O terceiro dia de GT do Theória contou com as apresentações de Marcelo Feijó, da UNB, Fábio Gomes Gouveia, da UFES, Leandro Pimentel Abreu, da UFRJ, e Camila Leite de Araújo, da UFPE. A mesa foi mediada pelo doutorando da UFPE João Guilherme Peixoto.
O trabalho de Marcelo Feijó é intitulado “Reflexos de um futuro anunciado nos primórdios da fotografia digital”. O pesquisador faz uma revisão do que se esperava, há 20 anos, quando a fotografia digital estava começando, do que seria esse futuro fotográfico. Feijó lê uma matéria de jornal de 1994, em que se falava do fim do analógico nos próximos 10 anos. Em seguida, ele leu uma resposta de um leitor, fotógrafo, que dizia que se suicidaria caso o analógico acabasse. A partir dessas indagações do passado sobre o futuro da fotografia, o professor inicia uma série de reflexões sobre o conceito do que é “fotografia”, que é constantemente modificado, desde os primórdios. Questões como manipulação, documentação, materialidade, memória tangem o fotográfico. Será que ultrapassamos o dilema da década de 90? Como a fotografia digital se estabeleceu?
Fábio Gouveia trouxe um trabalho escrito em parceria com a pesquisadora Lia Scarton, da UFRJ, chamado “As pesquisas de dados e a questão da abundância de imagens: relações entre ciência e arte”. Na apresentação, o pesquisador falou um pouco sobre o laboratório em que trabalha em Vitória e os métodos que utilizam para estudar as fotografias como dados. O objeto de estudos do Labic da UFES são os Big Data. No laboratório de cibercultura, eles trabalham com as imagens que circulam digitalmente. Baseados nos projetos de mapeamentos do Lev Manovich, nos EUA, eles catalogaram todas as fotos que circularam sobre os protestos de junho, no Espírito Santo, a partir de hashtags no facebook e no twitter. No mapeamento, criaram ma cartografia das publicações, com gráficos de desvendam os caminhos seguidos pelas imagens e as informações que elas carregam. Para Fábio, essas imagens numéricas vistas em conjunto com o todo representam o acontecimento. No digital, não é uma foto que será ícone de um fato, mas todas as milhões de imagens que giram em torno dele, juntas, em complementaridade e em seus contextos de distribuição e visualização.
Leandro Pimentel apresentou o seu “A montagem das assinaturas nos arquivos de fotografia e coleções”. Baseado em conceitos de Benjamin e Agambem, Pimentel mostra e analisa fotografias dos fotógrafos Augusto Malta e Cesar Barreto que retratam construções que foram derrubadas no Rio de Janeiro. O registro encomendado do desaparecimento dessas memórias de paisagem mostram a agressividade na imposição de projetos urbanísticos na cidade do Rio. Para o pesquisador, essas pré-ruínas são uma cartografia de uma cidade em desaparecimento, assim como fez Atget em Paris. Pimentel fala que é sempre possível retornar e revisitar um arquivo, ressignificando-o. Essas fotografias encomendadas funcionam como representação da desmontagem, remontagem e nova exibição do mundo. Para ele, é possível criar relações de semelhanças entre os lugares diferentes e compreender uma cartografia do percurso. O professor cita ainda trabalhos de Anna Mariani, Leila Danziger, Rosângela Rennó, Hans Eijkelboom, entre outros, sempre refletindo as contaminações na arte contemporânea.
Por fim, Camila Leite apresentou seu artigo “O desejo de fotografias: Bayard e seu autorretrato de mentiras e bronze de verão”. A pesquisadora reflete sobre esse desejo que todos temos de nos retratar. Baseada em Batchen, ela acredita que é preciso questionar o início da história da fotografia para entender sua trajetória. Muitos teóricos colocam a fotografia no campo da documentação, mas, para Leite, a multiplicidade de discursos, que hoje é foco da fotografia contemporânea, já estava presente desde o nascimento da fotografia. Citando Rouillé e Soulages, ela baseia seu discurso de que a fotografia é também um lugar de encenações, performances e mentiras, lugar de se colocar como objeto, observador e autor.
À tarde, o fotógrafo Fred Jordão e o pesquisador Antonio Fatorelli ampliaram ainda mais os temas refletidos no encontro. Fred mostrou seu trabalho recentemente publicado no livro “Sertão Verde”. O fotógrafo fez um apanhado sobre o imaginário do sertão seco, reforçado pela literatura, cinema, artes plásticas, música e movimentos como o cangaço e o sebastianismo. Em suas viagens, Fred conheceu um sertão verde, cheio de água, que não povoava a mente das pessoas de forma geral. O projeto do livro veio para propor essa quebra, esse novo imaginário. Baseado nos livros de Robert Frank e Walker Evans (The Americans e American Photographs), ele mostra um sertão com cores, energia elétrica, motocicletas, parabólicas, flores e alegria, seguindo o conceito proposto por Durval Munis, no livro “A invenção do nordeste”.
