O número 149 da Av. Paulista ficou um tanto esquizofrênico nos últimos dias, entre português, espanhol, portunhol, inglês, espanglês e outros quantos dialetos inventados para permitir a comunicação entre os participantes do III Fórum Latino-Americano de Fotografia, realizado de 16 a 20 de outubro, no prédio do Itaú Cultural, São Paulo.
Um time incrível de fotógrafos, curadores, editores, pesquisadores, amadores e profissionais da fotografia brasileira, uruguaia, paraguaia, mexicana, espanhola, chilena, argentina, peruana, boliviana, venezuelana, equatoriana, colombiana, dominicana, guatemalteca, e ainda, americana, francesa, russa e outras mais (porque com certeza estou deixando de citar algum país participante e por isso peço desculpas) estiveram circulando, conversando, debatendo, aprendendo, questionando-se, conhecendo-se, trocando contatos, informações, livros, dicas, dúvidas, sugestões e etc, etc, etc. Um clima gostoso de encontros, descobertas, vivências e aprendizado reinou durante os 04 dias em que se reuniram tantas nacionalidades diferentes baixo um mesmo mote: discutir a fotografia Latino-Americana.
Digo, com muita satisfação, que o clima deste Fórum foi um dos mais instigantes que já vivenciei em termos de eventos. Com atividades nos 03 horários, foi intenso e proveitoso, não havia lugar para cansaço, as atividades foram bem pensadas e distribuídas. Mesmo com um cronograma bem ocupado com workshop, leitura de portfólio, palestra/debate, entrevista, encontro de gestores, exposição e feira de livros, havia sempre espaço para uma boa conversa com um conhecido, ou para fazer novos contatos.
A curadoria do fórum, sob responsabilidade de Iatã Cannabrava (BRA) e Claudi Carreras (ESP), ambos diretores do Estúdio Madalena, foi muito feliz na composição da grade da programação do evento, as atividades foram construtivas e agregadoras, formadas por excelentes nomes da fotografia nacional e internacional, instigaram bons debates e a participação constante do público, para o qual devo dar um destaque especial. A plateia, em grande parte por estar formada por um público estrangeiro que estava na cidade em virtude do festival, manteve-se durante todos os dias bem ocupada e com a presença de nomes ilustres que intensificaram a troca de alto nível, levantando sempre questões muito pertinentes, fazendo colocações e comentários que possibilitavam o desdobramento das questões levantadas pelas mesas, feito que infelizmente nem sempre é alcançado neste tipo de evento.
Durante as 03 primeiras manhãs tivemos o Encontro de Gestores, sem dúvida um dos pontos altos desta edição do evento, onde diversos cases, de diferentes tipos, naturezas (festivais, coletivos, feiras de livros, editoras…) e países foram apresentando suas experiências, dificuldades e desafios na produção cultural em fotografia e artes visuais. Foi um momento extremamente enriquecedor, obviamente nós já sabemos que a luta é árdua, enfrentamos basicamente os mesmos tipos de dificuldades em todos os países da América Latina, especialmente no que diz respeito aos entraves de financiamento e captação de recursos, assim, as parcerias (públicas, privadas, com outros gestores e espaços de articulação alternativos, com o próprio público e etc) e projetos empreendedores que buscam outras formas de se estabelecer foram algumas das possíveis chaves levantadas. A formação de redes, um dos pontos mais abordados durante todo o Fórum, apresentou-se como a alternativa mais urgente. O próprio Fórum, em si mesmo, se apresenta muito claramente com essa finalidade e função.

