Bastou passar trinta minutos acompanhando o twitter hoje para perceber que ainda estamos ecoando exaustivamente a notícia mais falada da última semana. E me parece que, quanto mais passado se torna a morte de Steve Jobs, mais a mídia se interessa em prolongar o luto a todo custo – mesmo que, para isso, seja necessário explorar notícias como “O que a roupa de Steve Jobs diz sobre ele” e (pasmem!) “Não é só o óculos que une Jobs a Lennon e Gandhi“.
Não pretendo, neste post, fazer coro aos viúvos de Steve (ou seria Esteve?), até porque não tenho muita participação no triunfo financeiro da Apple, mas fiquei um tanto interessada em pensar sobre todo esse reconhecimento de brilhantismo e, principalmente, o que ele (o brilhantismo de Jobs) provocou na fotografia nos últimos anos.
É fácil perceber, mesmo numa análise superficial, o quanto o nome do ex-CEO da Apple esteve diretamente ligado ao desenvolvimento da cultura digital principalmente nas últimas décadas – momento de afirmação do computador como uma ferramenta individual (Apple II, Macintosh) e da efetivação da Internet no nosso cotidiano, levada às últimas conseqüências com o Iphone.
Jobs e sua empresa transformaram a tecnologia da informática em um artigo de consumo fetichista, com uma série de produtos pop (hipster seria mais adequado?) porque são simples de usar, intuitivos e lindinhos mesmo, mas muito longe de serem efetivamente populares – prefiro não ser exagerada e dizer que Jobs “democratizou” qualquer coisa já que acredito que uma empresa como a Apple caminha muito distante da democratização de qualquer bem de consumo.
Mas qual a mudança que o seu trabalho provocou na relação que estabelecemos hoje com as imagens?
Acho interessante lembrar, como ensinou Manovich, que tanto a história da tecnologia da computação quanto a própria história da mídia começaram na década de 1830, respectivamente com a máquina analítica (Analytical Engine) de Babbage e o daguerreótipo de Daguerre (yep, fotografia). Essas tecnologias não foram desenvolvidas quase ao mesmo tempo por uma coincidência de deus. As próprias necessidades da sociedade moderna criaram as condições favoráveis para o surgimento de métodos de divulgação de ideologias (que seriam as mídias), e catalogação de informação (que seria o computador). E quando pensamos hoje em ferramentas como o Iphone é que isso tudo me parece irremediavelmente conectado.
Um aspecto me parece o ponto fundamental do legado de SteveJobs para quem fotografa: as práticas de fotografia que os seus produtos móveis incentivam – e aqui incluo o Iphone, e Ipad (tablet).
Quando a digitalização passou simplesmente a dominar quase todos os aspectos da nossa vida diária, a produção de imagens mudou de uma forma desmedida. Passamos da materialidade da fotografia analógica para a flexibilidade da fotografia digital, que além de tudo, torna-se um terceiro olho na palma da nossa mão, como falou Giselle Beiguelman a respeito das câmeras digitais.
A telefonia passou a dialogar com essa nova forma de olhar quando começou a acoplar câmeras aos celulares e deixou de ser necessário lembrar de carregar uma máquina fotográfica para registrar algum encontro, algum acontecimento. Fotografar se transformou numa ação comum, como enviar sms. Mas se não foi a Apple que inventou a câmera com celular, qual a grande inovação dos seus produtos para a fotografia?
A Apple tornou a fotografia de celular mais fácil, usando câmeras com mais qualidade e, mais ainda, criando aplicativos para captação, edição e divulgação num só instrumento do tamanho de um…celular. Pois é, a grande diferença do Iphone não é ser um telefone e ainda fotografar – isso já tinha sido feito antes – mas ser um telefone, que além de carregar todas as outras parafernálias do Inspetor Bugiganga, fotografa com uma qualidade impressionante, oferecendo uma infinidade de programas de edição e difundindo todas as imagens na Internet por canais diversificados e imediatos. E aí eu me lembro do celular que perdi com todas as fotos que eu tirava em 2007 e adiava milanos para descarregar no computador. Ladrão levou telefone e meu álbum de família daquele ano numa tacada só.
