Diário de Bordo – V Theória – 2

Se ontem a noite foi de confraternização, o dia hoje foi de muita reflexão. O Theória começou a terça-feira de manhã com o auditório lotado. Na primeira mesa do evento, contamos com as comunicações de Benjamim Picado (UFF), Paulo Carvalho (UFPE) e Emiliano Dantas (UFPE), e, à tarde, ouvimos as palestras de Rubens Fernandes Junior e Tiago Santana.

A mesa da manhã rendeu bastante. Todos os palestrantes estouraram o tempo previsto, o que adiou um pouco o encerramento para o almoço. Benjamim Picado apresentou o artigo intitulado “Das Intensidades às Depurações da Paixão na Imagem: mutações do gesto e do acontecimento no fotojornalismo”. Citando Barthes, Gombrich, Didi-Huberman, entre outros, ele apresentou análises comparativas de algumas imagens fotojornalísticas com a pintura de ação do século XVIII, para falar sobre a manifestação do gesto e sobre algumas intencionalidades da imagem ao representar um acontecimento. Ele seguiu com uma apresentação iconográfica questionadora de padrões estabelecidos na construção do sentido da imagem fotojornalística, apresentando a crise atual na produção de fotografias para imprensa.

Paulo Carvalho apresentou um texto que chamou de “Bartleby, o fotógrafo: notas sobre a negatividade nas imagens fotográficas”. Pontuando algumas anotações que fez ao longo de sua pesquisa de mestrado, de forma paralela, e que hoje desenvolve no doutorado, Paulo falou sobre a apatia, o tédio, a inapetência, a depressão, e todas essa negatividade do vazio nas imagens fotográficas. Para Paulo, interessa descobrir como se dá a enunciação da inapetência através da fotografia, o que para ele é incomunicável. Para isso, se baseia em alguns personagens da literatura de W. G. Sebald.

Por fim, Emiliano Dantas apresentou o seu artigo “As Possibilidades da Representação”, em que fala sobre a representação fotográfica de um povo, de uma identidade, sob um ponto de vista antropológico contemporâneo, menos estereotipado. Emiliano fala sobre o conceito de “representação da representação”, de Etienne Samain , para falar de uma fotografia antropológica construída, mediada. O pesquisador apresentou casos para análise, falou sobre as descobertas de Margaret Mead e Gregory Bateson, e discutiu os trabalho de Claudia Andujar, com filme infravermelho, sobre os yanomami, e de Pierre Verger, sobre os orixás. 

Ao final das apresentações, a mediadora da mesa, professora Fernanda Capibaribe (UFPE), fez algumas provocações para cada um dos participantes, o que desengatou em colaboração e envolvimento de todos os pesquisadores a respeito do tema do outro e as respostas foram discutidas coletivamente.

Durante a tarde tivemos a apresentação do Professor Rubens Fernandes Junior, jornalista, curador e crítico de fotografia, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professor e diretor da Faculdade de Comunicação da FAAP – SP.

 Rubens Fernandes Junior | Foto Pri Buhr

Rubens Fernandes Junior  Foto Pri Buhr

Para quem já conhece o trabalho de Rubens, vai ser fácil entender quando digo que sua fala é em perfeita sintonia com sua escrita: leve, simples, direta, contagiante e repleta de um conhecimento que é disseminado e transferido suave e sutilmente.   Em sua apresentação, Rubens nos levou a um passeio pelo Recife nos anos de 1900 ao mostrar um pequeno recorte de sua vasta coleção de cartões postais. Lindos cartões que serviram de mote para uma conversa sobre memória, identidade, e, claro, fotografia.

De cara uma pergunta balizadora: Que espécie de futuro podemos projetar diante das experiências vividas? A partir daí, teceu uma análise sobre a importância e relevância da cartofilia, sua representatividade na construção e memória de uma cidade, sua estreita relação com a imagem fotográfica.  Segundo o próprio Rubens, a viagem no túnel do tempo através dos cartões postais é uma aventura dinâmica, comparativa e dialógica. Rubens falava sobre a importância da potência dos cartões postais como disseminadores da imagem fotográfica, e essa imagem como ferramenta fundamental, que contribuiu particularmente na modernização e conhecimento. Estes cartões possuem uma rara eficácia em termos de informação massiva, uma fonte de pesquisa riquíssima, de suma relevância antropológica, cultural e social.

