas que experimentamos. E quando conseguimos jogar toda essa carga afetiva na fotografia do Outro, naquilo que não vivemos necessariamente, mas que estranhamente sentimos como nosso? Ausländer é isso pra mim. Prazer e angústia. E acho que pra Pri também. Ambas, por vários motivos atravessados (inclusive o meu amor por ela). Mas eu ao fruir, ela ao construir. É uma simulação do que significam aquelas imagens que não fizemos, que perdemos, que simplesmente sumiram da nossa memória ou do cartão de memória. É um resgate. É como olhar-se no espelho: estou ali. Inseguro, incerto, mas estou. Estou? Será que eu sou aquilo que eu me projeto? Reconhecer-se é tão “sem palavras”. Quantas coisas eu vejo, mas principalmente grita aquele que sempre permanece – o vazio-, e essa bagagem, que eu carrego e que insiste, insiste, insiste…