É notório o crescimento do número de Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil na última década, em especial as faculdades. Os dados* do Censo da Educação Superior de 2010, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) apontam que as matrículas em ensino superior cresceram 110,1% em 10 anos, com destaque para a alta nas regiões Norte e Nordeste. Essas são mudanças significativas para a educação e a profissionalização no nosso país, novos cursos foram criados e outros aumentaram suas aberturas e ingressos.
Os cursos de fotografia seguem na mesma corrente, temos visto ampliarem-se os números de cursos de bacharelado, tecnólogos e de pós-graduação. Só aqui em Recife nos últimos 05 anos surgiram pelo menos 04 novos cursos superiores na área. Diante deste cenário, surgem perguntas como: é preciso fazer faculdade de fotografia para ser fotógrafo? Ou: vale a pena fazer faculdade de fotografia? Acredito que a primeira pergunta perde sentido quando pensamos que essa profissão é uma prática que parece transpor a formação acadêmica tradicional, que inclusive data de muito depois da existência da fotografia como profissão e expressão artística consolidada e respeitada. Quanto à segunda pergunta, trago a reflexão a partir da minha própria experiência, sem a pretensão de afirmar o certo ou o errado (se é que há), pois tampouco sei como teria sido meu caminho se não fosse do jeitinho que foi. Talvez melhor, talvez pior… Quem sabe?
Conclui o bacharelado em fotografia no final do ano passado, mas quando ingressei na faculdade, há 04 anos, era inteiramente iniciante, tanto em termos de técnica e prática, quanto de teoria. Vim de uma área completamente estranha, obturador e diafragma eram nomes que eu apenas havia escutado por aí, mas saber qual era um e qual era o outro, sabia não. Muito menos conhecia pensadores, pesquisadores e teóricos no campo da fotografia. Conhecia talvez os nomes mais populares de fotógrafos, tipo: Pierre Verger, Sebastião Salgado, Cartier Bresson, Robert Capa… Enfim, comecei como uma criança que está descobrindo o mundo, dando seus primeiros passos e, assim, cheia de vontade de se jogar e experimentar, mas também cheia de medos e receios. Medo de errar, medo de falar besteira, medo de fazer perguntas tolas, medo de descobrir que minha fotografia era ruim. Mas também cheinha de encanto, olhinhos brilhando a cada nova descoberta, seja ao aprender a mexer na câmera, ou ao descobrir o trabalho de um novo fotógrafo ou livro.
Foi uma graduação, digamos, turbulenta. Tivemos uma série de tropeços e complicações, fomos meio “cobaias”, como gostávamos de dizer. O curso, ainda muito novo (o primeiro Bacharelado em Fotografia do Norte e Nordeste), estava se adequando. Vários professores tiveram suas primeiras experiências em sala de aula ali, junto conosco. Acho que muitos tão estranhos e acolhidos quanto eu. Em alguns era possível sentir sua insegurança diante de uma turma inexperiente, heterogênea e cheia de ansiedade, ou ver a vontade e empenho em ensinar tudo o que sabiam, professores que se doaram e se envolveram junto conosco naquela empreitada.
Sem dúvida um dos pontos cruciais em qualquer instituição de ensino (e onde muitas pecam) é o seu corpo docente, eles são a base do ensino, é fundamental que sejam profissionais engajados e comprometidos, que dominem suas especialidades. É importante também que haja uma diversidade de formações e expertises (fotógrafos, jornalistas, designers, curadores, pesquisadores, produtores, profissionais do mercado…), que agregam conhecimento e possibilitam uma formação mais ampla, que vislumbre as interações e possibilidades entre as áreas. Infelizmente, nem sempre é assim na prática…
Voltando à minha experiência, ao longo do curso houve muitas desistências, as pessoas foram descobrindo outras formas de lidar com a fotografia, que não através da academia, ou perceberam que não era bem aquilo o que queriam ou esperavam. Parece-me comum que muitos interessados em fotografia confundam, ou não compreendam bem, o que representa o ensino de fotografia dentro das universidades e faculdades, por isso é bacana que se informem bastante antes de optar por este tipo de curso. Pois não é fácil aliar a teoria à prática, e o ensino superior no Brasil ainda é cheio de falhas e lacunas, isso é bem verdade. Muitas instituições abrem as portas sem o menor preparo e adequação necessária, oferecendo cursos despreparada e irresponsavelmente. Com fotografia não é diferente, pois é difícil encontrar professores com a formação específica necessária, a estrutura física também ainda é uma tremenda dor de cabeça, cursos como fotografia exigem espaços, equipamentos e materiais dispendiosos, nem sempre as instituições querem arcar com esses “custos”.
