O debate sobre o exercício da crítica acabou amplificado por uma mesa que ocorreu no último dia, reunindo estudos de caso sobre publicações on line. Estavam na mesa Ronaldo Entler, do blog Icônica, Mane Adaro, do Chilenizacion de La Fotografia; e Fernando de Tacca, da revista Studium. Os três apresentaram o funcionamento dos respectivos sites e os objetivos que os motivam a desenvolver esse trabalho na internet.

Icônica reune produção realizada por quatro pesquisadores situados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília | Foto: Ana Lira
Entler iniciou o debate apresentando a equipe do Icônica, que inicialmente era formado por ele e por Rubens Fernandes Junior, e que hoje agrega também as participações de Claudia Linhares Sanz e Maurício Lissovsky. É um blog elaborado por quatro pesquisadores que dialogam com um público que, até então, não se imaginava ter interesse por textos mais longos e elaborados sobre fotografia.
Entler disse que eles recebem um retorno muito atencioso das pessoas por e-mail trazendo questões a respeito do que leram, mostrando que a iniciativa se consolidou no cotidiano dos leitores em outro tempo, que não é o do instantâneo da internet. Ele percebe que o Icônica é visto como um espaço de pesquisa e de critica, mas que consegue fazer uma ponte entre o conhecimento produzido pelos colaboradores na academia e leitores com experiências diversas.
Para ele, o diálogo via internet é motivador porque torna possível esse contato, que não ocorria por meio de publicações mais tradicionais elaboradas pelas universidades e institutos de pesquisa. Este ponto de vista foi compartilhado por Fernando de Tacca, da revista Studium. Ela existe há 12 anos e ganhou um patamar completamente diferente quando se estabeleceu na internet e abriu a possibilidade de ter seu conteúdo sugerido e editado até por colaboradores externos ao ambiente universitário.

Fernando de Tacca acompanhou os estudos de caso dos blogs Icônica e Chilenization de La Fotografia e afirmou que a Studium está aberta a receber propostas de edições especiais e colaborações | Foto: Ana Lira
Durante esse tempo, a Studium contou com a colaboração de diversos fotógrafos, artistas, pesquisadores, jornalistas e vem gerenciando conteúdos on line por meio da inserção de hiperlinks entre o material publicado, que hoje agrega textos, galerias de imagens, projetos multimídias, entre outros. A revista está aberta, também, para a elaboração de especiais, como na edição que está atualmente no ar e traz um projeto realizado em parceria com um grupo de profissionais do sexo de São Paulo.
Também interessada em ampliar o intercâmbio entre diferentes formas de pensar e compreender a fotografia realizada em seu país, Mane Adaro criou o Chilenizacion de La Fotografia. A diferença dele para as duas publicações anteriores é que o blog é desenvolvido apenas pela própria Adaro, que edita e divulga todo o conteúdo, e ele tem um recorte específico: mapear trabalhos e fotógrafos que estivessem desenvolvendo trabalhos ligados à paisagem do Chile, debatendo o país enquanto espaço de representação ou pensando os desdobramentos de seus temas na contemporaneidade.
Para isso, os fotógrafos não precisavam ser chilenos ou residentes no país, mas os trabalhos precisavam tocar no recorte proposto por ela. O blog, portanto, tem um conteúdo bastante forte de imagens, onde Mane Adaro apresenta as discussões dos trabalhos, divulga ações e procura estabelecer um diálogo com projetos desenvolvidos em linguagens fotográficas distintas. Além disso, o seu interesse maior é por fotógrafos emergentes, mais do que por trabalhos que estão consolidados.
Entre eles, estão os trabalhos de Alejandro Olivares (Living Periferia) e Carlos Avello, a quem Adaro pediu para escreverem textos que deixassem claro os processos criativos dos trabalhos. A imagem como mera ilustração do texto não a interessa. O que ela busca são projetos cujo discurso entre imagem e processo criativo estejam sintonizados. A iniciativa trouxe visibilidade aos fotógrafos e ela se viu realizando curadorias de trabalhos emergentes e proporcionando uma conversa entre o meio fotográfico chileno e de outros países.
Essa troca intensa de informações entre meios distintos da fotografia eu também percebi nas discussões da mesa O Pensamento na Academia, que reuniu os pesquisadores Mario Ramiro e João Martinho de Mendonça, com mediação de Geórgia Quintas. O mais bacana dessa mesa foi perceber que existem mudanças significativas em curso no ambiente acadêmico que, se ainda não chegaram na maioria dos núcleos, programas e grupos de pesquisa do país, apontam para um novo cenário nas próximas décadas.
Mario Ramiro mostrou que aproximação dos fotógrafos e artistas visuais do ambiente acadêmico vem trazendo uma série de reflexões aos dois lados. Ele colocou que, entre as experiências que ele vem acompanhando, vários fotógrafos têm buscado a academia como forma de responder questionamentos e encontrar novas maneiras de pensar a própria produção. Por sua vez, eles têm levado para o ambiente acadêmico a necessidade de repensar os formatos de condução e apresentação do conhecimento construído na academia.
Como exemplo, ele citou o caso de Caio Reisewitz, que desenvolveu o personagem fictício de um fotógrafo, para realizar um projeto que se distinguia completamente do seu próprio processo criativo. Um segundo projeto citado por ele foi uma dissertação de mestrado que foi apresentada integralmente em imagens, sem estar acompanhada por uma única linha de texto. Entre as questões debatidas por Ramiro, esta última foi uma das que mais gerou debates depois das mesas do evento. Fiquei pensando comigo no quanto é forte a nossa dependência do texto, a ponto de estranharmos de forma tão contundente a sistematização de um conhecimento em imagens.