Rubens nos devolveu estes cartões postais com imagens do Recife, nos premiou com uma gostosa conversa e destacou o papel histórico e social da fotografia, mas, muito além disso, nos deu a possibilidade de olhar estes cartões no sentido de estabelecer parâmetros e não apenas o olhar com nostalgia, afim de encontrarmos a resposta à primeira pergunta e provavelmente a muitas outras.

Na sequência tivemos a apresentação do fotógrafo Tiago Santana, que iniciou sua fala dizendo que não era possível separar a sua história de vida da fotografia e assim guiou uma conversa leve e apaixonada sobre sua trajetória, mas mais do que isso, sobre a sua forma de viver e pensar a fotografia como algo consequente, como algo fruto de sua maior busca que são os encontros.

Tiago Santana  Foto Pri Buhr

Tiago Santana Foto Pri Buhr

Tiago fez um discurso apaixonado sobre os caminhos que o levaram para a fotografia, sobre a relação com a sua cidade natal, o Crato, e como seu olhar e sua busca por um entendimento e proximidade com o povo daquela terra, a sua terra, foram fundamentais para a sua formação de fotógrafo, para a formação do seu olhar fotográfico. Tiago também levantou questões interessantes sobre a forma como ele vê a fotografia: uma atividade coletiva acima de tudo. Tiago falou sobre a importância da troca, do contato, das relações humanas e geográficas em que o fotógrafo vai criando ao longo de sua trajetória e que dão força, potência e grandeza a um trabalho.  Para ele, o que mais importa são essas relações que ele estabelece, a fotografia vem como pretexto para ele buscar esses encontros.

Ao longo da sua fala, Tiago mostrou seus belos “pretextos”: os trabalhos “Benditos”, “O Chão de Graciliano” entre outros e respondeu para si mesmo uma questão sobre o tempo de seus trabalhos, quase como uma auto-reflexão:  sempre que se apresenta em festivais, Tiago mostra o Benditos, um trabalho fruto de uma imersão de 8 anos em um universo extremamente particular que é o Monumento do Padre Cícero em Juazeiro do Norte. Por isso, Tiago sempre é questionado se não tem nenhum trabalho novo, se não está mais produzindo… Tranquilo, Tiago falou que a fotografia precisa do seu tempo, que um trabalho precisa além de ganhar força por si só, ganhar força dentro do próprio fotógrafo, por isso, ele respeitava o seu tempo e não vivia a angustia de ter que apresentar um novo ensaio a cada ano. Uma reflexão bastante importante quando pensamos na fotografia contemporânea e nas exigências que o mercado em imposto. Os fotógrafos precisam produzir, produzir, produzir, sempre ter algo novo para mostrar. Será que precisamos realmente viver em função disso? Será que essa angustia por produzir não atrapalha ainda mais o desenvolvimento de trabalhos consistentes? Tiago falou de um outro caminho, mais leve, mais calmo, mais focado no próprio crescimento de olhar, de poética, mas principalmente falou da importância do tempo na construção de um trabalho: o tempo de realização, de maturação, de desconfiança e voltas atrás, de caminhos percorridos, de amadurecimento de olhar e da própria paixão pelo trabalho que se está fazendo. E finalizou deixando para nós essas palavras lindas de Cláudia Andujar:

“Meu trabalho ainda não encontrou sua forma definitiva, que na verdade creio que não existe. Como os mitos, se adapta, incorpora novas imagens e toma novas formas, passa pela transcodificação  (das imagens) para se atualizar, numa bricolagem virtual infinita. “

Sobre bellavalle

Fotógrafa, pesquisadora, professora da UFPB, mestre pela PUC/SP, doutoranda pela UFPE e amante da vida.
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Uma resposta para Diário de Bordo – V Theória – 2

  1. Marco Pimentel disse:

    salve Tiago Santana e seu jeito de olhar.

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