Mas, para mim, foi uma experiência importantíssima, foi dentro da faculdade que encontrei uma paixão, uma profissão, aprendi muito, fiz contatos, fiz amigos e colegas que me ensinaram tantas coisas, e sei que pude também ensiná-los outras, descobri que fotografia é um universo muito maior e mais fantástico do que eu poderia imaginar. Se não tivesse vivenciado a experiência da formação acadêmica teria demorado muitos anos mais para descobrir um tanto do que descobri ali dentro, se não houvesse arriscado estudar fotografia na faculdade, provavelmente teria deixado de conhecer tantas pessoas importantes na minha formação, ou tantos fotógrafos, projetos, escritores, teóricos, pensadores, pesquisadores… Não digo que não poderia tê-los conhecido de outro modo, mas a faculdade promove esse tipo de encontro, estimula essas movimentações, te coloca em contato cotidiano com a fotografia e com pessoas que a pensam e a fazem. Foi onde aprendi um pouquinho do que sei, do que carrego comigo de todas essas pessoas, suas maneiras de pensar, ver e lidar com a fotografia. Entre falhas comuns que uma faculdade particular pode oferecer, tivemos uma boa e enriquecedora experiência, que abriu o espaço do diálogo e da percepção para a fotografia. Esse foi o maior trunfo!
Porém, acredito também que seja na prática diária, e na dedicação fora da sala de aula, que se descobre o que poderá vir a ser útil ou inútil para a sua formação. São, por exemplo, os cursos, eventos, palestras, exposições e festivais que frequentamos, os livros e revistas que lemos, os diálogos e relações que travamos que contribuem nesse aprendizado e aprofundamento. Não se deve colocar apenas sob a responsabilidade da faculdade a formação de um profissional. É uma responsabilidade compartilhada, parte de nós também a maturidade, coerência e seriedade que esperamos encontrar. Nossa formação enquanto fotógrafos está muito mais em nossas mãos!
Então, a partir das lições que vivenciei e aprendi, dos erros e acertos, essas são as dicas que posso oferecer àqueles que se fazem as perguntinhas lá de cima: busque conhecer a estrutura da faculdade antes de ingressar (biblioteca, laboratórios, estúdio…); converse com pessoas que estudam ou estudaram na instituição para ter a opinião de alguém que realmente estudou lá dentro; se informe sobre o corpo docente e a grade curricular, é fundamental ter professores preparados, com boa bagagem e bons currículos; faça uma visita inicial e tente conversar com o coordenador e/ou professores do curso, e, se possível, assista a uma aula. Porém, reflita também quanto ao tipo de formação que você deseja. Tente descobrir o que pretende. Talvez seja interessante tentar perceber como você aprende melhor. Pois outra opção interessante é focar em cursos de curta duração ao invés de investir em um curso superior. Se seu interesse é apenas na prática, investir em workshops pode ser mais vantajoso (não que sejam excludentes).
E se, depois de pensar bem, você se decidir pela academia, seguem outras dicas importantes: Primeiro de tudo, saiba que seu curso é você quem faz. Sem querer tirar o peso e a responsabilidades das instituições de ensino e de seus formadores, mas, no geral, todas elas apresentam pontos positivos e negativos. Então, se dedique desde o primeiro semestre, estude, leia muito (livros, revistas, artigos, sites, blogs…), pesquise, anote referências e vá descobri-las; demonstre interesse, converse, pergunte, questione, debata, seja com professores ou outros alunos, nada de deixar as perguntas e dúvidas entaladas na garganta, a sala de aula é o espaço para colocá-las todas para fora; se gosta de pesquisa, procure saber se existem grupos de estudos e sobre as bolsas de iniciação científica, que são uma boa forma de desenvolvimento do pensamento científico e iniciação à pesquisa, ambos se mostram excelentes atividades formadoras de conhecimento e não são obrigatórias, mas valem muito à pena; estagie o quanto antes, se possível, em lugares diversos; entenda que uma das melhores coisas da faculdade é a possibilidade de estar pensando em coletividade, as trocas são fundamentais, então, usufrua disso, aproveite a vida social e cultural que ela oferece, envolva-se com projetos e ações extra-classe, interaja com alunos de outros cursos e etc.