João Martinho e Mario discutem novos caminhos do pensamento na academia por meio da fotografia | Foto: Ana Lira
Outra mudança forte na academia foi trazida no material apresentado por João Martinho. Professor da área de antropologia, ele mostrou diversos trabalhos de campo de antropólogos que se apoiavam em imagens e como a fotografia, hoje, é vista dentro do ambiente da antropologia. Martinho afirmou que os antropólogos estão descobrindo as câmeras e compreendendo melhor a linguagem fotográfica como um elemento de mediação dos trabalhos de campo – e, com isso, investindo mais em cursos e na aproximação com a área.
Porém, ele chamou atenção para o fato de ainda ser lenta a mudança na postura colonizadora com que se lê as imagens produzidas em trabalhos de campo e pesquisas realizadas em diversas épocas. Em sua opinião, contudo, uma das grandes contribuições da relação da antropologia com a fotografia e, em especial da antropologia visual, é a quantidade de publicações produzidas pelos centros de pesquisa, programas e projetos, que colaboraram para a discussão de diversas questões sociais importantes usando a fotografia e os diários de campo como fontes de percepção.
Quando todas essas mesas terminaram e a sessão final intitulada Curadoria Contemporânea: a pesquisa crítica como construção de reflexão estava em andamento com Eder Chiodetto, Juan Molina, Diógenes Moura e Claudi Carreras (como mediador), eu percebi que todas as discussões ocorridas durante o evento estavam relacionadas. É impossível discutir seleção, mediação e curadoria, sem pensar no fazer fotográfico, em sua crítica, na produção de conhecimento dentro e fora da academia e nos caminhos para fazer tudo isso circular.
Exercer um trabalho de curadoria é precisar lidar com todas essas questões, por isso não foi à toa que a fala de todos os debatedores, apesar de suas nítidas diferenças, traziam a visão do curador como um pesquisador. Foi muito bom enxergar essa costura porque ela é um bom ponto de partida para que se pense nas atividades de fotógrafo, crítico, produtor, educador, entre outras, como integrantes desse diálogo que se abre com o exercício de curadoria.

Rosely Nakagawa questiona os curadores participantes da mesa a respeito do uso banalizado do termo curador: “Eu sou uma curadora em crise com o termo. Qual seria a melhor definição para o que fazemos hoje em dia?”. O debate seguiu intenso | Foto: Ana Lira
Por hora, como eu disse no começo desse texto, as questões mais específicas sobre o tema ficam para o meu próximo diálogo. Contudo, eu não posso deixar de colocar que, participar de discussões que tanto me interessam no evento e escrever esse Diário de Bordo, foram de uma riqueza enorme para os meus caminhos na fotografia e no trabalho conjunto que eu venho realizando com várias pessoas, seja nos meus queridos coletivos ou nas parcerias e convites que tenho recebido para construir outros projetos.
Fiquei muito feliz com o resultado do encontro. Espero que esses relatos (enormes, eu sei!) possam abrir um diálogo bacana tanto com quem esteve junto comigo em São Paulo quanto com quem mais se interessar em conversar. Estamos abertos e sempre com muito carinho!
Cheiro e até breve =)
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