“Sertão Verde” reúne fotografias produzidas ao longo de 15 anos. Um trabalho que o próprio Fred define como fotografia do real, naturalista. Imagens “cruas”, sem grandes truques de pós produção, uma escolha feita pelo fotógrafo (que tem um extenso trabalho com experimentações na pós produção de seus trabalhos) para realçar o caráter único daquele sertão tão diferente do clichê tão explorado do seco e da dor. As cores explodem e nos contam novas histórias de um sertão vívido. Fred explica: a chuva divide esses dois sertões tão distintos e tão iguais. Assim como o sol reina na pedra e poeira, o seu avesso, a chuva, abre um novo ciclo de vida, reconecta e acelera o que parecia silencioso e inerte. Xico Sá, escritor pernambucano e grande amigo do fotógrafo, escreveu sobre a força dessa chuva, sobre o sorriso que vem do verde e faz esse livro ser um grande documento, um grande relicário de um sertão que parece ainda mais distante em nosso imaginário.
“Vem ou não vem a danada. Os mais novos esperavam afobados; os mais antigos sabiam que tudo tem o seu tempo, independentemente das previsões ouvidas no rádio ou das leituras do almanaques. Era uma sabedoria de um sertão para lá de zen-budista.
Até que ela vinha, inevitavelmente, um dia. A chuva. Sua majestade, a chuva, prenúncio de inverno sob os olhos ainda desconfiados de todos aqueles sertões, ali quando a serra quase mistura Ceará e Pernambuco.”
Fred Jordão | Pri Buhr
Antonio Fatorelli traz novamente questões que envolvem a fotografia digital. Para ele, as possibilidades de hibridismo e multiplicidade do digital têm reforçado e revisitado as experimentações analógicas. Ele critica o que chama de utopia do digital, uma idéia que aborda a imaterialidade numa suposição de que o digital independe do aqui e agora, de uma materialidade. Ele defende a abordagem da experiência. Para Fatorelli, há uma fantasia da abstração absoluta, trazida por Youngblood em Expanded Cinema. Ele acredita, por mais que a fotografia digital traga algumas diferenças no modo de produzir, manipular e consumir fotografia, que a codificação do digital assume o código da perspectiva, dando uma linha de continuidade ao analógico. Ele diz que nos defrontamos muito mais com uma fotografia digital que parece com a emsma fotografia analógica do que com as experimentações numéricas que desmaterializam, dessensibilizam e tiram a densidade da experiência da fotografia. Na prática, os usos continuam os mesmos, de forma geral, baseados nos modelos da perspectiva.
O pesquisador sugere que a utopia digital vem de mãos dadas à utopia documental e que ambas devem ser superadas. O que é fotografia? Fatorelli diz que é preciso pensar menos ontologicamente e mais fenomenologicamente. Diz também que a categoria de signo não dá mais conta dessa singularidade do fotográfico. Para ele, é preciso misturar Flusser com Barthes, a codificação com a experiência, e trazer o sensível para pensar a técnica.
Fatorelli diz que há um circuito crítico que tenta desmascarar o artifício fotográfico e afirmar as mediações da linguagem, mas que hoje o lugar da crítica deve estar em outra questão. É preciso compreender onde está a dimensão da experiência e da presença no digital. É preciso mergulhar nas zonas de contato do analógico com o digital. Na verdade, é preciso entender as imagens que fazemos hoje, para além das questões de com que técnicas elas foram feitas. Precisamos pensar, para Fatorelli, em linhas de continuidades e não de rupturas.
Após as palestras, houve o pronunciamento final de Ciema Mello, do Museu do Homem do Nordeste/ Fundaj, propondo novos caminhos para o Theória do próximo ano, que deve versar sobre a questão das “diásporas”.
Em seguida, tivemos a primeira aula do curso do professor Joaquim Marçal sobre “A Imagem fotográfica no livro e na imprensa periódica no século 19 e início do século 20”. Falaremos mais sobre o curso todo amanhã.
Por fim, todos celebramos na noite da sexta-feira o lançamento do livro do professor Antonio Fatorelli, “Fotografia contemporânea – entre o cinema, o vídeo e as novas mídias”.