Acredito que realmente não é necessário ter um título superior para se trabalhar com fotografia, mas pode, talvez, ser importante, cada caso é um caso. Para mim foi, e por mais que ainda não esteja satisfeita, estou orgulhosa do que já aprendi e conquistei. Cresci ali dentro, com os contatos, as trocas e referências de todos os dias, trabalhos e pesquisas que estimulam a produção e o pensar, o acesso ao conhecimento e à informação, aos livros e materiais, à vivência como um todo. Mas, acima de tudo, é importante compreender que a verdadeira formação depende da dedicação de cada um, seja dentro ou fora de uma instituição de ensino.
Dedicado a: Rafa Medeiros, Tiago Calazans, Guga Matos, Natuza Ferreira, Fernanda Mafra, Bernardo Dantas, Felipe castro, Marina Brito, Luísa Lima, Rafaela Moreira, Beto Figueiroa, Hugo Acioly, Daniel Oliveira, Rachel Bourbon, Jorge Gregório, Tereza Maia, Marco Antonio, Claudia Jacobovitz, Paz Sales, Adriana Freire, Fabíola Melo, Eduardo Queiroga, Mateus Sá, Georgia Quintas, Camila Targino, Roberta Guimarães, Monica Fontana, Thiago Soares, Cristiana Tejo, Eduardo Souza, Cristiano Lenhardt, Ricardo Bicudo, Damião Santana.
Lovely! Milinha
sua experiência é também a de muitos, Maíra, pode ter certeza. esse ato mais “formal” de ensinar fotografia – na verdade, a conclusão de que é mesmo preciso aprender e/ou educar as pessoas quanto a relação com as imagens – é algo bem recente, por isso prefiro acreditar que toda essa incerteza e imprecisão de alunos, professores, conteúdos, métodos, etc, acaba fazendo parte mesmo de um processo de amadurecimento. se com base no que aconteceu até aqui já é possível ver mais pessoas se interessando por fotografia ou expressões imagéticas de uma maneira geral (em intensidades diferentes, o que sugere também diferentes níveis de ensino/aprendizagem), novos segmentos (ou pelo menos novas tendências de mercado), o que não esperar para os próximos anos? em nossos bate-papos você sabe que sempre procuro ser otimista. aposto que no futuro ainda vamos dar risada de todas as dificuldades que temos hoje, você vai ver. beijo grande!
Ahahahahah, assim espero Chico! Não acho que esse processo seja exatamente recente, mas sem dúvida ainda estamos caminhando devagarzinho e acredito que com boas conquistas, o próprio número de cursos indica bem isso.
Obrigada sempre pela companhia por aqui. Beijo.
Maíra, adorei!
Vc colocou os pontos principais que um interessado na formação em fotografia deve ficar atento! Pra mim, a graduação em Fotografia foi extremamente enriquecedora e essa percepção ocorreu depois que me formei, quando me vi no mercado e fui, no devido momento, buscando as referências estudadas em sala de aula. O amadurecimento veio aos poucos e se não tivesse feito o bacharelado talvez ele nem chegasse, hoje em dia tenho um outro olhar sobre a fotografia e sobre o mercado, ainda estou aprendendo e pretendo continuar assim por uma eternidade, mas posso dizer que me sinto mais fotógrafa, rs!
ps; sem contar nas pessoas tão queridas que passam em nossas vidas, esse com certeza é um ponto importantíssimo! = )
Bjs
Sucesso!
É bem isso, Fabíola. Algumas fichas vão caindo com o tempo mesmo, comigo também. Mas é exatamente por termos vivido essa experiência toda, e agora esse amadurecimento, que podemos ter esse olhar. Minha intenção era dividirmos isso. Obrigada por compartilhar a tua também. Beijo, beijo.
