Na quinta-feira houve, pela manhã, a segunda seção do GT Futuros da Fotografia, com apresentações dos trabalhos de Antonio Fatorelli, Francisco Sá Barreto, Isabella Valle (eu mesma ;p) e Eduardo Queiroga, numa mesa mediada por Benjamim Picado. Contamos com a colaboração da querida Juliana Leitão no relato das atividades da manhã. À tarde, presenciamos um diálogo entre Alexandre Severo, que mostrou o trabalho que desenvolve no sertão, e Ronaldo Entler, que trouxe várias reflexões à questão. Eu e Pri Buhr falaremos um pouco sobre como foi. Então, vamos lá:
Segunda sessão do GT: Futuros da fotografia, por Juliana Leitão
Modalidades de inscrição temporal nas imagens fotográficas. – Antonio Fatorelli, UFRJ.
A proposta trazida foi debater o cânone do instantâneo, conversar um pouco sobre esse lugar entre a fotografia e o cinema sem separá-los como o lugar da imagem estática e o lugar da imagem em movimento. Vários autores, obras, textos foram citadas, como é o caso do Dubois pós-“Ato Fotográfico”, Manovich, o “Entre imagens” de Bellour e Change Mummified de Philip Rosen. Fatorelli trata dos artistas que estão nesse lugar intermediário e diz que o formato canônico são formas recalcadas pela história do meio. E, para discutir a temática, mostra um quadro vivo, uma vídeo instalação de Sam Taylor Wood intitulada “The Last Century”, nem cinematográfica nem fotográfica. A cena é uma fotografia, com exceções ao código fotográfico: um olho que pisca e uma fumaça que não para de se desfazer no ar. Com o trabalho de “Sections of a Happy Moment” de David Claerbout, abre-se uma discussão sobre deslocamentos tradicionais.
O dispositivo fotográfico, o contemporâneo e a fratura do tempo: Um ensaio a partir da produção fotográfica Inframargem. Margens de Um Mundo Infravermelho, de Gustavo Bettini. – Francisco Sá Barreto e Izabella Medeiros, UFPE.
Em uma discussão sobre a experiência do contemporâneo nas fotos de Bettini, diálogos com autores como Agambem, Nietzsche e Benjamim, Francisco debateu a narrativa fantástica, a fratura e desconstrução do familiar e não familiar, a estabilidade e instabilidade. As fotos de Bettini mudam um princípio fundamental de seus lugares: as cores. O Prof. Fatorelli depois traz uma complementação ao trabalho, lembrando que o infravermelho serve para mostrar o que a vista não alcança, o ocultamento, a opacidade da imagem, talvez aí resida a resida a questão do uso dessa tecnologia específica e essa escolha de observação.
Futuro ancorado: a questão das interfaces na exploração criativa da fotografia digital. – Isabella Chianca Bessa Ribeiro do Valle, UFPB.
A imagem vista a partir de um debate sobre a utilização de processos digitais por meio de elementos vindos do processo analógico, o photoshop e o lightroom foram vistos a partir das ferramentas que apresentam e que copiaram dos processos de revelação, de captação, de exposição da luz e aplicam essas linguagens a suas ferramentas. A imagem digital formada de “0” e “1” não é revelada, é apreciada a partir do simulacro digital. Usa Arlindo Machado, Manovich, a partir da utilização de fotos diferentes em vários aspectos usando filtros do photoshop a autora discutiu como existe uma padronização da imagem digital, como ela reduz elementos iguais a fotografias diferentes que ficam com o mesmo aspecto. A discussão avança quando ela mostra trabalhos de fotógrafos que esgarçam as fronteiras e se recusam a resumir as potencialidades do seu trabalho às tais ferramentas dos softwares que dizem como agir, como é o caso de Felipe Cama, com “Acervo”, e “Carnaval”, da Cia de Foto.
Transparência e opacidade: uma porta para a autoria na fotografia. – Eduardo Queiroga, UFPE.
Queiroga trouxe a sua pesquisa de doutorado para a mesa de debate e questiona o que pode ser chamado de autoria na fotografia documental, terreno difícil que ele busca informações em outras linguagens. Parte do texto “El Estilo Documental” (Olivier Lugon) e complementa com “A Morte do Autor” (Roland Barthes) e “O que é um Autor” ( Michel Foucault). A partir da observação das práticas na produção do FSA, que revelou grandes fotógrafos da História da Fotografia Americana, mostra como ocorreu uma separação dos arquivos feitos a partir da consideração de que algumas imagens são documento e outras artísticas, umas catalogadas a partir do assunto e outras a partir dos autores. Queiroga traz duas fotografias da mesma porta, da mesma rua em período próximos e mostra como obtiveram destinos distintos, assim receberam estatutos de arte e documento cada uma. Fazem parte de regimes de visibilidade distintos. Na fala, Queiroga debate também como a autoria nasce com a obra. Benjamim Picado debate questões de estilo e de autoria e diz que a obra inteira e as outras imagens relacionadas à que especificamente ele trouxe para o debate talvez expliquem os destinos distintos dados às fotografias de Walker Evans e Arnold Moses da casa 204 da rua 13 em Nova York.