Julieta Escardó (ARG), Juan José Estrada (GUA) e Tiago Santana (BRA) | III Fórum Latino-Americano de Fotografia | Divulgação
Como dito pelos palestrantes da mesa de abertura, todos nós agentes da fotografia, precisamos entender que estamos falando de um campo de conhecimento que se insere num campo ainda maior: o da política cultural Brasileira e Latino-Americana. Assim, temos a responsabilidade de entender esse universo mais complexo de ação e o compromisso de pensarmos a construção desse espaço. É fundamental compreendermos o encadeamento das questões que envolvem a produção fotográfica, do micro ao macro, desde o fazer fotográfico em si, a todas as outras etapas que se seguem e que refletem direta ou indiretamente umas nas outras para o crescimento e disseminação da fotografia.
A primeira mesa então já nos alertava para a responsabilidade de realizarmos ações duradouras e de longo prazo para a construção de um campo cultural efetivamente produtivo e consolidado, enfatizando que precisamos parar com a cultura dos “eventos”, ocasionais, eventuais, pontuais, ações com começo, meio e fim, que se encerram sem deixar frutos.
Das muitas questões abordadas durante o Fórum, que trazia o tema: Sociedade/ Classes/ Fotografia, algumas temáticas povoaram com mais força os debates: identidade, consumo, estereótipos, tradição, representação e poder. Em perfeita consonância com a Exposição Fotonovelas, tão polêmica quanto instigante, que se propôs a mostrar uma outra vertente menos vista, um panorama social e econômico da crescente classe média latino-americana, retratada por ninguém menos que essa própria classe (o estrato social de onde vem a maior parte dos fotógrafos apresentados). A ousada intenção dos curadores, os próprios Claudi e Iatã, é contrapor a imagem dogmática de denúncia e pobreza que marcou a América Latina, apresentando trabalhos vigorosos de 25 artistas de vários pontos do continente, na tentativa de rascunhar um entendimento do processo de mudanças que vivemos, de entender de que lugar falamos e como queremos ser ouvidos. Um ponto de vista que rende muito pano pra manga…
Deste provocador e inquietante III Fórum Latino-Americano de Fotografia ficaram mais dúvidas e questionamentos do que verdadeiramente conclusões, uma pergunta sucedeu a outra, suscitando inúmeras outras questões e incertezas, sem esperar por respostas, nos estimulando a pensar:
– o que define a fotografia Latino-americana?
– há uma estética da fotografia latino-americana?
– há uma identidade comum a estes países?
– sabemos quem somos e como queremos ser vistos?
– quais os caminhos para uma maior integração entre os agentes da fotografia na América Latina?
– quais os desafios a essa unificação?
– qual o lugar da fotografia numa América Latina em pleno crescimento?
– qual imagem de América Latina queremos construir?
O Fórum, em sua terceira edição, se consolida como espaço de compartilhamento do saber, de intercâmbio, networking, articulação, de interação da Fotografia Latino-Americana, e propõe o desafio de percebermos essa integração como força política, cultural e econômica.
Admito ainda estar processando tudo o que vi, vivi, ouvi, entendi e não entendi deste Fórum. Levarei algum tempo para digerir suas informações (ainda bem, nada fast food, por favor!), esse é, na verdade, o maior legado deste fórum, o desafio de fazer pensar fora da caixa e além do umbigo, fazer com que tentemos nos situar e encontrar o nosso espaço num mundo tão complexo e controverso, tão cheio de identidades que ainda não se sabem traduzir, repleto de poderes, de tantos tipos, que não sabemos como nos posicionar e utilizá-los a nosso favor. Enquanto seres humanos, fotógrafos, produtores de imagens, pensadores, empreendedores, gestores, produtores e agentes de transformação temos papéis a cumprir, não há como negar, e um deles é o de pensar coletivamente a América Latina e o papel que desempenhamos a partir deste lugar.
P.S. O site do Fórum mantém um conteúdo super rico, com portfólios, entrevistas com autores, relatos das atividades do evento, artigos e muito mais. Vale a pena conferir.
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Exposição Fotonovela: Sociedade/Classes/Fotografia
Itaú Cultural. Av. Paulista, 149. 3ª a 6ª, 9h/ 20h; sáb, e dom., 11h/ 20h. Grátis. Até 22/12.