Temos o caso especial do Instagram, tão louvado e criticado nas eras recentes. Lembro que no Paraty Em Foco foi lançada uma brincadeira/atividade/desafio entre as pessoas que participavam do festival: todas as fotos publicadas no Instagram com a hashtag #revelarparaty seriam postadas no site oficial. E o que se viu foi um amontoado de foto de janela, porta, bicicleta, cavalo e burro. Pieter Hugo chegou até a brincar perguntando por que as pessoas achavam interessantes os burros e Iatã chegou a pedir numa de suas incursões: por favor, menos bicicletas.
Penso que se formos bloquear no Instagram as repetições de nosso dia-a-dia, nunca mais ninguém vai poder postar sua xícara de café da manhã, nem seus pés descansando esbeltos em um canto qualquer, nem seus gatos, nem garrafas de bebida heroicamente esvaziadas. O caso da repetição é inegável, mas existem outros aspectos do Instagram que são valiosos: como um amigo, fotojornalista premiado, disse que sentia um enorme prazer em fotografar com seu Iphone porque tudo parece uma simples brincadeira.
Se por um lado, fotografar no Iphone tem facilitado nosso relacionamento com a câmera, os programas de edição e as plataformas de divulgação digital, tudo como uma brincadeira ao alcance do touchscreen do celular; por outro lado, tem gente que, mesmo no Iphone, não brinca em serviço. Isabella nos mostrou o link de uma cobertura maravilhosa dos conflitos de guerra no Afeganistão feita com o Iphone. O ensaio do fotógrafo Balazs Gardi para a Foreign Policy Magazine não perde em discursividade, força, sensibilidade e criatividade para nenhum trabalho feito nas câmeras fotográficas mais recentes. O que nos permite concluir: o Iphone não nos deixa mais burros – só nos estimula a criar um relacionamento diferente com a fotografia.
E esse relacionamento está na segurança que a câmera nos oferece ao passar despercebida pela rua; ou na ansiedade que sentimos esperando carregar a timeline para ver as fotos dos nossos amigos; ou no prazer vaidoso de ouvir o toque de notificação de comentários e pessoas curtindo as nossas fotos.
Fico pensando ainda na questão do touchscreen e em como, quase 200 anos depois de a fotografia ter transformado pela primeira vez o visível em algo palpável, voltamos a interagir com as imagens novamente nas nossas mãos. O Iphone e, talvez mais ainda a prancheta mágica do Ipad (que vejo como uma plataforma que prioriza a visualização) tornaram a tecnologia touch uma parte mais presente no nosso cotidiano, transformando uma experiência que só era comum em filmes de ficção científica e laboratórios especializados. Foram , não exclusivamente, mas principalmente, essas ferramentas que colocaram as imagens de volta nas nossas mãos, para serem tocadas e carregadas conosco, sensíveis ao toque.
Gosto de pensar no caso do pai de Helder, Seu Mário, que, sabendo que estávamos eu e ele em São Paulo, pediu que comprássemos um cartão de memória para a câmera digital porque aqui em Recife os preços estavam muito altos. Quando voltamos, Helder encontrou na câmera do pai um cartão igual ao que tínhamos comprado, com uma capacidade mais que suficiente para uma câmera de uso familiar. Questionado sobre a razão de querer dois cartões, Seu Mário, meu sogro, disse que era porque o primeiro já tinha acabado – como se um cartão de memória fose um filme de 36 poses. “Mas o senhor pode descarregar as fotos no computador, apagá-las do cartão e usá-lo novamente”, explicou Helder; em que Seu Mário, prontamente, respondeu: é? E como eu vou fazer para mostrar as fotos pras pessoas quando não estiver em casa? Vou ter que levar o computador?
De forma geral, acho que foi isso que a tecnologia de Jobs trouxe para a fotografia: nos poupou de, a todo tempo, carregar a câmera, as lentes, o computador para a edição e envio das imagens, e os álbuns de família. Nos transformou em humanos multi-instrumentais conectados. O caso é que a dimensão completa disso não cabe nesse texto, nem nas nossas cabeças ainda.