Assim, seguiu-se o debate com o público. Várias questões sobre as relações entre fotografia digital, analógica e contemporânea foram discutidas, como também a questão do dispositivo.
À tarde o encontro começou com o fotógrafo pernambucano Alexandre Severo, que trouxe um diálogo sobre trajetória, travessia, entrega e buscas. Um caminho ao encontro do sertão iniciado na construção da reportagem especial Os Sertões, publicado em 2009 no Jornal do Commercio, em que Severo, junto com a repórter Fabiana Moraes, passou 1 mês em busca da identidade dos sertanejos, um povo em que a terra é determinante em seus caminhos, seus anseios. Os Sertões, foi o trabalho do ponto de partida. Das quebras de amarras do fotojornalismo, do momento em que o fotógrafo arrisca e vai além, mas, mais do que isso, os Sertões, fez Severo olhar para aquele sertão como um retrato de si mesmo, de suas próprias dúvidas.
E sua fala então, caminhou para o encontro de algumas respostas, onde o fotógrafo tem buscado em seu novo trabalho – ainda sem nome – sobre o sertão (que será apresentado como projeto de conclusão de curso da Pós Graduação em Fotografia da FAAP). Um ensaio sobre a seca, uma outra seca, a que vem de dentro, que nasce dentro do fotógrafo e se revela nos rastros deixados na terra, nas casas, na vegetação que Severo fotografa. Geograficamente falando, Severo poderia está fotografando qualquer lugar, o sertão, aqui, nesse contexto, soa mais como um estado de espírito do que como um espaço. A paisagem ali se apresenta como um autorretrato, é um pouco do vazio que existe na pessoa, nas relações, nas rupturas, ou como o próprio fotógrafo pontuou: “fui buscar a seca na paisagem, mas percebi que, na verdade a seca estava dentro de mim”. Severo falou de seus processos de criação, agora, em outra perspectiva, fotografando para si mesmo, por si mesmo e que o levam a pensar em como atuar como fotógrafo contemporâneo. Um questionamento talvez muito presente entre fotógrafos que saem das redações e começam a buscar caminhos de mais respiro, de mais entrega ao próprio trabalho, de quebra com o compromisso com o referente e assim, passam a contar histórias, ou não-histórias revelando camadas e sugerindo. Uma mudança que vai além da forma como se fotografa ou com o novo objeto de busca do fotógrafo. É uma mudança da forma de ser e estar no mundo e de se perceber dentro de um processo de construção. As fotografias do novo trabalho de Severo, apresentadas durante sua fala, dizem muito sobre esse percurso e essa busca.
Depois, Ronaldo Entler trouxe um paralelo entre essas fotografias de um viajante que vai ao sertão (como o caso de Severo) com os Road Movies. Entler citou “Cinema, Aspirinas e Urubus”, “Deserto Feliz”, “Árido Movie”, “Olhe pra mim de novo” e “Viajo porque preciso, Volto porque te amo”, na intenção de expor como esses filmes abordam o mostrar algo em trânsito, em velocidade, assumindo uma experiência fragmentária da transitação. Para ele, esse caráter de ser estrangeiro, de contar uma narrativa pessoal paralela ao que as imagens mostram, caracteriza esses filmes e as fotografias de Severo – uma experiência de alteridade. Entler enfatiza que a fotografia é um lugar historicamente construído, onde você se situa para falar de alguma coisa, um lugar para pensar uma experiência qualquer. E questiona: “por que uma rua de São Paulo não pode representar bem uma situação de sertão possível?”. As referências estão todas no imaginário.
Num segundo momento, o pesquisador relembra o método lombrosiano, de Bertillon, da tradição policial, de se fazer uma fotografia que se pretendia direta, caracterizando a identidade do retratado com fotos de fundo neutro, iluminação padrão, poses de frente-perfil. Para Entler, Severo desconstrói tudo isso em seu trabalho Os Sertões. Ali, a referência serve para desconstruir. O que Severo quer mostrar é o que Lombroso acreditava apagar. A estratégia de revelar o dispositivo, de mostrar o que está por trás de um simples retrato 3×4, abre o discurso para os retratados, que vão além de personagens estereotipados.
Entler também traz outros exemplos intrigantes, como o trabalho “Paisagens Invisíveis”, de Sinval Garcia, e “Desejo Eremita”, de Rodrigo Braga, além de reforçar as características da própria exposição do Café Com Gelo, trazida pelo Theória. O quanto uma experiência ficcional tem de poder referencial em relação à realidade? Para o professor, temos uma visão muito ortodoxa do documento, que deve ser relativizada, pela própria virtualização da imagem fotográfica e pelos contratos culturais, que podem ser renegociados. Entler defende o “entre-lugar”.