Ok, depois de um dia inteiro de polêmica, o Instagram se pronunciou e acalmou os ânimos enfurecidos dos seus 50 milhões de usuários. Eles “não têm intenção” de vender suas fotos, e “não querem” usar as suas imagens em anúncios publicitários, foi o que disseram – particularmente, achei os dois termos bastante escorregadios, mas o contrato inteiro vai ser reformulado, então vale aguardar. Leia aqui o pronunciamento da empresa: Thank you, we’re listening!
O anúncio de novos termos de uso tinha sido feito na segunda (17/12) e já foi o assunto do dia nas redes sociais e em muitos portais de notícias. Isso por conta de alguns parágrafos que pareciam ter sido escritos com o benefício da ambiguidade. Um deles dizia:
2. Para nos ajudar a oferecer conteúdo pago ou patrocinado interessante ou promoções, você concorda que uma empresa ou outra entidade possa nos pagar para mostrar seu nome de usuário, o que você curtiu, fotos (assim como metadados associados) e/ou ações suas, em conexão com conteúdo pago ou patrocinado, sem nenhuma compensação para você. Se você tem menos que 18 anos, ou qualquer outra idade aplicável à maioridade, você atesta que, ao menos um de seus pais ou guardiões legais também concorda com o fornecimento (e uso do seu nome, do que você curtiu, nome de usuário e/ou fotos (junto com qualquer metadado associado)) em seu nome.
Muita gente se revoltou por três questões principais: o texto sugere,de forma pouco clara, que o Instagram pode fazer algum uso comercial das suas fotos; a privacidade de cada usuário poderia ser comprometida de acordo com essa política; os direitos autorais poderiam ser desrespeitados. Muita gente comentou o assunto, inclusive alguns fotógrafos famosos. O Time, que também tem perfil no Instagram, fez uma matéria com o depoimento de alguns profissionais que fizeram questão de se pronunciar contra a nova medida.
Se o Instagram não mudar seus termos a fim de ser mais respeitoso com as necessidades da comunidade de fotografia profissional, então eu provavelmente vou deixar a plataforma uma vez que os novos termos sejam efetivados. Dito isso, eu acredito que o Instagram precisa da comunidade profissional para continuar a validar ainda mais a sua plataforma. Caso contrário, o Instagram vai acabar como um cemitério de fotos do pôr do sol, gatos e pratos de comida e o fator legal vai ser perdido.
-Matt Eich, do mediastorm
É uma decisão bizarra para mim. Fotógrafos profissionais levaram legitimidade e audiência para o Instagram. Publicações como a TIME e o The New Yorker estão usando ele como forma de distribuir conteúdo. Claro, é bastante valioso para eles. Mas faz sentido do ponto de vista econômico quando eles alienam os principais usuários? O Instagram foi divertido nas últimas semanas, mas com esses termos não vai ser difícil deixá-lo para trás.
– Peter van Agtamel, da Magnum
No Brasil, alguns fotógrafos aproveitaram seus perfis em redes sociais para comentar o fato. Entre desesperos e inconformações, a novidade gerou também muita gaiatice, basta dar uma procurada na hashtag #sellthisonezuckerberg e ver a revolta dos usuários. Também já tem tumblr de cambista de instagram, para quem quiser dar uma olhada nas opções de negócios é só ir no Cambistagram. A confusão não é pouca e faz pensar.
Não simplesmente na matreirice de Zuckerberg e companhia (o Co-fundador do Instagram, Kevin Systrom já disse que não foi má fé, mas a gente permanece desconfiado) mas principalmente nas nossas formas de utilização dessas plataformas. Digo isso porque o debate sobre a fotografia e as redes sociais já me cativa há certo tempo e também porque, sendo fim de ano, começo a fazer aquela análise retrospectiva do que se passou em 2012, este ano cabalístico que parece que antes de acabar, leva com ele o mundo.
Em 2012, me aventurei a dar aula para estudantes do 8o ano do Fundamental II numa escola aqui do Recife. A matéria era Educação para Leitura de Mídia, e na grade curricular, que é adaptável à abordagem de cada professor, coloquei algumas questões sobre mídia tradicional (imprensa, liberdade de expressão, etc.), redes sociais e outras mídias alternativas e o discurso imagético, com foco em fotografia, que é minha especialidade.
A experiência foi maravilhosa, principalmente para mim (espero que tenha sido para eles também), mas faço agora uma análise sobre o que ensinei em 2012 àqueles meninos e meninas. Porque, algumas das coisas que tentei ensinar a esse público com idade entre 12 e 13 anos, percebo diariamente que amigos meus e amigas minhas, com seus já bem mais de 20 anos, parecem não entender completamente.
E acho que o rebuliço de hoje entre Instagram e opinião pública demonstra isso. Na verdade, qual o domínio temos sobre os conteúdos que publicamos na Internet (sejam eles nossos ou de outras pessoas)? Ou para ser ainda mais delicada, qual a compreensão temos sobre esses conteúdos?
Hoje, 70% de todas as interações entre os mais de 800 milhões de usuários do Facebook tem a ver com fotografias. Segundo dados publicados numa matéria na Veja: a cada dia, em média, usuários publicam 250 milhões de fotos no serviço. O número de imagens da rede cresceu 14 vezes em apenas três anos (2008 a 2011), atingindo 140 bilhões de fotos no fim de 2011. “O sucesso é tamanho que, atualmente, o acervo é 23 vezes maior do que o do Flickr, site criado especificamente para abrigar fotos de usuários. A diferença é que o Facebook criou mecanismos para que seus afiliados não apenas armazenem, mas também compartilhem suas criações e, assim, passem mais tempo ali” (veja a matéria aqui).
