Podia ficar olhando para sempre esta foto de Sally Mann

Foto: Sally Mann, da série “Proud Flesh”

Nenhuma imagem é capaz de residir uma pessoa inteira. Tenho essa impressão quando vejo as fotografias de Sally Mann e sua trajetória pessoal no campo da arte. E me sinto na difícil missão de escolher uma foto para propor a esse Olhando Pra Sempre, porque escolher essa imagem é como apontar uma determinada faceta da fotógrafa e essa determinação pode ser castradora.

A imagem acima foi produzida entre 2003 e 2009 e integra a série intitulada “Proud Flesh” (“carne orgulhosa”, em português) composta por fotos que Sally tirou de seu marido, Larry Mann. As fotos foram todas feitas em colódio úmido – uma das técnicas fotográficas mais antigas, que consiste na exposição de um negativo de vidro sensibilizado com nitrato de prata e utilizado, úmido, numa câmera de grande formato. Como remanescente de uma fotografia ainda artesanal, essa técnica é empregada por Sally para produzir imagens com certo grau de imprecisão, cujas falhas – normalmente consequentes de sujinhos de poeira – são uma forma de construir um discurso também através do erro.

Talvez por essa presença do erro, as fotografias de Sally consigam estabelecer certo diálogo com o humano, o indivíduo. Na série Proud Flesh, como podemos ver na imagem que destaquei, Sally nos mostra seu marido de uma forma tão etérea que nos parece que ela tornou um sonho presente, ou encontrou uma forma visual de fazer uma ode ao homem, ao amor, ao corpo. A questão da carne orgulhosa é o modo pessoal que a artista encontrou de lidar com a recém-descoberta doença de Larry, diagnosticado com uma forma rara de distrofia muscular que enfraquece sua musculatura progressivamente. Para Sally, a arte é uma forma de lidar com o seu cotidiano. “Tenho grande respeito pelas pessoas que viajam para lugares distantes para fazer sua arte. Mas sempre fez parte da minha filosofia a tentativa de fazer arte no meu dia-a-dia, a partir do comum,” afirma no filme “What Remains: The Life and Work of Sally Mann“.

A arte de Sally é contemplativa e extremamente pessoal, mas estabelece um diálogo direto com conceitos universais como o indivíduo, o cotidiano e o corpo. Seu trabalho ganhou projeção nos anos 1990s, quando publicou a obra “Immediate Family” (veja algumas dessas fotos em “Family Pictures“). As imagens causaram polêmica porque exibiam crônicas quase diárias da infância dos seus filhos – com direito a tudo o que é recorrente e comum a esse período, como a nudez infantil, os acidentes de percurso, etc. Por conta disso, Sally foi submetida a críticas fortes que relacionavam sua fotografia à pedofilia e à pornografia.

Mas a relação de Sally com a nudez ultrapassa qualquer tentativa de limite imposto por certo puritanismo. A nudez em suas fotos, seja a nudez de seus filhos ou a nudez mais madura de seu marido, é uma forma de lidar com a maior de todas as liberdades de um indivíduo – o seu corpo, aquilo que o diferencia, o identifica e ao mesmo tempo o iguala a todos os outros. Somos todos carne, somos todos nus – dizem as fotografias de Sally Mann.

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recife, 27, 60, 170, 35, 40
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2 respostas para Podia ficar olhando para sempre esta foto de Sally Mann

  1. joana aquino disse:

    a foto me deu a sensação de estar acordando… a imagem ainda se formando com o embaço dos olhos de quem acordou. adorei jô

  2. vivi disse:

    Puxa, linda foto!

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