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Para saber mais sobre Jobs, acho que vale a pena ler alguns textos que dialogam de forma divergente com o coro do gênio que mudou o mundo, como o Did Steve Jobs make the world a better place?; Ser um bom homem de negócios não o torna um homem bom; Diferente e muito melhor;
* A ilustração do professor Bugiganga foi uma brincadeira feita com as seguintes imagens: 1 e 2
** A outra ilustração do post chama-se “Simulação de Instagram”, porque eu não tenho Instagran, já que eu também não tenho Iphone =). Para quem também não tem Iphone e fica meio por fora das galerias do Instagram, o site http://web.stagram.com/ permite (às vezes, porque o site não funciona sempre bem) acesso à timeline dos usuários.
às vezes queremos discrição. às vezes queremos qualidade ergonômica; carregar bem menos volume e peso. às vezes queremos simplesmente brincar de fotografar. normal. por essas e outras razões, toda a praticidade difundida pelas câmeras fotográficas digitais e iphones da vida é maravilhosa, veio muito a calhar. acho curioso, porém, pessoas encararem essa nova prática como “o futuro” da fotografia. isso é uma coisa chata relacionada à tecnologia: pensar que o novo é iminentemente velho. será? a “iphonografia” inaugura um novo momento, um novo limite para a produção de imagens, mas é um produto específico, feito para atender a uma demanda específica (que pode ser motivada pela mais sincera necessidade ou, não raro, por questões meramente mercadológicas). não pode nem deve ser vista como algo que vai substituir práticas anteriores. definir se usaremos equipamentos analógicos ou digitais, câmeras DSLR ou iphone… acho que tudo depende do propósito e do processo de criação.
achei legal você mencionar esse incômodo da galera do paraty em foco com fotos de janelas, bicicletas… tipo, nada contra janelas e bicicletas, mas acho válido observar que hoje vivemos não apenas o apogeu da reprodutibilidade técnica (com walter benjamin se revirando no túmulo), mas também a padronização, o engessamento dessa reprodução, ou seja, grandes grupos reproduzem objetos e, mais que isso, reproduzem quase sempre os mesmos objetos.
isso é muito sério, na minha opinião. é a era da iconofagia (o livro de mesmo nome, de norval baitello júnior, é massa): você reproduz as imagens que consome, não as imagens que vê de fato. acredito que um comportamento iconofágico é oportuno quando estamos iniciando na fotografia (é comum praticarmos reproduzindo fotos que nos influenciam de alguma forma). mas a partir de um determinado momento isso só reflete despreparo visual; uma prova de que nem todo mundo desenvolve o hábito de pensar imagens, refletir sobre elas e a partir delas, fazer releituras, desconstruções.
as pessoas não tem a obrigação de buscar sempre originalidade e profundidade na produção fotográfica. às vezes queremos apenas brincar. mas acho importante equilibrar, alternar esses dois momentos, porque imagens interferem nas nossas decisões mais do que imaginamos… e o mundo inteiro precisa ter real consciência disso.
poisé, Chico, é bem isso mesmo! só acho que vislumbrar algo como “o futuro da fotografia” não é necessariamente pensar que o velho está em desuso. já temos a noção de que esses discursos escatológicos, na verdade, acompanham certos interesses de empresas e de que, as novidades estão aí para conviver de forma diferenciada com as práticas antigas. o caso é que o iphone veio para ficar até na fotografia e não se propõe como um substituto de nada mesmo.
Muito pertinente o texto, Jo. Obrigada!
Joana, se eu fosse você depois dessa eu acho que não hesitaria em vestir uma camiseta do tipo “seu Mário rules”! =P
De qualquer forma não vou negar que eu também adoraria ter iPhone, pra usar o Instagram e algum site que fizesse uso do GPS pra saber dos meus amigos que estivessem por perto (provavelmente o Google Latitude).
E, realmente não tenho nada substancial a acrescentar aqui: você e o Chico Peixoto já destrincharam a questão acho que bem satisfatoriamente. Ou talvez seja minha cabeça pós-almoço que não consegue filosofar agora sobre isso, vai saber!
vcs sao burros de acreditar na dilma ela n ta fazendo nada ja era pra ter feito
o luiz carlos IPE tbm n ta fazendo nada ninguem presta msm