E é nessa hora do compartilhamento que muitas vezes perdemos a atenção no que as imagens dizem. Dia desses tive um debate, via facebook mesmo, com a turma de mídia sobre as imagens compartilhadas na Internet. Meu questionamento era se eles identificavam que compartilhavam postagens homofóbicas e outros preconceitos do tipo. A imagem em questão era essa, de Freddie Mercury x o grupo One Direction (hit teen, pra quem não conhece):
Alguns dos alunos, ao discutirem a recorrência dessas imagens na timeline, não reconheciam essa postagem como homofóbica, mas apenas como uma brincadeira – mesmo que a postagem relacione homossexualidade invisível a algo positivo e um beijo entre dois garotos (que depois descobri ser uma montagem) com algo negativo.
Mas o mais interessante é que esse comportamento se repete muitas vezes pela maioria das timelines – e é reforçado por pessoas de idades bem mais avançadas que os 12-13 anos dos meus alunos. Basta pensar nas postagens de conteúdo sobre futebol e já dá pra fazer uma lista de exemplos semelhantes repetidos por homens e mulheres bem mais velhinhos.
A quantidade de informação falsa compartilhada via redes sociais também é grande e as imagens são também as campeãs desses compartilhamentos. Postagens garantindo doações de R$1,00 a cada compartilhamento são recordes e imagens de crianças desaparecidas que já foram encontradas continuam circulando via rede mundial ad eternum – numa busca incessante que me lembra o triste personagem de A. I. Inteligência Artificial, eternamente à procura da fada que lhe devolveria a mãe.
Só um exemplo é que dia desses compartilharam pelo facebook uma foto do ator Cássio Scarpin (aquele que fez Nino, no Castelo Rá-Tim-Bum) e junto com a imagem uma tarja em que estava escrito “Luto – compartilhe se ele fez parte da sua infância”. Num dos compartilhamentos que vi na minha timeline, a foto estava associada a uma legenda que explicava: Cássio Scarpin comenta boatos de morte no Facebook, e trazia um link para um vídeo sobre o assunto. Mesmo assim, muitas pessoas postavam emoticons tristes ou comentários saudosos sobre o ator, como se ele estivesse efetivamente morto – o que só demonstrava que a maioria sequer lê as legendas das imagens.
Vale lembrar que as nossas próprias imagens são submetidas a esse mesmo tipo de mal-entendido. Por mais que adotemos filtros pra nossas publicações, a partir do momento em que elas são lançadas na Internet, qualquer controle sobre elas deixa de ser garantido.
A circulação de conteúdo é um princípio que faz a Internet ser como é e não pode ser controlada facilmente – as tentativas de reprimir downloads de músicas e outras postagens estão aí para provar. É preciso ter noção de que, uma vez compartilhado o conteúdo, o nosso nome estará diretamente vinculado a ele, seja atestando-o ou negando-o, e uma vez feita a publicação, ela tem a tendência a dar vôos mais altos do que a nossa timeline pode prever – e do nada, aquela foto que você tirou de tal cantor/artista/praia preferidos pode virar poster no quarto de alguém ou a sua foto de biquíni ou sunga pode virar wallpaper de computadores alheios.
Daí me pego pensando: como ensinar a jovens usuários que os comportamentos que eles vêem reproduzidos pelos usuários mais velhos são, no mínimo, insuficientes?
Bom senso se ensina?
eu acrescentaria o caso dos memes. muitos são desenhos inspirados em gente real ou personagens marcados por momentos considerados engraçados e que por isso viram hit. outras tantos, porém, são fotos de pessoas fazendo gestos e expressões faciais cuja a exposição exponencial pode gerar um ambiente bastante constrangedor.
há quem não ligue pra repercussão, como o jogador de basquete yao ming, que gerou o meme do oriental sorridente, ou o astrônomo neil degresse tyson, do meme “ui”. o mesmo não aconteceu, por exemplo, com o pedreiro galanteador (do bordão “sua linda”), um evangélico que não gostou nada de ter sua imagem exposta nesse contexto, pelo que pude apurar (pode ser uma versão falsa, como já observou Joana. como saber?). outro exemplo é o da marca de palitos de dente gina, que ameaçou processar o dono do perfil de facebook “gina indelicada”.
verdade que não faltam na internet situações que diariamente ferem direitos autorais e de privacidade. e é bem complicado apontar uma maneira de monitorar esse tipo de ação na grande rede. se existe uma alternativa, certamente é uma bem distinta dos padrões de controle do mundo real. no caso do brasil, algo que poderia jogar um pouco de luz nessas questões embaçadas talvez seja o marco civil da internet, mas a votação do projeto de lei que visa estabelecer direitos e deveres no mundo virtual vive sendo adiada.
uma vez vi em vídeo uma palestra do genial silvio meira, em que ele dizia que o futuro da internet será composto, entre outras coisas, de comunidades criadas pelos próprios indivíduos que a integram, com regras de convivência e produção próprias. acho que casos como esse do instagram só forçam a construção desse futuro. por enquanto, tempos apenas comunidades cujos indivíduos possuem necessidades particulares e uma pseudo sensação de liberdade e democracia, porém convivem em um ambiente criados por outros e modificados conforme a conveniência deles. o internauta de uma maneira geral precisa ter clara consciência disso.