Obrigado pela dedicatória 🙂
Essa semana tive a oportunidade – por motivos diferentes e com pessoas diferentes – de conversar sobre alguns aspectos que tocam ou são tocados pelo seu texto. Foram conversas com professores, com alunos, com fotógrafos. A relação entre educação e fotografia tem me interessado e eu estou envolvido com isso por vários lados. Pensar essa relação hoje é se deparar com uma complexidade bastante grande. Um ponto a se observar- e nós já conversamos um pouco a respeito – é o papel do estudante nesse processo. Quem é o estudante de graduação de fotografia? A heterogeneidade desse público já dá uma amostra dessa complexidade que falei acima.
Um outro ponto: por que fazer um curso de fotografia? Tenho visto tantas respostas diferentes para essa pergunta e, na maioria das vezes, não há um alinhamento entre o perfil e a motivação. Então temos uma infinidade de perfis multiplicada por uma infinidade de motivações. Sendo fotografia uma atividade (pois é, ainda tem uma gama grande de objetivos, que vão do hobby ao profissional) não regulamentada, o sujeito ainda tem essas opções até mesmo de que formação escolher.
Já temos uma pequena noção de que a fotografia é algo muito rico, com muitas possibilidades, que articula discursos, responde a interesses, com um poder enorme de geração de informação, reflexão e transformação. Ainda estamos engatinhando no aprendizado sobre essa linguagem tão rica. O curso superior não é o único caminho para conhecermos melhor a fotografia, mas é um dos caminhos. Mas não devemos nunca, em nenhuma área, pensar um curso de maneira verticalizada. O conhecimento é algo que se desenvolve nas pessoas e pelas pessoas. Esse é o desafio.
Eita Queiroga, eu que te agradeço, né?! Por esse comentário tão bacana, que complementa e amplia nossa reflexão, por que realmente temos uma série de questões, em cadeia, a serem levadas em conta, que são de extrema importância na formação (ou não) da galera e é tudo tão pouco conversado, pelo menos ao meu ver. Talvez, se todos nós fizéssemos mais isso, seria mais fácil compreender o caminho e a busca de cada um dentro desse campo tão cheio de vertentes, para assim aproveitá-lo melhor. E agradeço, novamente, pelo que você representou e representa na minha própria formação!! Obrigadãoo. Um beijo. 🙂
Excelente texto Maíra. Desde 2007 tenho a fotografia como hobby, mas demorei alguns anos para ter certeza de que essa seria a profissão que iria escolher. Ingressei num bacharel esse ano, com a certeza de não desistir no meio do caminho.
O corpo docente com certeza faz a diferença, e tudo que tenho aprendido teoricamente me esforço para colocar ao máximo na prática, o que não é fácil. Mas dentro desse primeiro semestre já percebi uma grande diferença em minhas fotos, o conteúdo está mais consistente e creio eu que, assim como você, há uma imensa alegria em ver os frutos de todo um processo de investimento de nossa parte para compreender esse mundo imagético que nos rodeia e contribuir com textos e imagens que contenham uma informação precisa e delicada de nossa visão, compartilhando o máximo com clareza com outras pessoas interessadas nesse ramo fotográfico. Parabéns pelo texto novamente.
Obrigada, Pablo!! Massa que você está vivenciando isso bem consciente. Aproveita muito a tua experiência e tudo o que teu curso e faculdade oferecem, pois passa voando. Abraço.
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Eu sem mais nem menos me apaixonei por fotografia eu sou uma estudante que amo bater fotos de coquer coisa pessoas, mussel e etc, e possível ganhar muito dinheiro nesta profissão ?
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Então, desde que eu me interessei por fotografia e comecei a pesquisar compulsivamente sobre o assunto, esse foi o melhor texto que já li sobre isso. Sinceramente, eu estava necessitando ler o que alguém que já fez faculdade de fotografia achou de tudo isso pra ter mais coragem de mergulhar com tudo no meu sonho. Tenho MUITA vontade de cursar fotografia, mas li em tantos lugares que é dispensável, que o melhor caminho seria fora da faculdade, acabei ficando insegura e perdi a certeza que tinha de cursar fotografia. Então, obrigada de coração, me ajudou muito mesmo cada palavra do seu texto!
Vou cursar fotografia e me esforçar muito, obrigada obrigada obrigada! ❤