Podia ficar olhando pra sempre esta foto de Duane Michals

This photograph is my proof", Duane Michals, 1974

Muito antes de pensar em fotografia, a língua foi a minha primeira paixão; de pequena mesmo, do tempo em que os livros tinham mais figuras que letras e de quando minhas frases eram sempre curtas. O poder de desenho de uma palavra sempre me inspirou a escrever, mesmo que sem domínio completo, como quem cumpre, sem questionar, a necessidade de dizer algo.

Quando comecei a estudar inglês foi que percebi o quanto as línguas e todas as outras coisas estão tão interligadas no tempo e no espaço. Lembro que via com muito espanto qualquer descoberta de conexão entre o inglês e o português, uma palavra e outra, como se aquelas letras pudessem, juntas, explicar o mundo todo.

Falo isso porque sei bem do alumbramento que me causou a palavra “move” (do inglês) quando descobri que além de significar mover, também poderia ter o mesmo sentido que emocionar. “i’ve always been moved by photograph”, sempre fui tocada pela ou sempre me emocionei com a fotografia. e o que me intriga mesmo é essa relação tão forte entre emoção e movimento que a palavra cria, como quem diz que o que nos emociona nos tira do eixo, se impõe no nosso caminho e nos empurra a outros percursos.

o que me emociona me move.
é verdade.

Se eu pudesse criar uma tradução para a palavra “move” em fotografia, acho que no meu dicionário eu colaria essa foto de Duane Michals. A imagem mostra um homem e uma mulher, sentados lado a lado numa cama, quase de costas para o fotógrafo. A mulher abraça o homem, o seu corpo todo projetado, colado ao corpo dele, quase segurando-o – ela olha a câmera com a serenidade de quem não se espanta, como quem sabe. O homem, de costas para ela, tem o braço esquerdo encostado à perna esquerda – olha a câmera com felicidade, desprevenido. Essa imagem move a todos nós, a quem a possuiu e a quem a vê hoje. O título da fotografia diz: “This photograph is my proof”. Essa fotografia é a minha prova. Mesmo que uma fotografia não seja prova de nada.

Numa entrevista para o programa Visions and Images, Duane foi comparado a um contador de histórias, um contista que escreve seus contos visualmente. É como se suas imagens, em ensaios ou solitárias, contassem casos e histórias que dependessem de quem as vê para serem reimaginadas. Como quem faz em fotografias as mais belas canções, capazes de projetar nossas vidas inteiras.

Porque um trabalho de arte não fala sobre algo ou alguém, mas antes de qualquer coisa, fala sobre nós, nós que estamos vendo a imagem depois de pronta, ou nós que estamos fazendo a foto. E Duane diz que é importante buscar saber quem você é: quem é essa pessoa sentada nessa cadeira agora? como isso ocorreu? como ela foi parar ali?

A fotografia é o que o guia por tal percurso – esse trajeto que percorremos desde que nascemos e que pode não acabar quando nós acabamos. “Talvez eu use a fotografia para me explicar, para me lembrar que eu estou vivo”, diz Duane.

E embaixo da foto ele escreve: “This photograph is my proof. There was that afternoon, when things were still good between us, and she embraced me, and we were so happy. It did happen, she did love me. Look see for yourself!” Essa fotografia é minha prova. Houve aquela tarde quando as coisas ainda estavam bem entre nós, e ela me abraçou, e nós estávamos tão felizes. Aquilo realmente aconteceu, ela realmente me amou. Olhe, veja você mesmo!

eu acredito. mesmo que aquela fotografia não prove nada, mesmo que aquela cena nunca tenha existido, mesmo que aquela pessoa ali não seja duane. eu acredito.

* Aí tem essa música cantada por Chet Baker, que eu tenho a impressão de que, mesmo não dizendo a mesma coisa, é quase a tradução sonora da foto de Duane.

Sobre joanafpires

recife, 27, 60, 170, 35, 40
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6 respostas para Podia ficar olhando pra sempre esta foto de Duane Michals

  1. Cecília Pires disse:

    Lindos!

  2. quelmoliterno disse:

    Joana,
    Muito obrigada.
    Como sempre ler os posts de vocês “moves me”…
    Mas esse em especial eu quis comentar porque a tua leitura de Duane Michaels é gêmea separada na maternidade da minha… E ouvir esse eco fora de mim me alembrou que esse é o meu caminho também. Venho tentando achar mestres guias faz um tempo já. E teu post me trouxe a resposta. Que eu já tinha perdida dentro de mim.
    Sem falar que sempre achei exatamente isso dessa versão de Chet pra Funny Valentine!
    Por isso – e não só por isso – agradeço.
    Raquel

    • joanafpires disse:

      Raquel, que coisa incrível essas conexões! Fiquei impressionada e emotiva! Eu que agradeço por vc ter compartilhado comigo seu ponto de vista. fico feliz de não estar sozinha. O mundo está mesmo todo conectado.
      umbeijo,
      joana

  3. truly beautiful photos!!! chet baker was amazing too!!!

  4. Um dos mais belos objetivos da fotografia é emocionar e Duane conseguiu fazer isso com essa foto.

  5. Quel disse:

    Dá mais força pra seguir em frente quando a gente olha pro lado, e vê mais gente indo na mesma direção, não é?!
    Buscando as mesmas perguntas.
    Encontrando a mesma resposta. Caminhando junto. Junto.
    O coração fica quentinho, né…
    E só tenho a agradecer à fotografia por ela me dar tudo isso.
    E oro sempre pra conseguir retribuir de alguma forma.
    Beijo,
    Quel

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